Incontestavelmente são dados importantes, restando, assim, a tarefa de se buscar a correlação dos mesmos com o dia-a-dia das empresas inseridas em um cenário de recessão sem precedentes desde a década de 30 do século passado.
Inicialmente, não podemos esquecer do axioma macroeconômico de que seus "agentes são movidos por expectativas". Neste sentido, podemos perceber que após os impactos positivos que o processo de impedimento da presidente da república trouxe ao imaginário dos agentes econômicos, ao longo do ano de 2016, observou-se uma nova onda de desalento, essa, por sua vez, gerada a partir dos novos escândalos que passaram a permear a gestão iniciada em setembro de 2016. Para uma análise mais detalhada sobre esse ponto, é fundamental o cruzamento de dados de pesquisas de intenções com aqueles que apontam a materialização do consumo, poupança e investimento. A partir daí, poderá ser identificado o estado de letargia que acomete atualmente os agentes.
Sem embargo, o recente anúncio da equipe econômica do governo de que o 2º semestre de 2017 apresentará um crescimento tendendo a zero para a economia brasileira, mostra-se pouco alentador à grande maioria das empresas que se deparam com altos níveis de endividamento.
Pelo acima exposto, podemos afirmar que, do ponto de vista aplicado, para a gestão de uma crise, a incerteza trazida com a indefinição de futuro torna-se o mais complexo dos cenários a ser trabalhado. Em outras palavras, por pior que seja um cenário com que venhamos a nos deparar, para os agentes econômicos ele é melhor que a falta de um cenário que detenha certo grau de confiabilidade.
Por essa razão, os agentes econômicos encontram-se em compasso de espera, ao mesmo tempo em que observam seu endividamento crescer desproporcionalmente à sua capacidade de geração de caixa. Isso, sem dúvida, é um dos aspectos que influencia fortemente a diminuição da proatividade da classe empresarial na superação de sua momentânea iliquidez.
Em contraponto, nos últimos dias, foram anunciados lucros recordes dos maiores bancos brasileiros, em absoluto descompasso com o que se testemunha no setor produtivo da economia.
Dessa forma, há que se responder a algumas perguntas no sentido de analisar melhor os dados trazidos pela Serasa Experian. Certamente, apenas o cruzamento desses dados diversos, poderá nos trazer a uma conclusão mais confiável.
A partir de reportagem recente2 veiculada na imprensa especializada, observa-se que as mil maiores empresas brasileiras tiveram queda de 4% no ano passado em sua receita líquida, impactando, assim, sua rentabilidade e aumentando seu endividamento. As iniciativas adotadas por alguns bancos, de reperfilamento do passivo de seus clientes, diante das maiores taxas de juros praticadas no mundo, apresentam efeito meramente protelatório para essas cifras que já se mostram de dificílima liquidação.
Ao mesmo tempo, com a queda do faturamento, as empresas viram suas margens de rentabilidade operacional serem achatadas e, por muitas vezes, passando a se deparar com geração negativa de caixa. Diante desse cenário, diversas empresas passaram a simplesmente inadimplir com suas obrigações correntes com fornecedores e impostos, acumulando mais passivo e postergando as medidas sanativas a serem tomadas, o que incrementa significativamente a dimensão das cifras a serem renegociadas.
Nesse passo, observa-se que muitas empresas que poderiam ter se valido do amparo legal da recuperação judicial, simplesmente perderam seu momento de viabilidade, uma vez que uma das condições necessárias para um processo menos traumático é a geração positiva de caixa da recuperanda, o que fará com que ela consiga arcar com suas obrigações em prazos e condições razoáveis.
Sem a menor dúvida, o Instituto da recuperação judicial é uma ferramenta moderna e eficaz para a manutenção da fonte produtiva, agente imprescindível para o tecido social e o Estado, entretanto, tal medida legal e legítima ainda é vista com preconceito pela sociedade, sempre tendo como referência a antiga concordata ou mesmo a falência.
De fato, trata-se de medida a ser adotada em caso de ameaça à continuidade da atividade empresária, o que, por óbvio, não há que ser feito aleatoriamente. Entretanto, o sentido da lei é propiciar à devedora e seus credores um grande fórum de debate sobre as alternativas para solução do passivo já existente, encontrando-se, através do respeito mútuo, formas de viabilização de satisfação desses créditos, sem o encerramento das atividades da empresa. Pode-se afirmar que, acima de tudo, o pedido de recuperação judicial é um ato de responsabilidade do empresário perante seus credores, empregados e a sociedade como um todo.
Nessa direção, percebe-se um grande amadurecimento entre os fornecedores de insumos das empresas em recuperação, os quais vêm demonstrando um entendimento crescente sobre a necessidade de apoiar seus clientes em dificuldade.
Diante de todo o exposto, ao cruzarmos dados macroeconômicos publicados recentemente, podemos afirmar que a queda no número de pedidos de recuperação judicial nos últimos meses, antes de significar um prenúncio de retomada de nossa economia, refletem dois aspectos absolutamente preocupantes, quais sejam, 1) a falta de um cenário claro de futuro para posicionamento estratégico das empresas e, por outro lado; 2) o fato de diversas companhias já se encontrarem sem condições de geração de caixa que propicie uma apresentação objetiva de reperfilamento de seu passivo junto aos credores.
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1 Número de recuperações judiciais cai 25,8% no semestre, revela Serasa Experian
2 Grandes empresas perdem receita
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*Paula Lôbo Naslavsky é advogada e sócia do escritório da Fonte, Advogados.
*João Rogério Reynaldo Alves Filho é economista e sócio da PPK Consultoria.