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Procedimento/rito de impedimento contra governador(a)

Após a Constituição de 1988, delineou-se, à luz da forma federativa de Estado, de modo que restou à União a competência privativa pra legislar sobre direito material e processual penal.

24/8/2017

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Destaca-se, prefacialmente, que o rito de impedimento dos Governadores não possui similaridade com o rito de impedimento do Presidente da República, principalmente em função dos Estados não disporem de um sistema legislativo bicameral.

Após a Constituição de 1988, delineou-se, à luz da forma federativa de Estado, competências específicas e concorrentes aos entes federativos, de modo que restou à União a competência privativa pra legislar sobre direito material e processual penal (art. 22, I, da CRFB/88).

Superando-se as celeumas sobre a natureza jurídica dos crimes de responsabilidade (se natureza criminal ou meramente infração político-administrativa), o Supremo Tribunal Federal assentou em seus precedentes que apesar do caráter "político" de tais infrações, não se poderia afastar sua natureza criminal1. Por esses motivos, o STF editou a Súmula Vinculante 46, a fim de afastar qualquer intenção dos Estados, DF ou Municípios em legislar acerca da matéria, sob pena de se configurar inconstitucionalidade formal orgânica.2

Notadamente, o ponto mais tormentoso sobre o rito do impedimento em âmbito estadual, é saber qual o órgão competente para processar e julgar o Chefe do Executivo estadual por crimes de responsabilidade.

De plano, consigna-se que as Assembleias legislativas não possuem competência para processar e julgar os Governadores por crimes de responsabilidade, vez que o sistema unicameral e os mandamentos constitucionais indicam às normas de natureza penal como o instrumento formal legítimo para dispor sobre o processamento e julgamento das respectivas infrações.

Registre-se, ademais, que a Constituição Federal de 1988 não tratou desses consectários pertinentes ao Governador (como o fez no caso do Presidente da República), de modo que a moldura normativa dessas questões, reforça-se, restou à legislação penal especial, a saber, lei 1.079/50 (dispõe sobre os crimes de responsabilidade dos Governadores).

Após tecer comentários sobre o impeachment, o Ministro Nelson Jobim, na ADI 1628-8 entendeu, na linha jurisprudencial já consolidada, que a definição dos crimes de responsabilidade, como também o estabelecimento de normas de processo e julgamento, é da competência da União, devendo-se, portanto, ser aplicada a lei 1.079/50, no processo e julgamento dos Governadores de Estado.3

Em face disso arrematou:

"O art. 77 da Lei dispõe: 'Apresentada a denúncia e julgada objeto de deliberação, se a Assembléia Legislativa, por maioria absoluta' – leia-se, aqui, maioria de 2/3, em decorrência do quorum da Constituição de 1988, matéria essa superada nessa Corte – 'decretar a procedência da acusação, será o Governador imediatamente suspenso de suas funções'.
Então, Sr. Presidente, entendo que, vigente a Lei Federal por sobre as normas estaduais, não poderá: (a) o Governador de Estado ser suspenso de suas funções como decorrência da admissibilidade da denúncia, e (b) não poderá ser julgado pela Assembleia Legislativa, mas, sim, pelo órgão da Lei de 1950" (Destacou-se)

Vislumbra-se que o Ministro Nelson Jobim cita o órgão contido na Lei nacional, o qual se denomina de Tribunal Especial Misto, configurado nos seguintes termos:

"Art. 78 (omissis)

[...]

§ 3º Nos Estados, onde as Constituições não determinarem o processo nos crimes de responsabilidade dos Governadores, aplicar-se-á o disposto nesta lei, devendo, porém, o julgamento ser proferido por um tribunal composto de cinco membros do Legislativo e de cinco desembargadores, sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça local, que terá direito de voto no caso de empate. A escolha desse Tribunal será feita - a dos membros do legislativo, mediante eleição pela Assembleia: a dos desembargadores, mediante sorteio." (Destacou-se)

À luz desses parâmetros, diversos dispositivos de Constituições estaduais - que atribuíam às Assembleias Legislativas a competência para processar e julgar os crimes de responsabilidade cometidos pelo Chefe do Poder Executivo estadual -, foram categoricamente julgados inconstitucionais, senão vejamos precedente específico do Estado de Roraima (ADI 4805):

"(...) Ex positis, com esteio no art. 21, §1º, do RISTF, em especial a partir da autorização especial conferida pelo Plenário deste Tribunal por ocasião do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.764, 4.797 e 4.798, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação, para declarar a inconstitucionalidade dos incisos IX e X do art. 33, do inciso I e das expressões “depois de declarada por aquela, pelo voto de 2/3 (dois terços) de seus membros, a procedência da acusação”, prevista no inciso II, ambos do art. 65, bem como da expressão “(...) após a instauração do processo pela Assembleia Legislativa”, prevista no inciso II do § 1º do art. 65, todos da Constituição do Estado de Roraima."

Traz-se à colação precedente do Estado do Paraná (ADI 4791), in verbis:

Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. RESPONSABILIDADE PENAL DE GOVERNADOR DE ESTADO. DENÚNCIAS POR CRIMES COMUNS E DE RESPONSABILIDADE. ADMISSÃO SUJEITA A CONTROLE LEGISLATIVO. LICENÇA-PRÉVIA. PREVISÃO EM CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. OBRIGATORIEDADE. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA DISPOR SOBRE PROCESSO E JULGAMENTO POR CRIMES DE RESPONSABILIDADE. 1. A competência para dispor legislativamente sobre processo e julgamento por crimes de responsabilidade é privativa da União, que o fez por meio da Lei 1.079/50, aplicável aos Governadores e Secretários de Estado, razão pela qual são inconstitucionais as expressões dos arts. 54 e 89 da Constituição do Estado do Paraná que trouxeram disciplina discrepante na matéria, atribuindo o julgamento de mérito de imputações do tipo à Assembleia Legislativa local. Precedentes. (Destacou-se)

Perlustra-se que como coube à União tratar das legislações voltadas ao direito penal, a lei 1.079/50 foi devidamente recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Dessa forma, como no plano estadual o Governador fica submetido ao processamento e julgamento por um Tribunal Especial Misto, no que tange aos crimes de responsabilidade, a decisão de mérito e o respectivo afastamento do Chefe do Executivo só poderá ser realizado por este.

Assim, no que pese a ALE ter a competência de realizar o juízo político de recebimento ou não da representação (aplicação do Regimento Interno das Assembleias), sua atuação não possui o condão de afastar o Chefe do Executivo ou julgar o mérito das acusações, pois o parlamento estadual não é o juiz natural da causa.

Em suas devidas proporções com o modelo federal, a ALE faz as vezes da Câmara dos Deputados, enquanto o Tribunal Especial Misto a do Senado Federal.

Não se pode esquecer, por oportuno, o julgamento recente da ex-presidente Dilma Rousseff, sobre o qual, por meio da ADPF 378, o STF tratou sobre as várias peculiaridades do rito do impedimento.

Evidentemente, algumas questões levantadas na ADPF, na medida da sua aplicabilidade interpretativa, devem ser observadas em nível estadual.

Corrobora-se ao precedente do STF a inteligência do art. 79 da lei 1.079/50 que aduz:

"Art. 79. No processo e julgamento do Governador serão subsidiários desta lei naquilo em que lhe forem aplicáveis, assim o regimento interno da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Justiça, como o Código de Processo Penal."(Destacou-se).

Noutro lado, é de se preponderar que os votos realizados nesse tipo de procedimento devem ser abertos, eis os motivos elencados na ADPF 378:

"No impeachment, todas as votações devem ser abertas, de modo a permitir maior transparência, controle dos representantes e legitimação do processo. No silêncio da Constituição, da lei 1.079/50 e do Regimento Interno sobre a forma de votação, não é admissível que o Presidente da Câmara dos Deputados possa, por decisão unipessoal e discricionária, estender hipótese inespecífica de votação secreta prevista no RI/CD, por analogia, à eleição para a Comissão Especial de impeachment. Em uma democracia, a regra é a publicidade das votações. O escrutínio secreto somente pode ter lugar em hipóteses excepcionais e especificamente previstas. Além disso, o sigilo do escrutínio é incompatível com a natureza e a gravidade do processo por crime de responsabilidade. Em processo de tamanha magnitude, que pode levar o Presidente a ser afastado e perder o mandato, é preciso garantir o maior grau de transparência e publicidade possível. Nesse caso, não se pode invocar como justificativa para o voto secreto a necessidade de garantir a liberdade e independência dos congressistas, afastando a possibilidade de ingerências indevidas. Se a votação secreta pode ser capaz de afastar determinadas pressões, ao mesmo tempo, ela enfraquece o controle popular sobre os representantes, em violação aos princípios democrático, representativo e republicano. Por fim, a votação aberta (simbólica) foi adotada para a composição da Comissão Especial no processo de impeachment de Collor, de modo que a manutenção do mesmo rito seguido em 1992 contribui para a segurança jurídica e a previsibilidade do procedimento. Procedência do pedido."

Portanto, a leitura dos dispositivos da lei 1.079/50 devem ser feitos criteriosamente com base na CRFB/88 e nos precedentes do STF, de maneira a compatibilizar o arcabouço normativo aplicado à espécie (Lei de crimes de Responsabilidade, CPP e RI/ALE).

A par desses direcionamentos gerais, segue o quadro resumido e explicativo do rito (base normativa regimental do Estado de Roraima):

__________

1 ADI 4791

2 A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União.

3 Trecho Extraído do Parecer do Estado de Alagoas: clique aqui.

__________

*Herick Feijó Mendes é advogado, pós-graduando em Direito Público, membro da Comissão da Jovem Advocacia, ex-assessor especializado da PGE/RR.

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