Migalhas de Peso

Deflação nos índices gerais de preços e os contratos administrativos

Se de um lado, a queda mais forte da inflação em 2017, beneficia os consumidores no momento de negociar o reajuste de seus contratos, do outro, temos potencializado o risco de quebra do equilíbrio econômico financeiro dos contratos firmados pelas prestadoras de serviços com a Administração Pública.

19/9/2017

I - INTRODUÇÃO

O noticiário econômico dos últimos dias, vem demonstrando que os índices gerais de preços (IPCA/IBGE, IPC-FIPE, IGP-M/FGV, IGP-DI/FGV, etc.), estão com variação anualizada negativa.

Como se sabe, tais "índices de preços" são utilizados como indexadores dos contratos de aluguel, mensalidades escolares, tarifas e contratos públicos.

Se de um lado, a queda mais forte da inflação em 2017, beneficia os consumidores no momento de negociar o reajuste de seus contratos, do outro, temos potencializado o risco de quebra do equilíbrio econômico financeiro dos contratos firmados pelas prestadoras de serviços com a Administração Pública, em especial, quando o custo mais significativo, diz respeito a salário de funcionários.

Isto porque, não obstante determinar o contrato público que o reajuste anual seja feito pelo índice pactuado - no caso de deflação, com diminuição no preço - os salários dos trabalhadores alocados na prestação de serviços, quando do dissídio, obrigatoriamente serão reajustados.

Por óbvio que o resultado dessa equação - diminuição de preços e aumento salarial - pelo seu vulto econômico, é para as prestadoras de serviço intolerável e ruinosa, tendo dimensão para, efetivamente, gerar o desequilíbrio econômico entre as partes, o que não é bom para a empresa, nem para a administração, como nos ensina Marçal Justen Filho.

"a tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos destina-se a beneficiar a própria Administração. Se os particulares tivessem que arcar com as consequências de todos os eventos danosos possíveis, - mesmo quando inocorressem - o particular seria remunerado por seus efeitos meramente potenciais... concomitantemente assegura-se ao particular que, se vier a ocorrer o infortúnio, o acréscimo de encargos será arcado pela Administração" (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética. 2012, p. 889)

2- MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO

A necessidade da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro durante toda a relação contratual, é direito assegurado ao contratante no artigo 37, XXI, da CF/88, sendo a preservação das "condições efetivas da proposta" também tratada na lei das licitações (artigos 57§ 1º; 58 §§1º e 2º e 65).

Assim sendo, por mais que a Administração tente, "em nome do interesse público" aplicar a deflação aos contratos, poderá a contratada se opor, pleiteando a recomposição (revisão) da equação econômico-financeira inicial, em sua plenitude, já que "nada impede que se cumulem recomposição e reajuste" como ensina Justen Filho.

"A concessão do reajuste não exaure o direito à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da contratação inicial (obra citada pág. 915).

Ademais em decorrência da circunstância delineada (deflação x dissidio), o restabelecimento não é revelado como ato discricionário da Administração, já que esta somente poderá recusar-lhe deferimento, diante de uma das seguintes situações:

O afamado administrativista Joel de Menezes Niebuhr, tem o mesmo entendimento:

"A repactuação deve ser realizada com base na variação de preços real e efetiva; não em generalizações, como ocorrerem quando os contratos são indexados (Licitação Pública e Contrato Administrativo. 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum. 2013, pag.912).

Por fim, nas contratações de serviços continuados, que tenham como parcela principal "os custos salariais", ao invés da utilização de índices econômicos, a repactuação de preços é que deveria prevalecer quando do reajuste anual, como aliás, determina a pouco aplicada Instrução Normativa SLTI/MPOG 02/2008,

Art. 37. A repactuação de preços, como espécie de reajuste contratual, deverá ser utilizada nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir, conforme estabelece o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 1997. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

§ 1º A repactuação para fazer face à elevação dos custos da contratação, respeitada a anualidade disposta no caput, e que vier a ocorrer durante a vigência do contrato, é direito do contratado, e não poderá alterar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, conforme estabelece o art. 37, inciso XXI da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo assegurado ao prestador receber pagamento mantidas as condições efetivas da proposta. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

[...]

§ 4º A repactuação para reajuste do contrato em razão de novo acordo, dissídio ou convenção coletiva deve repassar integralmente o aumento de custos da mão de obra decorrente desses instrumentos. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009) (g.n)

3. CONCLUSÃO

Restando claro que a regra de reajuste constante do contrato se revelou inadequada - observando-se que é dever Constitucional da Administração manter, durante todo o contrato, a "relação original entre encargos e vantagens" -, deverá a empresa contratada, quando do reajuste anual, em razão do binômio Deflação x Dissídio, pleitear a recomposição (revisão) dos preços - o que não poderá ser negado pela administração - eis que modificada a realidade na qual se firmou o ajuste.

Aquele preço que inicialmente era adequado e conveniente, em face de eventos da álea econômica, não pode se tornar insuficiente, ao ponto de inviabilizar a continuidade da prestação dos serviços ou mesmo a eventual prorrogação da avença, a revisão se impõem.

_____________

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética. 2012,

NIEBUHR Joel de Menezes . (Licitação Pública e Contrato Administrativo. 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum. 2013)

_____________

*Julio Cesar da Costa Pereira é sócio da Barros Pereira Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024

Transtornos de comportamento e déficit de atenção em crianças

17/11/2024

Prisão preventiva, duração razoável do processo e alguns cenários

18/11/2024