1. Introdução
O sistema judiciário brasileiro passa por uma crise sem precedentes, decorrente do grande número de processos em tramitação. Apesar de serem vários os fatores responsáveis por esta crise, aquele que é aceito como o principal é a litigiosidade de massa. Vale dizer, o atual estágio do desenvolvimento social e econômico alterou a forma como as relações jurídicas ocorrem, acarretando, muitas vezes, em sua massificação. Em decorrência disso, massificaram-se também os litígios decorrentes destas relações e a consequência disso é que, hoje, há um grande número de processos em tramitação visando à solução de lides semelhantes.
A falta de estrutura, de recursos humanos e financeiros impede que todas essas lides obtenham resposta jurisdicional satisfatória, o que acaba causando, muitas vezes, situações de injustiça. Isto é, casos semelhantes são decididos de formas diferentes, e até mesmo opostas, sem que exista um critério de discriminação justo, desrespeitando, portanto, a isonomia. Da mesma forma, essa falta de uniformidade impede que os jurisdicionados antevejam quais serão as consequências de seus atos, afastando a previsibilidade do sistema jurídico. Ou seja, não há segurança jurídica. Somada a estes fatores, essa grande quantidade de processos em tramitação impossibilita que a resposta jurisdicional seja dada de forma rápida e adequada, o que desencoraja que os cidadãos – em especial, os comuns – vão ao Judiciário buscar a reparação de direitos violados, mitigando, assim, o direito de acesso à justiça.
A resposta que vem sendo construída para solucionar este problema é a coletivização das demandas, proporcionando o cumprimento do dever de jurisdição de forma coletiva, o que torna possível que uma única resposta jurisdicional seja apta a resolver todos os casos semelhantes. Para viabilizar esta solução, dois tipos de instrumentos vêm sendo estruturados no Brasil. De um lado, e já há mais tempo, as ações coletivas e, de outro, mais recentemente, as técnicas de processamento e julgamento de questões repetitivas.
Ressalte-se que, de um modo geral, as ações coletivas não surtiram o efeito esperado em relação à crise numérica no Judiciário brasileiro, seja por fatores exógenos, como a deficiência da cultura associativa no Brasil, pela inércia dos legitimados em proporem as competentes ações (ADI, ADC, EDPF, etc.), bem como o Senado Federal ter uma relação mais atuante junto ao STF na expedição de Resoluções para afastar normas inconstitucionais, seja por problemas endógenos, como a necessidade de cumprimento individual da sentença proferida neste tipo de processo. Por tal motivo, passou-se a dar mais importância ao desenvolvimento das técnicas de processamento e julgamento de questões repetitivas, como a improcedência liminar (art. 285, CPC/73), a súmula impeditiva de recursos (art. 518, § 1, CPC/73) e a súmula vinculante (art. 103-A, CF).
Nesta linha, o Novo Código de Processo Civil (CPC) introduziu no ordenamento o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) – uma das maiores inovações do novo diploma, que vem se mostrando como um dos pontos de maior discussão entre os estudiosos e operadores do direito – com o intuito de que, ainda em grau ordinário de jurisdição, os tribunais locais possam fixar uma tese jurídica a respeito da interpretação do direito controvertido que, de forma vinculante, deverá ser aplicada aos casos pendentes naquela determinada área de competência territorial.
Apesar de ser verdade que as ações coletivas têm falhas, que não as permitem resolver, sozinhas, a crise numérica – motivo pelo qual são válidas as técnicas de processamento e julgamento de questões repetitivas, como o IRDR – também o é que elas vêm sendo mal exploradas por alguns campos do direito. É exatamente este o caso do direito tributário.
Vale notar que o relatório Justiça em Números 20151, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que dos 70,8 milhões de processos em trâmite perante os órgãos do Poder Judiciário em 2014, 35,9 milhões, ou seja, mais de 50%, eram execuções fiscais, que, em geral, tem por objeto a cobrança de créditos tributários. Nota-se, assim, a representatividade das ações tributárias na crise numérica do Judiciário, sendo possível dizer, inclusive, que elas são sua principal causa. Apesar disso, a tutela coletiva de conflitos envolvendo matéria tributária é pouquíssimo explorada. Por outro lado, as causas tributárias estão, cada vez mais, sendo decididas pela mera aplicação de anunciados vinculantes – que nem sempre resolvem o caso concreto satisfatoriamente – tornando os graus ordinários de jurisdição meros órgãos de passagem dos processos.
Diante deste panorama, este artigo buscará examinar, de forma sucinta, a natureza coletiva que as demandas tributárias podem assumir, bem como as possibilidades e restrições para tutelá-las por meio de ações coletivas. Da mesma forma, analisar-se-ão alguns aspectos sensíveis do IRDR para averiguar não só benefícios e malefícios do instrumento na tutela do direito tributário, como também se ele supre a necessidade do desenvolvimento das ações coletivas em matéria tributária.
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*Guilherme Paes de Barros Geraldi é mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário, especialista em Direito Tributário, pós-graduado em Direito Processual Tributário. Advogado em São Paulo.