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Novas ponderações a respeito do contraditório no CPC – Aspectos práticos do dia a dia forense

Há uma garantia de que aquele que esteja sendo submetido a um processo, em sendo esse processo obrigatoriamente justo, tem que ter o seu direito de manifestação a respeito dos atos e fatos do processo, assegurado.

9/8/2017

Desde o advento da conhecida Magna Charta Libertatum, da Inglaterra de 1.215, quando o Rei João Sem Terras teve que conter uma revolta de barões em insurreição, abrindo mão do poder absoluto do soberano (ainda que de modo incipiente, primeiramente em favor de barões e membros da nobreza), passou a haver uma preocupação mais ou menos dirigida no sentido da consecução de processos mais justos e menos despóticos para efeitos de submeter alguém aos efeitos negativos de uma decisão judicial.

Em tradução literal, contraditório expressa a realidade de se poder falar contra (contra dicere) o que expressa a ideia básica por trás da ideia. Há uma garantia de que aquele que esteja sendo submetido a um processo (autor, réu ou mesmo o terceiro, parcial ou imparcial – como no caso do MP como custus legis), em sendo esse processo obrigatoriamente justo (fair hearing), tem que ter o seu direito de manifestação a respeito dos atos e fatos do processo, assegurado. Tal garantia que implica em liberdade pública assegurada pelo artigo 5º, inciso LIV CF passou a ser garantida também pelo CPC (artigos 7º, 9º e 10º, por exemplo).

Como decorrência primeira desta previsão, tem-se que, o que antes apenas embasava propositura de recurso extraordinário, agora resta passível de interposição de recurso especial. Mais ainda, a lei foi clara no sentido de que o respeito deve se dar em relação ao contraditório pleno (não meramente um simulacro processual).

Deve-se garantir à parte o direito, não apenas de se manifestar, mas igualmente, tal direito gera expectativas justas – verdadeiros direitos públicos subjetivos dos jurisdicionados, no sentido de que tais manifestações sejam valoradas pelos magistrados. Daí o dever que se atribui aos mesmos, não de falar sobre tudo que se aduz nos autos, mas daquilo que pode levar à prolação de decisão em sentido diverso do decidido (os antigos fundamentos suficientes ou obter dicta).

Assim, para sucesso em embargos de declaração sobre a questão, deve-se demonstrar, por exemplo, que o argumento que não se analisou seria apto a permitir a prolação de decisão em sentido contrário, para que se tenha violação ao contraditório efetivo (artigo 489, par. 1º, inciso IV CPC).

Não basta menção à omissão, deve-se demonstrar que a omissão ocasionou prejuízo processual efetivo e concreto, afinal de contas, como aduz o vetusto, porém pragmático adágio de direito franco pas de nulitèe sans grief, o qual, em tradução literal e livre implica na ideia de acordo com a qual não há nulidade sem prejuízos processuais efetivos e concretos – princípio da instrumentalidade que deve ser superado para que se invoque, com sucesso, uma violação ao contraditório efetivo.

Afinal, num ambiente de primazia de soluções de mérito e tempestividade da jurisdição, com busca de sua efetividade, somente o que for plausível ou relevante há que ser considerado – daí a importância de se demonstrar o prejuízo efetivo, do modo mais didático possível para que se tenha êxito na alegação de maceração de contraditório ou de contraditório não eficiente.

Mais ainda, como decorrência do contraditório pleno deve-se assegurar o direito à plena produção as provas que forem necessárias à demonstração da versão aduzida no processo – quanto a isso aduz a melhor doutrina (a partir de trabalhos de Nicolò Troccker) aceita pelos Tribunais Superiores como sendo um right of evidence – isso deve ser ajustado num ambiente de saneamentos participativos e pode levar à suscitação de esclarecimentos em cinco dias após a publicação desse tipo de decisão.

Ou seja, não obstante Joseph Goldschmidt nos tenha legado a ideia de que ônus sejam imperativos do próprio interesse, ou seja, processo é algo que envolve riscos e quanto mais ônus a parte se desincumbe maior a chance de sucesso – e, não obstante haja ônus em relação às provas, necessário se faz apontar que a questão do ônus probatório não se confunde com o direito de produzir provas, este em situação correlata com a discussão do contraditório pleno.

De igual sorte, portanto, de se demonstrar, caso a caso, que a supressão da oportunidade ou a frustração das justas expectativas com o direito à prova, com a pontuação a respeito de prejuízos processuais efetivos, do contrário por incidência da mesma instrumentalidade das formas, não haverá qualquer nulidade.

Daí a importância, no momento do saneamento participativo, de se indicar com clareza qual a prova e sua necessidade efetiva para a elucidação de pontos controvertidos (tecnicamente questões). Se comprovada e justificada a necessidade, demonstrando a controvérsia efetiva a prova deverá ser produzida, sob pena de cerceamento.

Vale lembrar, desde há muito, não se pode admitir decisões que fazem referência ao fato de não haver mais necessidade de produção de provas, mas apresentar na motivação o argumento de que o autor ou o réu não comprovou os fatos alegados - há preclusões lógicas em tais espécies de decisões e se isso for demonstrado o cerceamento ao contraditório será dado inexorável.

Outro dado relevante. Como aponta Fredie Didier, todo procedimento probatório (instrutório) é tetrafásico (postulação, admissibilidade, produção e valoração). Assim, primeiro se postula (se pede) a produção da prova, o juiz a admite ou não. Se a admitir a mesma deve ser produzida, mas não é só, se houve admissão o juiz se encontra obrigado a valorá-la – analisa-la.

Se o juiz não analisa prova que admitiu, há manifesta preclusão lógica e isso pode gerar violação do contraditório efetivo (cerceamento).

Outro dado relevante sobre o tema e que suscita novas reflexões sobre o tema, que nada tem de batido. Há expressa previsão no sentido de que não se admitirá a decisão surpresa (verdadeiros atos de tu quoque processual e o tu quoque é cláusula doutrinária incompatível com a boa-fé objetiva gerando ato com abuso na visão clássica), assim chamada terceira via, ou seja, quando o autor apresenta a sua via de teses e fatos (primeira via), o réu traz a outra (segunda via), não sendo admitido que o magistrado opte por situações completamente novas em relação às quais não se permitiu manifestação prévia anterior (terceira via).

Pelo óbvio, se o magistrado surge com argumento novo, sobre o qual as partes previamente não se manifestaram, surge violação ao contraditório efetivo. Aliás, o novo CPC em sua busca salutar por um fair hearing (ambiente de processos justos) que reforce a justified trust (confiança justificada que as pessoas devam ter em relação às instituições e seu funcionamento – no caso específico do novo CPC se busca um resgaste do Poder Judiciário no papel carneluttiano de pacificação social), expressamente estabelece que se o juiz for aduzir algum argumento novo, por exemplo, uma matéria de ordem pública que possa ser conhecida de ofício (e são muitas delas no direito processual civil, por exemplo, as mencionadas no artigo 2.035, par. Único CC ou qualquer matéria de nulidade com fundamento no CDC), deverá previamente avisar as partes a respeito disso, colhendo-se manifestação prévia.

O mesmo intuito faz com que agora, quando se observa a interposição de embargos de declaração, que podem sim, ter eficácia infringente se isso for necessário à supressão de omissões, obscuridades ou contradições, se colha previamente a manifestação da parte contrária antes da análise do recurso (quando se é intimado para falar sobre embargos de declaração, portanto, há que se ter redobrada cautela na elaboração da peça eis que isso é indício de que o Magistrado se acha inclinado a prover tais embargos).

Mais, é importante que não se esqueça, por trás de tudo isso, há um dever dos juízes em colaborarem com as partes na busca da consecução de decisões judiciais satisfativas, dentro de um prazo razoável (artigos 4º e 6º CPC com artigo 5º, LXXVIII CF).

Mas justiça célere, como bem advertem Nelson Nery Jr e Rosa Maria Andrade Nery, em conhecido comentário ao CPC, não é sinônimo de Justiça Fulminante. Assim, não se pode utilizar a celeridade como bandeira para sacramentar violações ao contraditório e à ampla defesa – tudo dependerá do manuseio adequado de técnicas de ponderação (concepção que nos foi trazida por Norberto Bobbio, mas que pode ser encontrada em autores como Celso Lafer com sua lógica do razoável a partir de postulados de Hannah Arendt), demonstrando-se sempre prejuízos efetivos e se lembrando que as normas processuais devem ser interpretadas com proporcionalidade e razoabilidade (artigo 8º CPC).

Se as partes não cooperarem/colaborarem entre si, há possibilidade de reconhecimento de litigância de má-fé (para atos intencionais, ou seja, que evidenciem o dolo do improbus litigator) mas se juízes não colaboram/cooperam com as partes, disso, em havendo prejuízo, pode haver nulidade pelo cerceamento, eis que respeitar o contraditório é condição sine qua non para que o processo produza resultados e efeitos concretos na realidade dos fatos.

Sobre a questão aponta Humberto Theodoro Jr. no sentido de que haveria, mesmo, um princípio de comparticipação que daí poderia ser extraído (ou seja, cumprir-se o contraditório implica em respeito à participação que se espera de todos os participantes do processo, inclusive juízes):

"O principal fundamento da comparticipação é o contraditório como garantia de influência e não surpresa. [...] Nesse sentido, o princípio do contraditório receberia uma nova significação, passando a ser entendido como direito de participação na construção do provimento, sob a forma de uma garantia processual de influência e não surpresa para a formação das decisões. [...] Assim, diferentemente de mera condição para a produção da sentença pelo juiz ou de aspecto formal do processo, a garantia do contraditório, como veremos a seguir, é condição institucional de realização de uma argumentação jurídica consistente e adequada e, com isso, liga-se internamente à fundamentação da decisão jurisdicional participada – exercício de poder participado".1

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1 In THEODORO JÚNIOR, Humberto. et al. Novo CPC: Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. P. 63-64.

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*Júlio César Ballerini Silva é magistrado, professor e coordenador nacional do curso de pós-graduação em direito civil e processo civil.


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