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Sucessão em empresas familiares

Em tempos de crise como o que vivemos hodiernamente, este artigo tem o objetivo de tecer breves comentários acerca da necessidade de se planejar a sucessão, afastando riscos de litígios que prejudiquem a empresa e, especialmente, reduzam os custos do processo sucessório.

3/10/2017

1. Introdução

Sabidamente as pessoas possuem grande preocupação a respeito da salvaguarda dos bens e direitos adquiridos ao longo dos anos, já que a conquista de patrimônio é uma das formas mais antigas de reconhecimento da capacidade do indivíduo pela sociedade. O problema surge quando o assunto é a própria morte e a necessidade de racionalizar a situação para planejar o futuro da família, a fim de manter a segurança financeira dos entes após o falecimento.

Quando a fonte de riquezas da família está concentrada em uma empresa o problema é ainda maior. Como conduzir o processo de sucessão de modo que as atividades da empresa não sejam prejudicadas ou interrompidas? O que fazer para a perpetuação da mesma com o passar das gerações? Estas são as perguntas a serem respondidas.

O tema ganha especial relevância na medida em que a empresa familiar é uma instituição notoriamente presente no mundo, representando, conforme aponta Lansberg (1996 apud Oliveira 1999, p. 21), cerca de 70% das empresas existentes. No Brasil, esse fenômeno não é diferente, face o histórico de famílias empreendedoras, principalmente imigrantes que deram origem aos empreendimentos familiares.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) e do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), mais de 90% das empresas constituídas no país são familiares e representam um dos principais pilares da economia – cerca de 65% do PIB e 75% da força de trabalho.

Em tempos de crise como o que vivemos hodiernamente, este artigo tem o objetivo de tecer breves comentários acerca da necessidade de se planejar a sucessão, afastando riscos de litígios que prejudiquem a empresa e, especialmente, reduzam os custos do processo sucessório.

2. Conceito de empresa familiar e seus principais problemas

Na doutrina há extrema dificuldade de se obter uma definição clara e consensual acerca da definição de empresa familiar, o que se deve, em grande parte, a variedade de negócios familiares existentes. Vidigal1 (1996), em sentido amplo, afirma que excluindo-se aquelas criadas pelo governo, praticamente todas as empresas possuem origem familiar. Já Garcia (2001) afirma que empresa familiar é "aquela que é controlada com uma ou mais famílias", ao argumento de que "este conceito se baseia na ideia de propriedade, que é o que permite a uma família decidir os destinos dos negócios". Para Oliveira (1999) a empresa familiar é aquela que transfere o poder decisório de maneira hereditária a partir de uma ou mais famílias. Mas foi Martins (1999) quem resolveu a questão ao definir que empresa familiar é:

"(...) aquela em que um ou mais membros de uma família exerce(m) considerável controle administrativo sobre a empresa, por possuir(irem) parcela expressiva da propriedade do capital. Existe estreita ou considerável relação entre propriedade e controle, sendo o controle é exercido justamente com base na propriedade"

Independentemente do fator utilizado pelos doutrinadores para a definição do que vem a ser uma empresa familiar, certo é que todas giram em torno de três aspectos ou três características, conforme explicita Gallo (1995 apud Casillas 2007, p. 4), quais sejam:

"a) a propriedade ou controle sobre a empresa;

b) o poder que a família exerce sobre a empresa, normalmente pelo trabalho nela desempenhado por alguns membros da família;

c) a intenção de transferir a empresa a futuras gerações e a concretização disso na inclusão de membros dessa nova geração na própria empresa"

As empresas que possuem estas três características, ou seja, as ditas empresas familiares, em geral, segundo Casillas (2007), enfrentam os seguintes problemas:

a) A sobreposição entre família e empresa, considerada como a inexistência de clara separação entre o âmbito familiar e o da empresa, com a consequente sobreposição de papéis, ou seja, a pessoa é ao mesmo tempo pai, diretor-geral, principal acionista/cotista e presidente do conselho de administração;

b) As dificuldades para enfrentar a crescente internacionalização, assim entendida como os entraves para enfrentar a exportação, a incorporação de novas tecnologias e de novos processos e a adaptação e renovação de seus produtos;

c) A dificuldade para enfrentar uma renovação organizacional, encarando a necessidade de atualização continuada do seu pessoal, de sua cultura e dos seus sistemas, o que normalmente está ligado ao predomínio dos critérios familiares sobre os empresarias;

d) Ineficácia dos órgãos de governança da empresa, face a confusão entre o patrimônio familiar e o empresarial;

e) As dificuldades de planejar antecipadamente a sucessão da propriedade e da gestão da empresa.

A despeito do objeto do estudo ser o item ‘e’ dos problemas acima citados, já é possível antecipar que o processo de sucessão não pode ser trabalhado isoladamente, ou, em outras palavras, sem que sejam resolvidos ou minimizados os demais problemas apontados.

3. O Processo de Sucessão

Ensina Casillas (2007) que o processo de sucessão é a fase que termina com a transmissão do poder de decisão e da propriedade para a geração seguinte, sendo um dos processos mais importantes e ao mesmo tempo mais críticos que uma empresa familiar deve realizar para garantir a sua continuidade nas mãos da família empresária.

Enquanto 61% das empresas familiares são dirigidas pela primeira geração, apenas 39% são dirigidas pelas gerações seguintes, sendo 24% pela segunda, 9% pela terceira e 6% pela quarta ou gerações seguintes, conforme indica Amat (2000 apud Casillas 2007, p. 226).

Segundo Oliveira (1999), o processo de sucessão em empresas familiares pode ocorrer com a transferência do poder para um executivo familiar ou para um não familiar. Há vantagens na primeira situação, caso o herdeiro esteja preparado para assumir o comando, contudo, as desvantagens decorrem da disputa pelo poder; falta de consenso na escolha do sucessor que deveria contar com o apoio da maioria; adoção de critérios de escolha propícios para a manutenção da estabilidade do clima familiar os quais, ao fim e ao cabo, contrariam os critérios convenientes aos negócios.

Nesta esteira, com segurança, é possível afirmar que é imprescindível para a continuação da empresa familiar um processo de sucessão bem planejado, o qual começa pelo fortalecimento dos órgãos e respeito às regras de governança corporativa.

Conforme Lerner (2007), "Governança Corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/sócio-cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente, Conselho Fiscal, Conselho Consultivo e Conselho de Família".

O funcionamento deste sistema é imprescindível ao início do processo de sucessão pois, com a definição da competência dos órgãos acima apontados e o respeito às regras de governança pelos membros da família, afasta-se ou, ao menos, minimiza-se consideravelmente os problemas indicados no tópico anterior.

Organizada a administração da empresa, o processo de sucessão poderá continuar com a escolha da melhor forma societária para sua concretização, com ênfase nas questões cíveis e tributárias.

Como exemplo, no âmbito cível, é possível citar o respeito às regras de sucessão legítima, o regime de comunhão, a existência de união estável entre os participantes do processo, bem como a existência de dívidas que podem trazer à sociedade pessoas indesejáveis. Já a questão tributária se inicia pela observância à norma geral antielisão, introduzida no parágrafo único, do artigo 116, do Código Tributário Nacional por meio da Lei Complementar 104/01, mas, ao mesmo tempo, não se deve deixar de buscar alternativas legais que tragam economia tributária.

Atualmente, no Direito existe uma gama enorme de opções de formas e estruturas que podem ser utilizadas no planejamento do processo sucessório, como, por exemplo, o testamento, a doação6, o usufruto, as holdings patrimoniais, as fundações, os fideicomissos/trustes, empresas offshore, entre outras. Ademais, cumulado com o planejamento sucessório, é possível construir um sistema de proteção patrimonial, de modo a prolongar ainda mais os bens e direitos conquistados ao longo do tempo e cujo processo de sucessão já se iniciou.

Assim tem-se que os pilares do processo sucessório seguro são (i) a boa prática de governança corporativa, cumulada com (ii) a escolha da opção/estrutura mais adequada à situação fática da família e que possua o menor custo tributário.

4. Conclusões

A empresa familiar, apesar de ser um empreendimento econômico como qualquer outro, apresenta traços específicos que dificultam o processo de sucessão.

O planejamento do processo de sucessão se inicia com a adoção e cumprimento, pelos membros familiares, das regras de governança corporativa, de modo a profissionalizar o negócio e separar as questões familiares das empresariais.

Passo seguinte para a conclusão do processo é a escolha da opção /estrutura que melhor se harmonize a situação fática da família, de modo que seja sinônimo de divisão justa de bens, redução de custos e desgastes entre herdeiros, sempre com vistas a buscar a manutenção da empresa.

Esse trabalho procurou, em breve síntese, demonstrar que a resposta para as indagações (i) Como conduzir o processo de sucessão de modo que as atividades da empresa não sejam prejudicadas ou interrompidas? (ii) O que fazer para a perpetuação da mesma com o passar das gerações? é, sem dúvida, o planejamento do processo sucessório.

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1 Para Vidigal: "A não ser criadas pelo governo, todas as empresas, na origem, tiveram um fundador ou um pequeno grupo de fundadores, que eram seus donos. As ações ou as cotas da empresa seriam provavelmente herdadas por seus filhos. Praticamente todas as empresas, portanto, foram origens".

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CASILLAS, José Carlos. Gestão da empresa familiar: conceitos, casos e soluções. São Paulo: Thomson Learning, 2007.

GARCIA, Volnei Pereira. Desenvolvimento das Empresas Familiares. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001.

LERNER, Walter. Empresas familiares: aspectos jurídicos e estratégicos para uma boa gestão. São Paulo: IOB Thomson, 2007.

MARTINS, Ives Gandra da Silva, MENEZES, Paulo Lucena de & BERNHOEFT, Renato. Empresas familiares brasileiras: Perfil e Perspectivas. São Paulo: Negócio Editora, 1999.

OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Empresa familiar: como fortalecer o empreendimento e otimizar o processo sucessório. São Paulo: Atlas, 1999.

VIDIGAL, Antônio Carlos. Viva a Empresa Familiar. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

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*Luciano Martins Ogawa é sócio do Martins Ogawa, Lazzerotti & Sobral Advogados - especializados em Direito Tributário. Diretor do Instituto Cidadania Tributária - ICT, membro da International Fiscal Association - IFA e da Associação Brasileira de Direito Financeiro - ABDF. Professor de curso de pós-graduação e Conferencista em seminários e congressos.

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