Foi por curiosidade, fruto de minha inquietação, que me esmerei no sentido de compreender o legado deixado e os avanços sociais que ocorreram no Brasil, após a vigência da Constituição de 1988. Nas pesquisas, me chama a atenção de início o discurso inaugural do genial presidente constituinte
O deputado Ulysses Guimarães, em cinco de outubro de 1988, na sessão de encerramento dos trabalhos na Câmara dos Deputados, orador de primeira grandeza, expressou em bom tom, que, o Brasil mudou, e que o Brasil iria mudar a partir daquele momento.
O dr. Ulysses, como era chamando, exalta a participação popular na elaboração da Carta Magna, afirmou que, com a nova Constituição o povo brasileiro iria produzir as mudanças na condução política do país, pois, trazia a nova carta, preceitos, que iria mudar o cidadão brasileiro na forma de ver e conduzir o país, isso iria ocorrer por que o povo assim queria naquele momento, pois, foi o povo que conferiu aos constituintes por meio de uma assembleia eleita pela vontade popular, o resultado estava em suas mãos. Sopesou no mesmo ato solene que, só é cidadão quem ler e escreve; quem tem saúde de qualidade; segurança; escola pública de qualidade; moradia; trabalho digno para sustentar sua família.
O dr. Ulysses afirmou, que a Constituição ora criada e promulgada, não era perfeita – quanto a ela, discorda sim, afronta-la nunca. Deixou claro que traidor da constituição é traidor da pátria.
Encerra seu discurso aos gritos, dizendo "a moral é o cerne da pátria, a corrupção é o cupim da república. Não roubar é o primeiro mandamento do homem público".
Naquele momento, rompia-se um ciclo de atraso, surgia uma nova ordem jurídica, um novo Brasil, fundado em valores democráticos, nasceu como Estado Social garantidor de direitos. A atual Constituição vigente no Brasil, nascida pela vontade política da época é cidadã, tem como primazia maior, fomentar a cidadania no Brasil, erigiu o cidadão a dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, os direitos fundamentais, como direitos de primeira geração, ainda definiu objetivos, para serem perseguidos por quem for titular do poder - prefeito, governador, deputados, senadores, presidente da república e vereador, conferiu autoridade e poder, mas em contrapartida, definiu metas.
No que concerne aos direitos fundamentais, presente no artigo 5º, diz que: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, afirma que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei – princípio da legalidade, nega a tortura, afirma que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; deixou claro que é livre a manifestação do pensamento e que todos tem direito a liberdade expressão e reunião, foi garantido acesso à justiça por meio de um processo onde ampla defesa e contraditório devem ser assegurados aos litigantes no processo. Esses direitos foram garantidos a todos que aqui vivem no solo brasileiro, cabe ao Estado garanti-los, suprimir jamais, eis que foram elevados à condição de "cláusulas pétreas". Em caso de supressão e omissão por parte do estado, ao cidadão foram conferidas ferramentas jurídicas para sua efetivação - o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data e o mandado de injunção.
Observa-se que teve o constituinte a intenção de proteger o cidadão face aos arbítrios do estado. Para Paulo Bonavides, o estado brasileiro deve desempenhar a função que lhe foi adjudicada: a de reconciliar o estado com a sociedade.
Nesse momento, 29 anos após sua promulgação da carta de 88, apesar dos avanços sociais conquistados pelo povo brasileiro, poderosas forças coligadas conspiraram, para apoderar-se do estado brasileiro, para com isso introduzir retrocessos a tudo que foi conquistado por meio da nossa vigente Constituição.
Presto minhas homenagens aos constituintes, digo isso porque, nas pesquisas observei quanto foi a dedicação e os esforços dos nobres deputados constituintes para criar uma Constituição à altura do que o povo esperava, o esforço foi muito grande. Naquele momento o país gritava por democracia, vivia-se ainda sob o medo dos anos de chumbo, de um regime ditatorial recém-vencido. Assim parida, nossa carta maior vigente, é fundamentada em princípios democráticos como: da igualdade, soberania, cidadania, da dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Ressalta-se o princípio democrático previsto no parágrafo único do artigo 1º, eis que diz: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente, nos termos desta Constituição". Ao povo foi conferido a condução dos país pelo sufrágio universal, voto livre e secreto, por todos os homens e mulheres que aqui vivem (art. 14). "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante" – o sufrágio é a capacidade de votar e ser votado, eleger e ser eleito. Vale lembrar os legados, por meio dos objetivos deixados pelos constituintes, para as gerações futuras de brasileiros qual sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
No artigo 6º, a Constituição define os direitos sociais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, e no artigo 7º, em favor dos trabalhadores, define, o seguro desemprego, o fundo de garantia por tempo de serviço, o salário mínimo o décimo terceiro, a participação nos lucros e resultados, a jornada de semanal de quarenta e quatro horas, a licença gestante, dentre outros direitos. Sabiam os constituintes que deveriam proteger o menos favorecidos, pois, a sociedade já era dominada por grandes grupos econômicos, que interferiam na vida social e política do estado brasileiro há décadas, como resultado, uma desigualdade social enorme, havia uma distância muito grande entre pobres e ricos.
Como se nota, o texto constitucional de 1988 assegurou, sem precedentes, direitos sociais básicos, dotados de substancialidades nunca reconhecidos em constituições anteriores desse país. Nota-se que, o constituinte de 1988, buscou a igualdade entre as pessoas, erigindo o princípio da igualdade e a dignidade de pessoa humana um valor mais alto no sistema constitucional adotado no Brasil a partir de 1988. Foi por isso, que a partir da Constituição de 1988, que o Brasil deu um passo à frente, adotou em sua carta maior o denominado Estado Social - que é um estado produtor de igualdade fática. Estado como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social.
Há de se lembrar também que, o Brasil, como Estado Social, elevado a essa condição pela Constituição atual, deve produzir as condições necessárias para avançarmos nas áreas de saúde, na educação, na moradia, no desenvolvimento regional, enfim, o Brasil pelos preceitos da carta maior vigente, tem vocação para ser um pais rico, contudo, essa riqueza deve ser distribuída para todos brasileiros. Por outro lado, há de se reconhecer que parte dos cidadãos desse país são dependentes do Estado, por isso quem é eleito para exercer mandato eletivo, tem o dever de cumprir a tarefa igualitária e distributiva, para concretizar os direitos previstos na Carta Maior, (art. 6º), eis que o Estado social consiste em realizar a igualdade da sociedade, nas palavras de Paulo Bonavides: "Igualdade niveladora".
Verifica-se que, ainda hoje, no Brasil, há dificuldade de se compreender os fenômenos constitucionais garantidores de direitos pelo operador político. Distribuir as riquezas para todos é o que preconiza a Constituição, basta analisar os objetivos traçados, veja-se o que diz o art. 3º. "Constituem objetivos fundamentais" da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidarizai - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O constituinte deixou bem claro que esse país deve fazer justiça social, isso mesmo! Distribuir suas riquezas de forma igualitária, contudo, o desafio ainda persiste. Como tornar essa nação justa socialmente? Apesar dos avanços na área social, os países ainda têm concentrado grande parte de suas riquezas nas mãos de um grupo seleto, basta ver os lucros exorbitantes dos bancos, e as empresas que relutam em distribuir seus lucros com seus empregados, existem setores da economia que não pagam salários justos, e ainda, tentam por meio do processo político se apoderar dos destinos da nação, financiando políticos em somas faraônicas.
Vejo que há esperança, o povo quer mudar os destinos dessa nação, poder esse que foi conferido pela Carta Magna pelo princípio democrático, por isso somos titulares de fato dessas mudanças. Nesse momento, já somos dotados de inteligência política, o povo já sabe quem são seus inimigos, sabe quem não quer que esse país seja justo; quem não quer que todos tenham moradia; que a escola do filho do patrão seja a mesma do trabalhador.
Engana-se quem acha que o cidadão está alienado, o povo quer mudança, não aceita empresas interferindo na igualdade política, por meio de financiamentos milionários a políticos. Nós, o povo, já não aceitamos os políticos que se perpetuam no poder, e que fazem da política como um meio de auferir riquezas, se envolvendo em corrupção de todas as espécies.
O Brasil quer mudar, o povo deseja uma reforma política urgente, ainda quer mudanças urgentes na gestão da saúde. É inaceitável ver pessoas serem maltratadas ou até morrerem em filas de hospitais, fiquei chocado quando vi pelas redes sociais uma cidadã que pariu seu filho em banco de praça.
Não há outro caminho, o Brasil quer mudar – o cidadão não aceita evasão escolar alta em escolas periféricas. Se indigna com policiais empurrando viaturas por falta de manutenção, em razão de má gestão do dinheiro público. Quer mudança urgente na lei de improbidade administrativa – pois não é aceitável um sistema penal, em que o pobre que furta uma galinha é condenado a penas exorbitantes, em razão disso fica confinado em prisões desumanas, que não oferecem qualquer possibilidade de ressocialização. Por outro lado, quem faz mau uso do dinheiro público, é agraciado com cargos públicos – como aqui no Paraná, um cidadão mantém a sogra por 11 anos como fantasma em um gabinete de um de deputado, recebe meio milhão de reais, como prêmio é agraciado pelo governador com dois cargos públicos. Tudo isso ocorre por inércia da justiça do estado, que é lenta e morosa. Precisa-se de mudança no judiciário, para que as demandas jurídicas sejam julgadas com celeridade, que a justiça seja igualitária para todos, pau que bate em Chico deve bater também em Francisco.
Muda Brasil. Mudaremos. Pois a Constituição assim quer, e o povo também quer, eis que é dotado dessa vontade, a mensagem foi dada pelas vozes da rua. O dr. Ulysses estava corretíssimo, ao profetizar em cinco de outubro de 1988, que a nação iria mudar. Hoje a nação mudou, queremos salários justos, escola de qualidade, saúde de qualidade. Nossa Constituição não é perfeita, mas quem a afronta já não é aceito pelo povo brasileiro, que com luta e sacrifício vem se esmerando para tornar esse país melhor. É inaceitável ver jovens morrendo pelas drogas. O povo tem nojo de quem não quer avanços sociais, mais nojo ainda, de quem rouba dinheiro público, fraudando licitação, comprando servidor público corrupto, se assusta quando um juiz é afastado de suas funções por vender uma sentença.
A nação repudia traidores da pátria, como disse o dr. Ulysses, quem não exerce cargo público com moralidade e honestidade cairá em desgraças, pois, o povo já fiscaliza do presidente da república ao vereador. O povo brasileiro anseia por mudança pelas vias democráticas. Democracia sim, golpe jamais, não aceitamos golpe. O poder deve ser conquistado pela via democrática, assim como determina a constituição. Faremos, digo faremos, pois nós, o povo, queremos as mudanças necessárias para tornar esse país mais justo para todos os brasileiros. Salve a Constituição! Viva Democracia do Brasil.
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*Mesael Caetano dos Santos é advogado, ex-presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/PR, membro do Centro de Letras do Paraná, advogado de causas populares e ativista social.