No ano no qual a lei 9.514 de 20 de novembro de 19971 completa 20 anos da sua vigência, promulgou-se em 11 de Julho de 2017 a lei 13.465 de 2017 – conversão da medida provisória 759/16 –, a qual introduziu dentre diversas2 outras, significativas alterações com relação a alienação fiduciária de bens imóveis, justamente em um momento de recuperação do mercado imobiliário brasileiro através, principalmente, da retomada de concessão de crédito pelas instituições financeiras, alterações estas que visam a estabilização de algumas questões que há tempos vinham sendo debatidas na doutrina e no Judiciário pátrios.
A lei 9.514/97, um marco à época da sua promulgação, disciplinou a alienação fiduciária de bem imóvel3 e estabeleceu, dentro da sistemática do seu artigo 224, a transferência pelo devedor (o fiduciante) da propriedade de seu bem ao credor (o fiduciário – geralmente uma instituição financeira), mantendo, porém, a posse direta sobre o bem transferido. O credor, neste sistema, tem a propriedade fiduciária e a posse indireta do referido bem5:
Ainda, verifica-se que o instituto da alienação fiduciária de bem imóvel, que admitia nos seus primeiros anos de vigência apenas a garantia de operações de financiamento imobiliário (art. 17, IV, lei 9.514/97)6, no ano de 2004 sofreu sua primeira alteração e passou a prever sua extensão e alcance como garantia das demais obrigações consoante disposto no artigo 51 da lei 10.931/04:
Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel. (g.n.)
Destarte, antes das alterações que serão abaixo melhor explicadas, introduzidas no ordenamento pelo artigo 67 da lei 13.465/17, conforme texto original da lei 9.514/97, a propriedade fiduciária resolvia-se: (I) mediante a quitação da dívida e o pagamento dos encargos pelo devedor ao credor (art. 24, § 1º), cabendo ao competente registro de imóveis o cancelamento do registro da propriedade fiduciária (art. 24, § 2º); (II) mediante a intimação do devedor para que efetuasse o pagamento das prestações vencidas e as que se vencessem até a data do pagamento além das custas para sua intimação (art. 26, § 1º), tudo no prazo de 15 (quinze) dias a contar da efetivação do ato, sob pena de consolidação da propriedade em nome do fiduciário (art. 26, caput) após o pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (art. 26, § 7º).
A partir da data do registro da averbação da consolidação na matrícula do imóvel em nome do fiduciário, iniciar-se-ia, então, o prazo de 30 (trinta) dias para realização do primeiro leilão público extrajudicial (art. 27, caput).
No primeiro leilão, o imóvel não poderia ser vendido por preço inferior ao seu valor de mercado conforme indicado no contrato de alienação fiduciária (art. 24, VI), e, não havendo lances neste montante, nos 15 (quinze) dias subsequentes, deveria ser realizado um segundo leilão, sendo aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, e demais encargos e tributos (art. 27, § 2º).
Assim, doravante, seguem abaixo considerações e primeiras impressões a respeito das alterações promovidas pela lei 13.465/17 (MP 759/16) e seus reflexos na sistemática da alienação fiduciária em garantia de bem imóvel normatizada pela lei 9.514/97:
(I) Considerações a respeito da inclusão do parágrafo único ao artigo 24 e alteração da redação do parágrafo 1º do artigo 27, ambos da lei 9.514/97:
"Art. 24. ...............................................................
Parágrafo único. Caso o valor do imóvel convencionado pelas partes nos termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a apuração do imposto sobre transmissão inter vivos, exigível por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito de venda do imóvel no primeiro leilão."
"Art. 27. .................................................................
§ 1º Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes.
Em um primeiro momento, a alteração tem como finalidade precípua evitar a alegação pelo fiduciante de que o preço atribuído no contrato conforme artigo 24, VI, da lei 9.514/97 para fins de primeiro público leilão pode ser considerado preço vil, ou seja, aquele cujo valor de arrematação é inferior a 50% (cinquenta por cento) do valor originalmente atribuído ao imóvel, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça7:
Neste aspecto, verifica-se que já existiam debates a respeito da possibilidade de arguição pelo fiduciante, no âmbito do procedimento aludido na lei 9.514/97, de que o preço atribuído para o primeiro público leilão poderia ser considerado vil, haja vista seu prévio conhecimento, quando da assinatura no negócio jurídico com o fiduciário:
"[...] Não se mostra plausível, agora, que os devedores-fiduciantes pretendam desdizer o quanto ajustaram e descumprir normas de ordem pública, como se fosse possível desconhecer o direito posto, que estabelece os critérios para reconhecimento dos preços mínimos passíveis de arrematação em primeiro e segundo leilões extrajudiciais. [...]"8
"[...] eventuais distorções na definição do valor do imóvel para fins de leilão, não afastam a aplicação do critério estabelecido pela lei 9.514/97 para extinção do contrato de alienação fiduciária, mas podem ensejar impugnação pelo devedor visando a reparação de eventuais perdas e danos, tendo em vista os princípios da atividade executiva que não admitem a arrematação por preço vil [...]"9
Porém, é importante verificar que a alteração produz reflexos na seara tributária, dado que o valor utilizado como base de cálculo do Imposto sobre a Transferência de Bem Imóvel a ser adotado para fins de venda do imóvel no primeiro público leilão deverá ser aquele arbitrado na legislação municipal como base de cálculo para sua apuração.
Vale dizer, na prática, normalmente, o valor arbitrado como base de cálculo do ITBI pelos municípios é maior do que aquele indicado no contrato a que serve de título ao negócio fiduciário.
A título de exemplo, o município de São Paulo já utilizou como valor para a base de cálculo do ITBI o Valor Venal de Referência instituído pela lei municipal 14.256/06, que foi questionado em sede de arguição de inconstitucionalidade10 perante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Recentemente, o referido Tribunal julgou apelação em sede de reexame necessário11, na qual o Desembargador Relator Eutálio Porto, ao justificar seu voto com base na arguição acima indicada, reforçou:
"[...] a base de cálculo do ITBI deve ser aquela fornecida pelo contribuinte, considerando o valor efetivo da transação e caberá ao Município impugnar, nos termos do art. 148 do CTN, se não concordar, instaurando para tanto processo administrativo, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa [...]"
Assim, de um lado, em que pese a aludida alteração pretender afastar as arguições dos fiduciantes de que o preço do imóvel caracteriza-se como preço vil no ato da arrematação, obstando o procedimento mediante liminares e anulações judiciais dos procedimentos de leilão extrajudicial; de outro, vincula o valor atribuído pelas legislações municipais para fins de incidência do ITBI, à revelia do fiduciário e fiduciante, podendo, neste caso, causar prejuízos de ordem financeira ao terceiro adquirente no momento da efetiva arrematação do preço do imóvel, se em primeiro público leilão, até mesmo inibindo-o a proceder a arrematação do imóvel neste momento, o qual, obrigatoriamente, terá que arcar com o custo do tributo para fins de averbação do ato na matrícula, seja o valor mercadológico, de fato, considerado naquele montante ou não.
(II) Considerações a respeito da inclusão do parágrafo 3º-A ao artigo 26 da lei 9.514/97:
"Art. 26. ...............................................................
§ 3o-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
A alteração que acrescenta o § 3º, item "a", ao artigo 26 da lei 9.514/97, coaduna-se com o disposto nos artigos 252, 253 e 254 da nova sistemática processual civil12(lei 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil), ou seja, amplia a possibilidade de considerar o fiduciante intimado, na hipótese de sua flagrante ocultação.
A alteração é positiva, considerando-se que, na prática, dada a impossibilidade de intimação do fiduciante pessoalmente via Oficial do Cartório de Registro de Imóvel ou Oficial do Registro de Títulos e Documentos (art. 26, § 3º, lei 9.514/97), diante de sua evidente ocultação, restava ao fiduciário apenas a tentativa de sua intimação via editalícia, muitas vezes tornando o procedimento de execução extrajudicial moroso.
Note-se que a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, até então, admitia que a intimação deveria ser sempre pessoal ou na pessoa do procurador ou representante legal do fiduciante, podendo ser realizada de três formas13, ou seja, (a) por solicitação do oficial do Registro de Imóveis; (b) por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la; ou (c) pelo correio, com aviso de recebimento, sendo essa a melhor interpretação da norma contida no art. 26, §3º, da lei 9.514/97.
Ainda, forçoso reconhecer que embora se admitisse no procedimento de execução extrajudicial relativa à alienação fiduciária de bem imóvel a "comunicação por via postal, as potenciais discussões a respeito de sua efetivação, notadamente nas hipóteses de não se conseguir identificar o subscritor do aviso de recebimento, ou de nele estar aposta assinatura de terceiro, não recomendam, na prática, sua adoção"14.
Assim, a inclusão do parágrafo 3º, item "a", ao ampliar as hipóteses para regular tentativa de notificação pessoal do fiduciante, nos termos do caput do artigo 26, § 3º, dá ênfase à boa-fé na fase de intimação do agente passivo quanto à necessária purgação da aludida mora, evitando-se, consequentemente, a frustação do fiduciário em detrimento da má-fé do fiduciante.
(III) Considerações a respeito da inclusão do parágrafo 3º-B ao artigo 26 da lei 9.514/97:
"Art. 26. ...............................................................
§ 3o-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3o-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.
A alteração que acrescenta o § 3º, item "b", ao artigo 26 da lei 9.514/97, coaduna-se com o disposto no artigo 248, § 4º da nova sistemática processual civil, o qual estabelece que "nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, [...]"15.
Nesse aspecto, importante frisar que, no que tange a notificação do fiduciante que presumidamente oculta-se, dado que tal é a hipótese a que alude o artigo 26, § 3º, item "a", em caso de o mesmo residir em condomínio edilício ou em loteamento com controle de acesso, certo é que presumir-se-á fictamente que a entrega da intimação ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência bastará para o início do prazo a que alude o artigo 26, § 1º, da lei 9.514/97.
Porém, a norma estatuída no Código de Processo Civil detalha, ainda, que o funcionário responsável, "entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente".
Todavia, tal previsão adicional não constou expressamente no acrescentado artigo 26, parágrafo 3º, item "b", da lei 9.514/97, sequer fazendo dita norma alusão ao Código de Processo Civil, como o fez no parágrafo 3º, item "a", podendo-se inferir, ao menos nestas primeiras impressões que, intencionalmente, o legislador optou em não o fazer, dado a patente presunção de ocultação do fiduciante em detrimento da boa-fé do fiduciário.
(IV) Considerações a respeito da inclusão do artigo 26-A, parágrafos 1º e 2º e parágrafo único ao artigo 30, ambos da lei 9.514/97:
Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se às normas especiais estabelecidas neste artigo.
§ 1o A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário será averbada no registro de imóveis trinta dias após a expiração do prazo para purgação da mora de que trata o § 1o do art. 26 desta Lei.
§ 2o Até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesas de que trata o inciso II do § 3o do art. 27, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação fiduciária.
"Art. 30. ................................................................
Parágrafo único. Nas operações de financiamento imobiliário, inclusive nas operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), uma vez averbada a consolidação da propriedade fiduciária, as ações judiciais que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de notificação do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e danos e não obstarão a reintegração de posse de que trata este artigo." (NR)
A alteração que acrescenta o artigo 26-A, parágrafos 1º e 2º e parágrafo único ao artigo 30 à lei 9.514/97, cria um procedimento específico para a cobrança, purgação de mora e consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela lei 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR).
Nesse contexto, após notificado o fiduciante (na maioria das vezes mutuário integrante do Sistema de Financiamento Habitacional) para purgar a mora mediante a notificação encaminhada conforme o artigo 26 e parágrafos, estabeleceu-se prazo improrrogável e obrigatório para que se proceda a averbação da consolidação da propriedade (art. 26-A, § 1º), sendo que, até a efetiva averbação do referido ato em nome do fiduciário na matrícula do imóvel, permite-se ao fiduciante a purgação da mora, sob pena de convalescimento peremptório do contrato (art. 26-A, § 2º).
Ainda, verifica-se que a alteração que determina a efetiva consolidação da propriedade em nome do fiduciário no prazo de 30 (trinta) dias, para as operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, não poderá ser obstada por ações judiciais que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos procedimentais de cobrança e leilão extrajudicial (art. 30).
Ou seja, há equilíbrio na alteração, uma vez que o disposto no artigo 30 da lei 9.514/97 reforça a segurança jurídica do procedimento extrajudicial e a retomada efetiva do bem de um lado e, de outro, concede ao fiduciante, se prejudicado, o direito de conversão de eventual prejuízo em perdas e danos em desfavor do fiduciário.
(V) Considerações a respeito da inclusão do artigo 27, parágrafo 2º, item "a", da Lei 9.514/97:
"Art. 27. .................................................................
§ 2º-A. Para os fins do disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.
A alteração preconizada pela inclusão do § 2º, item "a", ao artigo 27 da lei 9.514/97 positiva o entendimento jurisprudencial, em especial do Superior Tribunal de Justiça16 e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo17 que estabelece a necessidade de notificação pessoal do devedor fiduciante quanto as datas da realização dos leilões:
Nota-se que ao fiduciário caberá a notificação do devedor fiduciante durante o período de 30 (trinta) dias, em concomitância à realização do primeiro público leilão. Não restou estabelecido qualquer prazo mínimo para que a comunicação se efetivasse, apenas que a mesma possa vir a ocorrer mediante envio de correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato ou ao endereço eletrônico do devedor fiduciante, ambos previamente estabelecidos.
Percebe-se que a alteração visa coadunar-se com a jurisprudência, contudo, a nosso sentir, pode burocratizar o procedimento na fase de leilão extrajudicial. Desse modo, caberá ao credor fiduciário, preventivamente, estabelecer no contrato de alienação fiduciária os meios pelos quais o devedor fiduciante será comunicado a respeito da realização das hastas públicas, por exemplo, através de meio eletrônico, facilitando, assim, sua notificação.
Nesse sentido, caso o devedor fiduciante não seja encontrado, mesmo quando o envio da notificação se der via correios consoante endereço do contrato, pode-se entender que o requisito legal de comunicação foi cumprido, cabendo ao mesmo a prerrogativa também preventiva de atualizar seu endereço junto ao credor, demonstrando até mesmo sua boa-fé, sob pena da nova regra ser utilizada como verdadeiro entrave para a realização dos leilões extrajudiciais, maculando a finalidade do procedimento de consolidação da propriedade.
(VI) Considerações a respeito da inclusão do parágrafo 2º, item "b" ao artigo 27, da lei 9.514/97:
"Art. 27. .................................................................
§ 2o-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.
A alteração preconizada pela inclusão do § 2º, item "b", ao artigo 27 da lei 9.514/97 também positiva e esclarece o entendimento da jurisprudência pátria, em especial do Superior Tribunal de Justiça18, que estabelece a possibilidade do devedor fiduciante quitar o débito em momento anterior a assinatura do auto de arrematação ou adjudicação.
Ressalta-se que a alteração concede ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel também por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o do artigo 27, da lei 9.514/97, além dos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária pelo credor, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, inclusive custas e emolumentos.
(VII) Considerações a respeito da alteração na redação do artigo 37-A, da lei 9.514/97:
"Art. 37-A. O devedor fiduciante pagará ao credor fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a 1% (um por cento) do valor a que se refere o inciso VI ou o parágrafo único do art. 24 desta Lei, computado e exigível desde a data da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciante até a data em que este, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do imóvel.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se às operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR)."(NR)
A nova redação estabelece como marco inicial da obrigação para o pagamento da taxa de ocupação pelo devedor fiduciante a data da averbação da consolidação da propriedade do imóvel ao patrimônio do credor fiduciário até a data em que este último vier a ser imitido na posse do imóvel (e não a data da alienação do imóvel em leilão extrajudicial), uma vez que, conforme o próprio entendimento do Superior Tribunal de Justiça19, “a consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel”.
Nesse aspecto, o marco temporal a quo para que apareça ao credor fiduciário o direito à taxa de ocupação coincide-se com o momento em que se torna possuidor direto do bem, referindo-se, portanto, a data da averbação na matrícula da consolidação da propriedade do imóvel em seu nome, aplicando-se a disposição também às operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela lei 11.977, de 7 de julho de 2009.
Outrossim, pode-se entender como possível que, na hipótese do devedor fiduciante utilizar-se da prerrogativa a que alude o artigo 27, § 2º, item "b", da lei 9.514/97, adquirindo novamente o bem imóvel quando da realização do segundo público leilão extrajudicial, neste interregno, será devido o montante correspondente a 1% (um por cento) sobre o valor descrito no inciso VI ou o parágrafo único do art. 24, da lei 9.514/97, ou seja, a arrematação pelo devedor fiduciante do imóvel em segundo público leilão, também lhe conferirá o ônus de pagar a taxa de ocupação ao credor fiduciário, ainda que por curto período de tempo.
(VIII) Considerações a respeito da alteração na redação do artigo 39, inciso II, da lei 9.514/97:
Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei:
...................................................................................
II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei no 70, de 21 de novembro de 1966, exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca." (NR)
A alteração promovida pela lei 13.465/17 afastou a aplicação das disposições dos artigos 29 a 41 do decreto-lei 70/66, mantendo-a apenas aos procedimentos de execução de créditos com garantia hipotecária:
"Com efeito, a partir de seu artigo 29, o Decreto-Lei 70/66 disciplinou o mecanismo da execução extrajudicial hipotecária, na qual incumbe ao agente fiduciário, ente que não integra o Poder Judiciário, o desempenho dos atos do procedimento que culminará na alienação fiduciária do imóvel objeto da hipoteca e subsequente pagamento ao credor."20
A alteração justifica-se uma vez que há debate na doutrina e jurisprudência21 se, por analogia, poder-se-ia, por exemplo, aplicar o disposto no artigo 34 do decreto-lei 70/6622 – que prevê a possibilidade do devedor, até a assinatura do auto de arrematação, pagar o débito –, aos contratos regidos pela lei 9.514/97.
Ademais, a aplicação analógica do decreto-lei 70/66 deixa de fazer sentido, quando se verificam as demais alterações ao procedimento promovidas pela lei 13.465/17 na sistemática da alienação fiduciária, conforme descrito nos tópicos precedentes, principalmente com relação ao direito de preferência do devedor fiduciante e sua possibilidade de aquisição do imóvel até a arrematação no segundo público leilão extrajudicial (inclusão do art. 27, § 2º, item "b").
Conclusão
Diante das alterações promovidas pela lei 13.465/17 no âmbito da alienação fiduciária de bem imóvel, percebe-se a clara intenção do legislador em amenizar as inconsistências jurídicas que existiam na lei 9.514/97, tornando o procedimento mais hígido e juridicamente seguro, atualizando a legislação à luz da realidade do mercado imobiliário e dos meios extrajudiciais de execução de garantias extrajudiciais atuais, principalmente na lógica dos artigos 24, 26 e 27, de acordo com a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça, e demais tribunais da federação, como visto nos tópicos precedentes.
Finalmente, o que se deve aguardar, no entanto, é a readequação dos contratos de alienação fiduciária estabelecidos entre fiduciário e fiduciante, bem como, a regulamentação das alterações, principalmente quanto às regras para intimação dos fiduciantes, pelos Cartórios de Registro de Imóveis e Cartórios de Títulos e Documentos que, muitas vezes, obstaculizam o procedimento de execução extrajudicial previsto na lei 9.514/97, com entendimentos e exigências próprias, não previstas na norma vigente, tornando o procedimento altamente burocrático.
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1 Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências
2 (Clique aqui).
3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações: 11ª ed. Ver. Atual. e ampli. segundo a legislação vigente. Rio de Janeiro, Forense, 2014. P. 319: "A fidúcia é traço comum a todas as operações, em todo o circuito dos créditos – serve como garantia na comercialização de imóveis, na qual o tomador de um empréstimo transfere ao emprestador a propriedade fiduciária do imóvel, mediante contrato de alienação fiduciária; serve como garantia do financiador da produção de imóveis, hipótese em que o incorporador, dispondo de créditos decorrentes da comercialização de imóveis, transfere-os ao financiador, mediante contrato de cessão fiduciária; serve para segurança do mercado do investidor, ao permitir que os créditos que lastreiam a emissão de títulos sejam submetidos a um regime fiduciário, pelo qual esses créditos ficam vinculados à satisfação dos títulos adquiridos pelos investidores (regime fiduciário de créditos 'securitizados'); [...]"
4 Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
5 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 8ª Edição, revista, atualizada e ampliada. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. P. 833.
6 BRESOLIN, Umberto Bara. Execução extrajudicial imobiliária: aspectos práticos. São Paulo, Atlas: 2013. P. 104/105: A entrada em vigor da lei 9.514/97 marcou um novo mecanismo de financiamento, identificado como Sistema Financeiro Imobiliário – SFI. Diferentemente do anterior, o novo mecanismo é caracterizado pela amplitude de meios de captação de recursos – posto que proporciona a estruturação de um mercado secundário de créditos imobiliários, baseado na securitização de créditos imobiliários e emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários. [...] Ao contrário da faceta social marcante no SFH, destaca-se no SFI sua faceta financeira.
7 STJ – AgInt no REsp 1461951/PR, Rel. Ministro Ricardo Vilas Boas Cuêva, Terceira Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017.
8 CAMBLER, Everaldo Augusto. Preço vil: impossibilidade de arguição na alienação fiduciária de bem imóvel. Revista de Direito Imobiliário, vol. 78/2015, p. 277 – 298, Jan - Jun de 2015: (Clique aqui)
9 BRESOLIN, Umberto Bara. Execução extrajudicial imobiliária: aspectos práticos. São Paulo, Atlas: 2013. P. 170. apud M. N. Chalhub, (Begócio Fiduciário, 2009, p. 270/271).
10 São Paulo, Tribunal de Justiça. Arguição de Inconstitucionalidade nº 0056693-19.2014.8.26.0000. Órgão Especial. Data de Julgamento: 25 de março de 2015.
11 São Paulo, Tribunal de Justiça. Apelação/Reexame Necessário nº 1002152-83.2016.8.26.0053. 15ª Câmara de Direito Público. Desembargador Relator Eutálio Porto. Data de Julgamento: 09.03.2017.
12 Art. 252. Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
Parágrafo único. Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.
Art. 253. No dia e na hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando a fim de realizar a diligência.
§ 1o Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca, seção ou subseção judiciárias.
§ 2o A citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da família ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, a pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado.
§ 3o Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
§ 4o O oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será nomeado curador especial se houver revelia.
Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência.
13 STJ – REsp 1531144/PB, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016.
14 BRESOLIN, Umberto Bara. Execução extrajudicial imobiliária: aspectos práticos. São Paulo, Atlas: 2013. P. 160. apud M. N. Chlalhub, "se a carta-notificação for remetida pelo correio, só valerá se o aviso de recebimento tiver sido assinado pelo próprio devedor, ou por seu representante legal ou seu procurador (Negócio Fiduciário, 2009, p. 251).
15 Art. 248. Deferida a citação pelo correio, o escrivão ou o chefe de secretaria remeterá ao citando cópias da petição inicial e do despacho do juiz e comunicará o prazo para resposta, o endereço do juízo e o respectivo cartório.
§ 4o Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente.
16 STJ – AgRg no REsp 1367704/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 04/08/2015, DJe 13/08/2015.
17 São Paulo, Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento 2059876-56.2017.8.26.0000; Relator Luis Fernando Nishi. 32ª Câmara de Direito Privado; Julgado em 13/07/2017.
18 STJ - REsp 1518085/RS, Rel. Ministro Marco Aurelio Bellizze, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 20/05/2015.
19 STJ – REsp 1155716/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 22/03/2012.
20 BRESOLIN, Umberto Bara. Execução extrajudicial imobiliária: aspectos práticos. São Paulo, Atlas: 2013. P. 90/91.
21 São Paulo, Tribunal de Justiça de. Apelação 1000395-61.2016.8.26.0374, Relator Claudio Hamilton. 25ª Câmara de Direito Privado Julgado em 06/07/2017.
22 Art 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acôrdo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos:
I - se a purgação se efetuar conforme o parágrafo primeiro do artigo 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca, até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário;
II - daí em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção monetária incidente até o momento da purgação.
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