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CPR: Artigo 12 e o debate sobre direito de preferência

O registro em cartório do local de formação da lavoura frente ao cartório do domicílio do emitente

27/7/2017

Desde que a CPR foi criada pela lei 8.929/94, intensos debates sobre esse importante título rural foram travados perante o judiciário brasileiro.

E, apesar do caminho natural de acomodação jurídica que toda nova lei segue no decurso do tempo, muitas questões revelam-se ainda controversas a respeito de sua aplicabilidade prática.

Uma dessas discussões faz morada no art. 12 da lei da CPR, que trata do registro para eficácia contra terceiros, que tem a seguinte redação: "Art. 12. A CPR, para ter eficácia contra terceiros, inscreve-se no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do emitente."

Este artigo determina que, para que uma CPR tenha validade contra terceiros, deverá estar inscrita no Cartório de Registro de Imóveis do domicílio do emitente.

Em minha opinião, o legislador não abordou a questão do registro da cédula com a devida acuidade ao não considerar, por exemplo, as seguintes possibilidades:

a) o emitente da cédula não possuir nenhum imóvel na comarca de seu domicílio principal;
b) o emitente possuir somente imóveis urbanos registrados em seu nome;
c) o emitente possuir vários imóveis rurais em locais distintos de sua residência e lá exercer sua profissão;
d) ou mesmo arrendar imóvel distante de sua residência para exercício de sua profissão.

Em todas as suposições acima enumeradas, a solução apontaria para o registro da cédula em Cartório de Registro de Títulos e Documentos e, não, de Registro de Imóveis, solução que nos parece mais lógica e coerente, se considerarmos as peculiaridades que envolvem a utilização das CPR.

Nota-se que o legislador, ao instituir a regra em comento, partiu de uma premissa equivocada, com uma imensa lacuna de omissão, ao considerar que todo produtor rural reside no local onde planta. Esta conclusão se revela errônea nos dias atuais, em que produtores plantam em diversas regiões do país e em regimes jurídicos igualmente variados, que vão do arrendamento, passando pela parceria agrícola, e até mesmo em regime de comodato, o que lança enorme nuvem sobre tal comando legal.

Contudo, devemos realçar que a interpretação dessas hipóteses torna-se desnecessária, se considerarmos a possibilidade de pluralidade de domicílios outorgada pelo Código Civil.

Ao utilizar-se subsidiariamente o CC à interpretação concreta do artigo 12 em tela, concluímos que não há óbice ao registro das cédulas apenas no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca, onde se localiza a propriedade utilizada para cultivo da lavoura, ao considerar-se esta como mais um dos possíveis domicílios do emitente. Senão, vejamos:

Código Civil – Título III – Do domicílio

Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.

Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.

Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.

...

Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.

A leitura dos artigos acima transcritos deixa patente que o local onde determinado produtor rural exerça sua profissão, seja em propriedade própria ou arrendada, resida nela ou não, será considerado seu domicílio para fins legais.

Destarte, à luz do art. 78 do referido diploma legal, basta que faça constar o endereço específico do local onde os bens foram dados em penhor para que este fique caracterizado como seu domicílio.

Ademais, o artigo 1.438 do Código Civil determina que, para os casos de penhor rural, obrigatoriamente, deverá este ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas:

Art. 1.438. Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas.

Nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar que, se o local onde estiverem as coisas empenhadas for uma fazenda ou armazém próprio, alugado, ou mesmo arrendado, este será invariavelmente o domicílio do devedor onde o contrato ou título deverá ser registrado.

Ademais, é importante ressaltar que não se deve confundir a figura de bens comprados por uma CPR, (que podem ser substituídos por outros de mesmo gênero, qualidade e quantidade) com bens outorgados em garantia de penhor ao cumprimento da obrigação contida em tal título.

Neste ponto, esclarecemos que aquele que obtiver penhor sobre produtos de uma determinada área, com a garantia deste penhor devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis do local onde se localiza a propriedade rural de formação dos grãos, terá invariavelmente direito de preferência sobre aquele que apenas registrou a CPR em outro domicílio do emitente do título, mesmo sendo este domicílio a sua residência fixa.

Qual seria o objetivo do legislador em determinar o registro da CPR no foro do domicílio residencial do emitente?

Que benefícios ao produtor, ao credor ou mesmo a terceiros do mercado seriam alcançados, caso fosse essa a interpretação mais adequada?

Com base em tais indagações, cabe-nos destacar que o registro de penhor possui natureza jurídica absolutamente diferente e preferencial ao registro simples de uma CPR como um todo. Prova maior desse raciocínio está no fato de que, ao se registrar uma CPR em determinado cartório, os emolumentos são constituídos de apenas um ato, ao passo que, ao se registrar uma CPR que possua garantia de penhor, esses mesmos emolumentos constarão de dois atos: um para registro da CPR e outro para registro do penhor.

Corolário da análise jurídica desse "embate de preferências", tem-se que o penhor ostenta a natureza de garantia acessória, com legislação própria distinta da lei da CPR, e requer individualização característica (determinação do bem por sua quantidade, qualidade, local de formação dos grãos e outros aspectos inerentes que permitam sua clara individualização). Esta condição lhe confere a prelação dos respectivos bens empenhados sobre produtos comprados de forma genérica por CPR, que podem ser produzidos em qualquer local ou mesmo adquiridos do mercado para fins de quitação da dívida. Estes produtos, diferentemente do penhor, podem ainda ser substituídos por outros de igual gênero e qualidade sem autorização do credor.

Com base na exposição ofertada, pode-se concluir que a lei sobre penhor efetivamente individualiza e determina que a inscrição seja feita no Cartório de Registro de Imóveis de localização dos bens apenhados. Neste aspecto, se considerarmos que o local onde um dado produtor planta pode ser considerado um de seus domicílios e, principalmente, como ocorre com a maioria dos casos em que se utilizam CPRs, em que o produtor fornece como endereço no próprio título o mesmo local onde planta e oferta o penhor, não há que se falar em ausência de preferência por não haver registro em outro local que supostamente seja a residência deste agricultor.

Qualquer registro anterior no local onde está sendo formada a lavoura, especialmente se estiver garantido por penhor, deverá sobrepor-se ao simples registro no cartório onde resida o emitente do título, uma vez que o primeiro exemplo, sem dúvidas, melhor alcançaria o objetivo proposto pela Lei de Registros Públicos de conferir ciência a terceiros, tanto sobre a existência da CPR, quanto ao do próprio penhor dos bens vinculados ao título.

O bom senso, como sempre, deve prosperar.

__________

*Marcus Reis é sócio-fundador do escritório Reis Advogados.

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