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Os 25 anos da Lei de Improbidade Administrativa

Mais vale a pena mirar o futuro e pensar naquilo que pode ser aprimorado para o próximo quarto de século, do que ficar lamentando as mazelas do passado.

24/7/2017

Neste ano, mais precisamente no mês de junho, a lei 8.429/92 completa seus 25 anos de vigência, o que não deixa de ser um marco histórico, nem tanto por corresponder a um quarto de século, mas, sobretudo, por coincidir com o estado de ebulição política-jurídica desencadeado por recentes acontecimentos em ambas as esferas, notadamente, por processos e decisões judiciais – é fato - outrora jamais imagináveis.

Nesse período, apesar de alguns percalços enfrentados, o que é bastante natural, muitos avanços foram alcançados pela sociedade, que, relembre-se, “ganhou” a referida lei como uma espécie de “remédio” prescrito pelo então Governo Collor para se combater a corrupção que, àquela época, (já) fazia o país “chafurdar na lama”.

 

 

Por mais incrível que isso possa soar e não obstante a tais avanços, parece que o cenário político brasileiro não mudou muito desde então, haja vista, dentre outros, a promulgação, no ano de 2013, da lei 12.846 – a chamada “Lei Anticorrupção” – que, a despeito do seu louvável propósito, chega a colidir em alguns pontos com a própria “Lei de Improbidade”, em especial, no tocante à punição e/ou responsabilização da pessoa jurídica de direito privado, porquanto ambas preveem os mesmos tipos infracionais.

De todo modo, mais vale a pena mirar o futuro e pensar naquilo que pode ser aprimorado para o próximo quarto de século, do que ficar lamentando as mazelas do passado, até porque a tarefa de corrigir alguma disposição legal, que, por qualquer motivo, encontra-se fora de esquadro constitui uma das principais tarefas dos nossos Tribunais, especialmente os extraordinários, na construção da jurisprudência pátria.

Prova disso pode ser extraída de duas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da “Lei de Improbidade” em sede de recurso repetitivo, formando, assim, paradigmas que deverão ser aplicados às situações do mesmo jaez. Na primeira (REsp 1163643), a Corte Especial estabeleceu, em suma, que não se pode confundir a ação típica de improbidade de que trata o art. 17 da lei 8.429/92 com a ação de responsabilidade civil para anulação de atos administrativos e obtenção de ressarcimento do dano daí decorrente, posto que, enquanto aquela se destina, fundamentalmente, à aplicação de sanções político-civis aos responsáveis pela prática do ato ímprobo, esta tem, por objeto, consequências de natureza civil comum, que não se coadunam com o juízo de deliberação para recebimento da petição inicial previsto no mesmo artigo 17. Quanto à segunda (REsp 1366721/BA), o STJ sufragou o entendimento de que a ação de improbidade comporta a possibilidade de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens do demandado quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato ímprobo causador de dano ao Erário, estando o requisito do “periculum in mora”, necessário a tanto, implícito na redação do artigo 7 da lei 8.429/92, que tem, como principal foco, a preservação e a recuperação do patrimônio público, pelo que não há de se exigir, nessas hipóteses, a comprovação de que o réu (ou autor do ato tido como tal) esteja dilapidando o seu patrimônio ou na iminência de fazê-lo.

Sem prejuízo, portanto, de outras discussões a serem dirimidas pelo Poder Judiciário sobre a lei de Improbidade, tais como, por exemplo, (i) a possibilidade de a entidade de direito público voltar-se contra o agente ímprobo no caso de o Ministério Público não recorrer de sentença proferida na ação de improbidade (Art. 17, §3, da lei 8.429/92), ou ainda, (ii) a impossibilidade de transferência do risco do negócio para o gestor público, sobretudo, para fins de qualificação do ato de improbidade (Art. 11, §3, da lei 8.429/92), é preciso olhar para frente, em busca de modificações legislativas que aperfeiçoem a “Lei de Improbidade”, tornando-a mais efetiva e benéfica a toda a sociedade.

Sob essa ótica, um dos desafios que se descortina diz respeito à (im)possibilidade de afastamento da vedação à transação, acordo ou conciliação na ação de improbidade, todos previstos no §1, do Art. 17, da lei 8.429/92, ainda mais quando o instituto do acordo de leniência tornou-se uma realidade concreta no nosso sistema jurídico, com o advento, em especial, da “Lei Anticorrupção”, que – diga-se de passagem – além de guardar, pela sua própria natureza, forte semelhança com a “lei de Improbidade”, chegando a colidir em alguns pontos sensíveis com a primeira, acabou por estender essa possibilidade a outras searas, como aquelas concernentes aos artigos 86, 87 e 88 da “lei de Licitações” (8.666/93), que tratam das sanções restritivas ou impeditivas ao direito de licitar e contratar com a Administração Pública.

Diz-se que o afastamento da vedação quanto à celebração de acordo de leniência na aplicação das sanções previstas na “lei de Improbidade” (ex-vi do §1, do Art. 17, da lei 8.429/92) representa verdadeiro desafio, porque, como se sabe, este normativo legal está fundado, justamente, na indisponibilidade do direito tutelado.

Por outro lado, o acordo de leniência consiste, objetivamente, em um negócio jurídico celebrado entre o Poder Público e o autor da infração, de modo a propiciar que este forneça elementos que auxiliem e/ou desvendem o ilícito praticado, pelo que recebe, em contrapartida, a redução da pena que lhe deve ser aplicada.

Nessa perspectiva, o acordo de leniência, ao menos conforme estatuído pela “lei Anticorrupção”, corresponde a ato administrativo discricionário, negocial e bilateral, ou, em poucas palavras, em ato administrativo consensual, que, apesar de não obrigar o Poder Público a aceitá-lo, nem ter o efeito de extinguir a ação punitiva, estaria, sob todas as luzes, sendo firmado sobre direito indisponível, que, a rigor, não admite esse tipo de transação.

Logo, para que o acordo de leniência pudesse ser aplicado aos atos de improbidade, além, obviamente, da necessária alteração legislativa, seria impositivo que este tipo de acordo contivesse requisitos mínimos, tais como: (i) a efetiva colaboração de quem teve participação na prática do ato de improbidade; (ii) que essa colaboração resultasse na identificação dos demais coautores do ato de improbidade, e, acima de tudo, no fornecimento de informações concretas ou documentos que comprovassem a infração noticiada ou sob investigação, já que, a teor do disposto no §6, do art. 17 da lei 8.429/92, a simples delação (ou acordo de leniência) não serve, por si só, para fins de admissibilidade da ação de improbidade, conforme lecionado por meu sócio Mauro Roberto Gomes de Mattos em trabalho publicado em fevereiro de 2015 no “Boletim de Administração Pública e Gestão Municipal (41)”.

Com efeito, tratando-se de um ajuste de resultado, em que aquele que praticou o ato tido como ímprobo concorda em colaborar com o Poder Público visando à redução das penalidades que lhe poderiam ser impostas, o acordo de leniência deveria – ao menos em tese - ter, como premissa básica de validade e eficácia, não só a identificação dos outros envolvidos na sua consecução, mas também, o fornecimento de elementos materiais capazes de amparar a respectiva ação de improbidade a ser ajuizada contraos demais, já que esta – insista-se – não pode se basear ou ter como único meio de prova o acordo em si.

Lembrando, finalmente, que o acordo de leniência não há de perder – jamais – o seu caráter discricionário, é certo que a Administração Pública lesada nunca estará obrigada a aceitá-lo.

Nesse sentido, conquanto a própria lei 8.429/92 exija que a autoria e a materialidade sejam invencivelmente demonstradas nas provas que dão lastro à propositura da ação de improbidade, não se pode perder de vista que a acolhida do acordo de leniência pelos outros ramos do Direito deveria impulsionar uma revisitação dos dogmas tradicionais do Direito Administrativo, já que, apesar do engessamento natural decorrente da unilateralidade e do autoritarismo que revestem seus atos, este não pode fechar os olhos para essa nova realidade, abrindo mão, consequentemente, da possibilidade de estabelecer um poder maior de negociação ou contratualização em benefício do próprio Erário, diante da oportunidade que seria aberta para a recuperação mais eficaz de eventual patrimônio desviado.

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*Gilberto Costa Filho é sócio de Gomes de Mattos Advogados Associados.


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