Sabe-se de longa data que o instituto da arbitragem é regulamentado pela lei 9.307/96 com as atualizações inseridas pela lei 13.129/15.
Inobstante referido instituto ser regulado por lei própria, o novo Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária nas relações instituídas pela arbitragem, e fortaleceu a sua inserção no mundo jurídico com título de jurisdição na solução extrajudicial de conflitos, quando em seu § 1, do artigo 3, dispõe que é permitida a arbitragem, na forma da lei.
Vale ressaltar que a solução extrajudicial de conflitos vem ganhando forças nas relações contratuais, uma vez que pela convenção de arbitragem, tanto por meio de cláusula compromissória quanto por meio de compromisso arbitral, possibilita escolher; (i) o próprio arbitro que solucionará o conflito, (ii) as regras de procedimento, e (iii) o critério de julgamento.
No entanto, a possibilidade pela convenção de arbitragem nas relações jurídicas contratuais esbarra em algumas limitações impostas pela legislação pátria, dentre as limitações está a sua proibição nas relações de consumo, quando imposta pelo fornecedor.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, inciso VII, assim estabelece:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
O dispositivo legal da legislação consumerista é claro em concluir que a cláusula que determina a utilização compulsória da arbitragem é nula de pleno direito.
Muito embora o legislador tenha adotado no texto legal a vedação da arbitragem nas relações de consumo, não se pode afastá-la em todos os casos, mas sim o caso em concreto deve ser analisado.
O professor Nelson Nery Júnior aborda de forma interessante o tema ao entender que “não se pode tolerar, por flagrante inconstitucionalidade, a exclusão, pela lei, da apreciação de lesão a direito pelo Poder Judiciário, que não é o caso do juízo arbitral.
O que se exclui pelo compromisso arbitral é o acesso à via judicial, mas não à jurisdição. Não poderá ir à justiça estatal, mas a lide será resolvida pela justiça arbitral. Em ambas há, por óbvio, a atividade jurisdicional” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto, cit, pág 421).
Em suma, entende o doutrinador que a escolha pela arbitragem afasta tão somente o acesso à via judicial, mas não afasta a jurisdição, pois o juiz arbitral tem o poder de dizer o direito.
No entanto, o art. 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor não pode ser ignorado, sob pena do consumidor se ver obrigado a resolver um conflito pela arbitragem, posto que os contratos de consumo são, em regra, de adesão, ou seja, as cláusulas são impostas pelo fornecedor, e o consumidor tem apenas duas opções: aceitar ou não aceitar.
Então, surge a dúvida: como fazer a convenção de arbitragem sem ferir o Código de Defesa do Consumidor?
O Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que “só terá eficácia a cláusula compromissória já prevista em contrato de adesão se o consumidor vier a tomar a iniciativa do procedimento arbitral, ou se vier a ratificar posteriormente a sua instituição, no momento do litígio em concreto” (REsp 1.189.050).
Ou seja, entende o Superior Tribunal de Justiça que a convenção de arbitragem nas relações de consumo é válida desde que o próprio consumidor venha a tomar a iniciativa, ou expressamente ratificar, porém, tal regra não vale para o fornecedor, incidindo, nesse caso, o art. 51, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.
Conclusão
Portanto, a arbitragem é um meio extrajudicial, mas revestido de função jurisdicional, de solução de conflitos, a qual tem se mostrado rápida e eficaz, principalmente pela liberdade das partes em convencionar o próprio arbitro que solucionará o conflito, as regras de procedimento, e o critério de julgamento, fazendo com que as partes de sintam mais seguras.
Muito embora o art. 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor proíba a convenção de arbitragem nas relações de consumo, caso a iniciativa seja do próprio consumidor, ou este expressamente ratifique, a convenção de arbitragem é válida, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
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*Ricardo Kobi da Silva é advogado coordenador da área Contenciosa Cível do escritório Gaiofato e Galvão Advogados Associados.