Neste quinto artigo sobre o tema acima, examinaremos o termo de compromisso e as medidas coercitivas e acautelatórias referentes à MP 784/17.
O termo de compromisso (arts. 12 a 17)
Importado de outros microssistemas jurídicos, como o do direito concorrencial, a MP 784/17 incluiu entre as suas medidas a celebração de um termo de compromisso, a ser celebrado com uma instituição financeira, no lugar da instauração de um processo administrativo ou objetivando a sua suspensão quando já instaurado. Nesse sentido, dispõe a norma os seguintes requisitos:
(I) o atendimento de um juízo de conveniência e oportunidade;
(II) destinado ao atendimento do interesse público;
(III) cabível, quando se trata de suspensão de processo administrativo até antes do momento da tomada da decisão de primeira instância;
(IV) mediante a assinatura do devido termo de compromisso, do qual deverão constar as seguintes obrigações:
(IV.1) - cessar a prática sob investigação ou os seus efeitos lesivos;
(IV.2) - corrigir as irregularidades apontadas e indenizar os prejuízos, quando for o caso; e
(IV.3) - cumprir as demais condições que forem acordadas no caso concreto.
Considere-se que a simples apresentação de proposta de termo de compromisso não suspende o andamento do processo administrativo.
O termo de compromisso poderá prever cláusula penal para a hipótese de total inadimplemento da obrigação, para a hipótese de mora do devedor ou para a garantia especial de determinada cláusula. Na verdade, o termo "poderá" deveria ser substituído para "deverá", de forma a obviar os efeitos do seu descumprimento.
O acordo firmado terá caráter público e será publicado no sítio eletrônico do Banco Central do Brasil. No entanto, não será publicado o termo de compromisso nos casos em que a autoridade competente entender, mediante despacho fundamentado, que sua publicidade pode colocar em risco a estabilidade e a solidez do Sistema Financeiro Nacional, do SPB ou de pessoa mencionada no caput do art. 2º da MP 784/17. Nunca é demais frisar que o mercado financeiro tem as suas peculiaridades, uma delas a necessidade de se preservar as instituições financeiras contra riscos que podem surgir pelo conhecimento de certas situações que elas atravessam. E a assinatura de um termo de compromisso, conforme o seu conteúdo, pode perfeitamente colocar-se dentro de uma situação delicada, que convém não levar ao conhecimento do público, sem que isto afete a obrigação do signatário no sentido da correção dos ilícitos praticados e reparação dos seus efeitos.
O termo de compromisso constitui título executivo extrajudicial, ao mesmo tempo em que não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude da conduta analisada. Como se sabe, esses aspectos que estão presentes em termos dessa natureza têm por objetivo afastar uma longa e complexa discussão o mérito da conduta do signatário.
Durante a vigência do termo de compromisso, os prazos de prescrição de que trata a lei 9.873, de 23.11.1999, ficarão suspensos e o procedimento administrativo será arquivado se todas as condições nele estabelecidas forem atendidas. Essa lei trata do prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva a cargo da Administração Pública Federal, direta e indireta.
Na hipótese de descumprimento do compromisso, o BCB adotará as medidas administrativas e judiciais necessárias para a execução das obrigações assumidas e determinará a instauração ou o prosseguimento do processo administrativo, a fim de dar continuidade à apuração das infrações e aplicar as sanções cabíveis.
Tratando de matéria estranha à sua finalidade principal, a MP sob comento instituiu o Fundo de Desenvolvimento do Sistema Financeiro Nacional e Inclusão Financeira, de natureza contábil, cujas receitas e despesas integrarão o Orçamento Geral da União, com o objetivo de promover a estabilidade do sistema financeiro e a inclusão financeira, por meio de atividades e projetos do BCB. Constituirão recursos do Fundo aqueles recolhidos pelo BCB em decorrência da assinatura do termo de compromisso, além de outras receitas que vierem a ser destinadas ao Fundo, inclusive os rendimentos auferidos com a aplicação de seus recursos.
O objetivo desse fundo, qual seja o de estabelecer a estabilidade do sistema financeiro e a inclusão financeira apresenta alguns problemas. Primeiro, ainda que não pela ordem, o que significa a inclusão financeira? Trazer os não bancarizados como clientes das instituições financeiras que compõem o SFN? Parece-me que o problema da existência de grande parte da população brasileira ainda sem conta em banco deve-se a dois fatores, a pobreza (na qual pode se incluir a grande gama de pessoas que vivem com menos do que um salário mínimo) e a falta de educação básica, sabendo-se que ainda existem entre nós milhares e milhares de analfabetos que não teriam condições pessoais de abrirem e movimentarem contas bancárias por si só. Se é assim, essa função seria completamente estranha aos bancos centrais em geral e ao BCB em particular.
O outro propósito, o de estabelecer a estabilidade do sistema financeiro – tarefa que está efetivamente a cargo do BCB – esbarraria na insuficiência de recursos que comporiam o patrimônio do fundo em apreço. Isto porque, por mais rentável que ela possa vir a ser, jamais alcançaria a nosso ver o montante de recursos necessários para, por exemplo, quebrar os efeitos de uma crise sistêmica, que tenha afetado uma parte significativa de instituições financeiras no mercado, a exigir vultosa quantidade de recursos financeiros de imediato. Uma conta dessa natureza certamente ficaria na casa de bilhões de reais.
Outra dúvida que fica está na natureza das funções que objetivariam promover a referida estabilidade: seria realizada por meio de empréstimos (dentro da função de emprestador de última instância, própria dos bancos centrais), ou corresponderiam a operações a fundo perdido? Essas seriam de caráter absolutamente negativo em uma economia de mercado.
A administração do Fundo ficará a cargo do BCB, ao qual caberá a sua regulamentação de acordo com as diretrizes fixadas pelo CMN. Tais diretrizes não constam da lei 4.595/64, precisamente porque não foram previstas na promulgação dessa lei e nem poderiam ser nela incluídas por intermédio de uma medida provisória.
Tudo indica que esse fundo foi engendrado sem maior aprofundamento das condições legais e funcionais segundo as quais deveria operar.
Das medidas coercitivas e acautelatórias (arts. 18 e 19)
Além das penalidades que já foram acima estudadas, verificamos que a MP 784/17 estabeleceu medidas de natureza coercitiva e acautelatória, aplicáveis aos sujeitos passivos alcançados por aquela norma. São elas:
I - a prestação de informações ou esclarecimentos necessários ao desempenho de suas atribuições legais;
II - a cessação de atos que prejudiquem ou coloquem em risco o funcionamento regular de pessoa mencionada no caput do art. 2º, do SFN ou do SPB; e
III - a adoção de medidas necessárias ao funcionamento regular de pessoa mencionada no caput do art. 2º, do SFN ou do SPB
Tais medidas são naturalmente inerentes à competência do BCB, conforme estabelecido nos arts. 9º, 10 e outros da lei 4.595/64. A MP sob exame tão somente reproduziu o que já existia.
Antes da instauração ou durante a tramitação do processo administrativo sancionador, quando estiverem presentes os requisitos de verossimilhança das alegações e do perigo de mora, o Banco Central do Brasil poderá, cautelarmente:
I - determinar o afastamento de quaisquer das pessoas mencionadas no inciso III do § 1º do art. 2º;
II - impedir que o investigado atue, em nome próprio ou como mandatário ou preposto, como administrador, como membro da diretoria, do conselho de administração, do conselho fiscal, do comitê de auditoria ou de outros órgãos previstos no estatuto ou no contrato social de instituição mencionada no caput do art. 2º;
III - impor restrições às atividades de pessoa mencionada no caput do art. 2º; ou
IV - determinar à instituição supervisionada a substituição do auditor independente ou da sociedade responsável pela auditoria contábil.
Em linhas gerais o BCB também já era detentor das prerrogativas necessárias para a adoção das medidas acima, exceto no tocante à substituição do auditor independente ou da sociedade responsável pela auditoria contábil.
Desde que o processo administrativo sancionador seja instaurado no prazo de cento e vinte dias, contado da data da intimação da decisão cautelar, as medidas mencionadas acima conservarão sua eficácia até que a decisão de primeira instância comece a produzir efeitos, as quais poderão ser revistas, de ofício ou a requerimento do interessado, se cessarem as circunstâncias que as determinaram.
Por outro lado, na hipótese de não ser iniciado o processo administrativo sancionador no prazo previsto acima, as medidas cautelares perderão automaticamente sua eficácia e não poderão ser novamente aplicadas se não forem modificadas as circunstâncias de fato que as determinaram.
A decisão cautelar estará sujeita a impugnação, sem efeito suspensivo, no prazo de dez dias. Por sua vez, da decisão que julgar a impugnação caberá recurso, em última instância, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Esse recurso será recebido apenas com efeito devolutivo e deverá ser interposto no prazo de dez dias.
O descumprimento das medidas coercitivas e acautelatórias sujeitará o infrator ao pagamento de multa cominatória por dia de atraso e não poderá exceder o maior destes valores:
I - um milésimo da receita de serviços e de produtos financeiros mencionada no inciso I do caput do art. 7º; ou
II - R$ 100.000,00 (cem mil reais).
A multa acima será paga mediante recolhimento ao BCB, no prazo de dez dias, contado da data da intimação para pagamento. A decisão que impuser multa cominatória estará sujeita a impugnação, sem efeito suspensivo, no prazo de dez dias. Da decisão que julgar a impugnação caberá recurso, em última instância, no âmbito do BCB. Esse recurso será recebido apenas com efeito devolutivo e deverá ser interposto no prazo de dez dias.
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