Em meio à crise financeira do país, o presidente da República, em busca de aumentar a arrecadação, editou o decreto 9.101, de 20/7/17, que aumentou o PIS e a Cofins sobre combustíveis. Ato seguinte, também através de decreto, o Governo recuou em partes a medida e diminuiu as mesmas contribuições em relação ao etanol.
Apesar do art. 150, I da Constituição Federal, consagrar o princípio da legalidade em matéria tributária ao estabelecer que "é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça", não é a primeira vez que se observa a majoração de alíquotas de PIS e Cofins através de decreto.
Em atenção ao princípio da legalidade, a Justiça Federal de Brasília entendeu que o reajuste é inconstitucional, uma vez que foi realizado através de decreto. Para o juiz federal Renato Borelli, da 20ª Vara Federal de Brasília, o instrumento legislativo adequado à criação e à majoração do tributo "é a lei, não se prestando a tais objetivos outras espécies legislativas".
Nesse caso, o decreto ainda violou a noventena, uma vez que determinou a cobrança de forma imediata, não respeitando os 90 dias após a publicação da "lei" (decreto), prescritos no art. 150, III, "c", da Constituição. Assim, para Borelli, o contribuinte "não pode ser surpreendido pela cobrança não instituída e/ou majorada por lei".
Contudo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, se valendo de argumentos que se referem à crise financeira e à necessidade de arrecadação, cassou a decisão que suspendera o decreto.
Nota-se, portanto, o argumento ad terrorem foi utilizado para defender uma exação manifestamente inconstitucional, tal como verificamos em repetidas ocasiões.
Mais recentemente, a Justiça Federal da Paraíba também suspendeu os efeitos do decreto, ressaltando que o poder de tributar do Estado não é ilimitado, devendo obedecer os ditames constitucionais, tal como o princípio da legalidade. A decisão ainda pode ser reformada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.
Como já adiantado, não foi a primeira vez que o Governo Federal aumentou tributos por meio de decreto, uma vez que já vimos esse mesmo filme no restabelecimento das alíquotas de PIS e Cofins sobre receitas financeiras, tese esta de grande repercussão econômica para os contribuintes e para a União.
Naquela ocasião, dentre as medidas de ajuste fiscal promovidas pela presidente Dilma Rousseff, foi editado o decreto 8.426/15, que elevou de zero para 4,65% as alíquotas de PIS/Cofins sobre receitas financeiras.
A referida matéria já teve repercussão geral reconhecida no RE 986.296, substituído posteriormente pelo RE 1.043.313, que tratam da possibilidade de as alíquotas da contribuição ao PIS e da Cofins serem reduzidas e restabelecidas por regulamento infralegal, nos termos do art. 27, § 2, da lei 10.865/04.
No caso específico do PIS/Cofins sobre receitas financeiras, o referido dispositivo, delega a competência ao Poder Executivo Federal para "reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8o desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar."
Assim sendo, o que se verifica é que o Governo Federal se vale da delegação de competência para majorar as alíquotas de PIS e Cofins, o que contraria a lógica da legalidade, justamente em razão desta limitar a cobrança de tributos ao bel prazer de qualquer ente federado.
Por tal motivo, a Constituição não permitiu a delegação de competência ao Poder Executivo para estabelecer alíquotas de PIS e Cofins, sendo matéria reservada à lei. A exceção a legalidade, cabe, portanto, para os Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE's), IPI, II, dentre outros tributos.
Quer dizer, as contribuições PIS e Cofins não possuem caráter extrafiscal e não podem ter suas alíquotas editadas por ato do Poder Executivo.
A semelhança entre os dois casos é que, em ambas, se tratava do restabelecimento das alíquotas anteriormente minoradas. Por tal razão, a Fazenda Nacional argumenta que "afasta-se a alegação de inconstitucionalidade da majoração por meio de decreto, na medida em que, na espécie, não houve majoração, mas apenas restabelecimento de alíquotas, que, por sua vez, tornaram a vigorar em percentual, inclusive, menor do que aqueles inicialmente estabelecidos nas leis de regência da matéria".
É importante acrescentar que, em relação às receitas financeiras, o RE 1.043.313 também analisa, a luz dos princípios da não cumulatividade e da isonomia, a possibilidade da utilização de créditos pelas despesas financeiras, no caso do aumento das contribuições ser julgado constitucional.
Sendo assim, caso o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do PIS/Cofins - Receitas financeiras seja pela inconstitucionalidade do aumento dos tributos por meio de decreto, tal decisão repercutirá também na majoração das mesmas contribuições sobre os combustíveis.
O que merece destaque também é abordar a constitucionalidade não apenas sobre o enfoque da majoração, mas também de se abaixar as alíquotas ou estabelecer alíquota zero, o que também já ocorreu. Ou seja, se a majoração de tributos por meio de decreto for inconstitucional, evidente que a minoração também deve ser questionada.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos, na esperança de que a Constituição Federal, que consagrou o princípio da legalidade estrita em matéria tributária, seja respeitada e o contribuinte resguardado dos excessos do Estado ao se valer do poder de tributar.
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*Guilherme Chambarelli é advogado da área tributária do Lins, Homem de Carvalho & Pizzolante Advogados Associados. Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Cândido Mendes e com LL.M em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.