Migalhas de Peso

O novo investidor anjo nas Startups a partir da LC 155/16 (Parte 1)

O objetivo deste artigo é apresentar as primeiras impressões sobre essas inovações legislativas, buscando contextualizá-las no âmbito do Direito Societário.

24/7/2017

No dia 28 de outubro de 2016, foi publicada a Lei Complementar 155, de 27 de outubro de 2016, alterando substancialmente a LC 123/06 (Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte), além de dar outras providências.

Através da nova norma, foram alterados os anexos da LC 123/06, que contêm as alíquotas e regimes de distribuição dos tributos arrecadados no sistema do Simples Nacional. Além disso, a LC 155/16 eleva o teto de enquadramento da receita bruta anual auferida pela Empresa de Pequeno Porte-EPP de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões1, e admite que o micro empreendedor Individual-MEI permaneça beneficiário do SIMPLES auferindo receita bruta anual de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), contra os até então R$ 60.000,00 (sessenta mil reais)2, refletindo ambas as alterações a evolução e inquietude do mercado com os baixos valores antes praticados e a inflação sofrida no País nos últimos anos.

Outra importante medida, única de eficácia imediata3, foi a criação do parcelamento especial4 em até cento e vinte meses para os débitos de impostos relativos ao regime do Simples Nacional vencidos até a competência do mês de maio de 2016, com parcela mínima de R$ 300,00 (trezentos Reais), sendo indiferente se o crédito está constituído ou é objeto de parcelamento, de inscrição em dívida ativa ou de execução fiscal.

Não podemos deixar de salientar que a LC 155/16 incluiu novas atividades ao rol do Art. 17 da LC 123/065, mostrando, mais uma vez, atenção ao mercado e à indústria que vem sendo desenvolvida no País nos últimos anos. A nova regulamentação admite que pequenos e médios produtores de bebidas alcoólicas também possam aderir ao regime de tributação diferenciado da LC 123. Isso é indicativo de grande avanço nos tempos de hoje, em que temos um crescimento acelerado do mercado produtor interno de cervejas artesanais, vinhos, licores, cachaças e outros destilados, com grande potencial de exploração, mas que pode ter o seu desenvolvimento impedido pela ausência do devido incentivo no início da atividade. Assim, com alguns incentivos vemos nascer, de fato, mais um atrativo do Brasil para o investidor externo e interno.

Como mencionado no primeiro parágrafo deste artigo, a LC 155/16 aporta substanciais mudanças na LC 123/06. Entretanto, nessa mesma linha de fomento às atividades empreendedoras, emergentes e iniciantes no País, as que mais nos chamaram a atenção foi a introdução, pela primeira vez, na legislação brasileira da figura jurídica do Investidor Anjo e, a tipificação de um modelo de contrato de investimento desse investidor anjo ali definido.

Ao longo de 4 dispositivos legais agora incluídos na LC 123/06 (Artigos 61-A, 61-B, 61-C e 61-D) e respectivos parágrafos, vemos nascer uma regulamentação de estrutura de investimento bastante inovadora e capaz de contribuir para o fomento da atividade econômica das chamadas Startups.

O objetivo deste artigo é apresentar as primeiras impressões sobre essas inovações legislativas, buscando contextualizá-las no âmbito do Direito Societário. Serão apontadas também as críticas em relação às terminologias adotadas pelos mencionados dispositivos e, principalmente, as vantagens e os obstáculos que podem, desde logo, ser antevistos com essa inovação legislativa.

Buscando incentivar a inovação e os investimentos produtivos, as micro e pequenas empresas, assim enquadradas na forma do Art. 3º da LC 123/06 e beneficiárias do SIMPLES Nacional, que, a partir de janeiro de 2017, receberem aporte de capital de terceiros não sócio, pessoa física ou jurídica ou fundos de investimento6, poderão se valer do contrato tipificado nos Arts. 61- A e seguintes da LC 123/06 para recebimento desse aporte de capital, oferecendo, a princípio, maior segurança jurídica ao seu investidor-anjo.

Os valores investidos, por meio desse contrato de participação típico, nos termos da inovação legislativa, para que enquadrem o investidor anjo na proteção pretendida pela LC 155/16, não poderão integrar o capital social, não conferindo, assim, ao investidor a qualidade de sócio, mas, em contrapartida, tais valores tampouco serão considerados como receita para fins do cálculo de limites da Microempresa (R$ 360.000,00/ano) e da Empresa de Pequeno Porte (R$ 4.800.000,00/ano7).

O investidor anjo que resolver aderir ao contrato de investimento com as cláusulas mínimas estabelecidas pela LC 155/16, não será considerado sócio e nem poderá exercer a administração da atividade ou qualquer poder de voto. Sobre isso, há uma impropriedade na redação do inciso I do parágrafo quarto do Art. 61-A da LC 123/06, ao adotar a expressão "gerência" para se referir ao que hoje (desde o advento do Código Civil de 2002) chamamos de administração, uma vez que a terminologia "gerente" restou guardada para o preposto da empresa que tem poderes especiais8.

É evidente que sem poderes de administração e de voto, a posição do investidor-anjo enseja cuidados e haverá, por vezes, alguma resistência no aporte de capital. Pode-se antever alternativas para garantir a segurança e certo poder de gestão na sociedade investida pelo investidor-anjo, como, por exemplo, a sua participação ou a indicação de membro do Conselho Fiscal da sociedade investida, a inserção de cláusulas conferindo opções de compra e venda de participação ao investidor e impondo obrigações aos sócios fundadores, bem como metas e quarentenas (lock up period) aos sócios da investida, o que não afronta a norma proibitiva do exercício da administração ou do direito de voto, mas confere maior conforto ao investidor.

Um dos pontos mais atraentes para o investidor-anjo no fato de não ser reputado sócio é a isenção de responsabilidade, a princípio, quanto às dívidas sociais, bem como sua isenção aos efeitos de uma desconsideração da personalidade jurídica que porventura venha a atingir a sociedade investida no futuro.

A LC 155/16, porém, houve por bem afastar expressamente apenas a aplicação do Art. 50 do Código Civil, que trata da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, que exige a verificação de abuso da personalidade jurídica, por confusão patrimonial ou desvio de finalidade, para que possa ser aplicada. Deixou, entretanto, de mencionar outras hipóteses de desconsideração, como aquelas de que tratam o parágrafo quinto e o caput do Artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor-CDC, o Art. 4º da lei 9.605/98 (Lei de Danos Ambientais), ou o Art. 34 da lei 12.529/11 (Nova Lei Antitruste), que trazem a Teoria Menor da Desconsideração (independente da prática de atos de abuso), e que se alicerçam no risco-proveito9.

Quanto ao caput do Art. 28 do CDC e ao caput do Art. 34 da lei 12.529/11, vale comentar que a doutrina majoritária e o STJ esposam a corrente de que também são hipóteses de aplicação da Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica, por exigirem comprovação do abuso da personalidade para sua aplicação. Consequentemente, os investidores-anjo, mesmo nessas hipóteses de aplicação da Teoria Maior, em tese, não estariam resguardados de sofrer as consequências de uma eventual desconsideração da personalidade jurídica sofrida pela investida nessas hipóteses, ainda que com base na Teoria Maior, pelo fato de o Art. 61-A, §4º, II10 apenas excluir de responsabilidade o investidor, expressamente, nos casos em que ficar caracterizada a desconsideração da personalidade da investida, com base no Art. 50 do Código Civil.

Apesar da omissão apontada no parágrafo adrede, parece-nos inaplicável qualquer forma de desconsideração da personalidade jurídica em desfavor do investidor-anjo que apenas aporta capital e não recebe em contrapartida participação societária, uma vez que sua natureza jurídica pode ser considerada suis generis, pela exclusão legal expressa deste investidor da condição de sócio e da de administrador, sendo a desconsideração da personalidade instituto aplicável apenas contra essas duas figuras jurídicas. O mesmo pode ser afirmado em relação às hipóteses legais de responsabilização pessoal de sócios e/ou de administradores, como ocorre no abuso do direito de voto ou na violação dos deveres da administração, respectivamente.

Mais preocupante ainda é a relação de emprego. Não é demais imaginar que a Justiça do Trabalho venha a ter equivocada tendência de tratar a relação do investidor-anjo como de grupo econômico e aplicar a solidariedade estampada do parágrafo segundo do Artigo 2º da CLT. As questões consumeristas, trabalhistas e ambientais inspiram cuidados e exprimem certa insegurança jurídica a qualquer investidor no Brasil, e, mesmo com a tentativa de tornar atrativo o investimento em sociedades beneficiárias do SIMPLES, por meio das alterações inseridas pela LC 155, essas e outras incertezas seguem afetando a segurança jurídica da relação proposta com o anjo. Quem viver, verá!

A inovação legislativa nos colocou diante de um novo contrato típico: o "Contrato de Investimento-Anjo", que – embora nos pareça antinatural a tipificação de um contrato cível- societário em uma legislação complementar de cunho fiscal – indubitavelmente, foi o que logrou o legislador, por meio da inserção de cláusulas mínimas de um tipo de contrato: a inclusão de mais um contrato típico no ordenamento jurídico brasileiro.

Por outro lado, não podemos deixar despercebido o fato de que na relação entre o anjo e a investida existe forte ligação com a Sociedade em Conta de Participação-SCP11. A Sociedade em Conta de Participação-SCP é sociedade não personificada, regulada pelo Código Civil, com inspiração na medieval Sociedade em Comandita Simples. Na SCP, tomam parte duas qualidades de sócios, sendo sócio ostensivo (pessoa física ou jurídica) o exercente da atividade em nome próprio e exclusivamente responsável perante terceiros e o oculto (ou participante) mero investidor, responsável apenas perante o sócio ostensivo e nos limites da avença. Observando as normas do contrato de investimento-anjo, é imediata a semelhança com a SCP. Vejamos:

O parágrafo terceiro do Art. 61-A da LC 123/06 determina que a "atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por sócios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade". O texto é idêntico ao do Art. 991 do Código Civil: "Na Sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo Sócio Ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes".

Antes de prosseguir com a análise da comparação da SCP com o contrato de investimento-anjo, merece crítica a expressão "sócios regulares" utilizada pelo parágrafo terceiro do Artigo 61-A da LC 123/06. O que seriam "sócios regulares"?

Acreditamos, em uma primeira análise otimista, que o legislador se referiu ao que, na prática do mercado, já chamamos de "sócios fundadores" ou "sócios originários", ou seja, aqueles que já eram sócios do empreendimento antes de receberem o investimento para alavancagem da empresa; ou, numa interpretação menos positiva, o legislador intentou diferenciar aqueles que constam do quadro societário no Contrato Social, como os "sócios regulares", do investidor-anjo que, por determinação legal, não podendo ali constar, seria, então e ao revés, um "sócio irregular"!

Em todo caso, considerando que, nos termos do caput do Art. 61-A da LC 123/06, a relação com o investidor anjo está adstrita às sociedades (e desde que enquadradas como ME ou EPP), parece-nos a técnica a expressão "sócios regulares" na medida em que fere o Princípio da Autonomia da Personalidade Jurídica (ou Princípio da Entidade, mais usado nas Ciências Contábeis), que nos ensina que não se confundem as figuras de sócio e sociedade.

Dessa forma, se a investida é sociedade, é ela a pessoa (jurídica) que exerce a atividade constitutiva do objeto social, e não seus sócios.

Alguns investimentos, mesmo antes do advento da LC 155/16 e mesmo em se tratando de investidores anjos e Startups, redundaram na criação de uma SCP entre investidor e sociedade investida, porém, não era o mais comum, uma vez que, por características desse investidor apelidado de “anjo”, que costuma ter vontade de ajudar na gestão da atividade e, assim, receber direito de voto e, muitas vezes, assento no órgão de administração, ele não costuma querer estar oculto. Pelo contrário, sua natureza, muitas vezes, aponta para um investidor não apenas capitalista, mas gestor, que, trazendo sua experiência empresária e seu capital, ajuda a alavancar uma ideia que tem tudo para se tornar um grande negócio12.

Assim, é admirável e esperançoso ver, numa legislação brasileira (ainda que de natureza tributária e de maneira tímida) a instituição de um tipo de investimento anjo e a tipificação de um contrato para refletir essa nova proposta de investimento-anjo.

Nossa preocupação vai um pouco além da restrição da proteção do investidor-anjo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. Como a LC 155/16 tipifica esse "Contrato de Investimento Anjo", cabe uma análise de suas principais cláusulas mínimas.

O próprio legislador o classifica como contrato de participação13, passando a estar lado a lado, por exemplo, com o contrato da supracitada SCP. Todavia, dentre os itens que integram o objeto desse contrato, deverá constar o "fomento a inovação e investimentos produtivos", nos termos do §1º do novo Art. 61-A da LC 123/06.

A expressão é bastante genérica, mas, de toda sorte, para evitar qualquer questionamento pelo Fisco acerca do enquadramento de um contrato de investimento a este tipificado na LC 123, vale reproduzir a expressão na cláusula relativa ao objeto do contrato, cabendo, ainda, a especificação dos limites desse fomento e a inclusão das demais finalidades que levaram àquela contratação (como o próprio investimento, por exemplo).

Mas esse contrato experimenta, ainda, alguns limites legais bastante interessantes e peculiares. Por exemplo, o legislador limita o prazo de vigência desse contrato típico: 7 (sete) anos é o máximo da vigência da relação ali estabelecida. Essa limitação traz algumas consequências, dentre as quais a necessidade de a investida conseguir transformar o investimento em lucratividade a ponto de conseguir devolver o investimento num prazo relativamente curto.

Para algumas atividades, a depender do valor aportado, esse prazo pode configurar razão de inadimplemento e rescisão deste contrato, com a aplicação, por exemplo, se houver, das penalidades contratuais. Portanto, cabe à investida, antes de firmar esse tipo de contrato, estudar se o aporte e o prazo para fim da relação estão de acordo com a realidade da empresa praticada e do mercado ao qual se sujeita.

É de se observar que, não obstante o termo final do contrato dever se dar em até 7 (sete) anos, o inciso III do §4º do Art. 61-B dispõe que "o investidor-anjo será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos".

Dessa redação podemos interpretar duas hipóteses: (I) o investidor poderá receber de volta seu investimento em parcelas que não poderão ultrapassar 5 (cinco) anos do termo inicial do contrato; (II) em até 5 anos o investidor poderá receber proveitos econômicos da investida, ainda que esses proveitos, ao fim, representem valor além do investido.

Pela natureza da relação de investimento e por não acreditarmos que o legislador pretenda engessar tanto um contrato cujo objetivo é tornar atrativo o investimento em pequenas e médias empresas brasileiras, entendemos que a segunda interpretação é a mais adequada: ou seja, o retorno financeiro do investidor-anjo pode superar o valor do investimento, porém não poderá perdurar por mais do que 5 anos14.

Além das limitações temporais (de recebimento de contrapartida financeira e de vigência do contrato), o legislador traz o que supomos ser uma tentativa de proteção à investida, limitando, também, o percentual sobre os lucros auferidos pela sociedade investida sobre o qual o investidor poderá participar. A Lei não admite que, para esse tipo de contrato, que mantém a investida beneficiada pelo SIMPLES, o investidor receba sua remuneração em prejuízo de mais de 50% do lucro da investida em cada exercício.

Essas limitações temporais e quantitativas resguardam, de certa forma, a investida que pode incluir em seu contrato de participação referidos limites, sem precisar se "indispor" com os investidores, bastando, para tanto, citar a Lei e os benefícios que a manutenção no SIMPLES traz à sociedade15.

Outrossim, essas limitações nos remetem, instintivamente e guardadas as diferenças óbvias entre companhias e sociedades beneficiadas pelo SIMPLES, à figura das Partes Beneficiárias da Lei 6.404/76, valor mobiliário este que confere a seu titular direito de participação nos lucros da sociedade, sem que este titular faça parte do quadro societário da Companhia (como o investidor-anjo!), porém, limitado o repasse de até 10% dos lucros auferidos pela Companhia aos titulares desse valor mobiliário, não podendo aquelas que forem atribuídas a título gratuito ter prazo superior a 10 anos.

Outro ponto importante quanto às limitações que devem ser respeitadas pelo investidor no que tange ao seu retorno financeiro é que este apenas poderá começar a receber os frutos após dois anos do aporte. Mais uma vez, observamos uma proteção à investida e ao negócio em si. Muitas vezes, a investida precisa daquele investimento como capital de giro e para conseguir alavancar sua atividade. Porém, o retorno financeiro dificilmente é imediato e obrigar a investida a já ter que participar o investidor dos lucros exclui dela a possibilidade de, por exemplo, reinvestir seu lucro na atividade, sem distribuição total aos sócios (e ao investidor, quando aplicável).

Muitas sociedades conseguem, a partir de investimento, alavancar a atividade e, sacrificando justamente a distribuição de lucros aos sócios, reinvestir seus próprios frutos. Vedar que o investidor receba retorno logo no início da relação pode, inclusive, ser mais interessante para o investidor: se a participação dele se dá com base em percentual aplicado sobre ao lucro auferido, quanto mais lucro, maior retorno ele terá. Assim, esperar a investida se consolidar pode ser excelente estratégia para, depois, perceber um retorno ainda mais rentável e sem sacrificar a atividade e os sócios.

Outro ponto é que o legislador expressamente admitiu a sucessão contratual por parte do investidor. Ou seja, é possível que o investidor-anjo, durante a vigência do contrato, transfira sua posição contratual a terceiro, desde que com o consentimento dos sócios fundadores, salvo estipulação diversa em contrário.

Assim, pode o contrato prever que ficará a exclusivo critério do investidor-anjo a decisão pela sucessão de sua posição contratual, sem que os sócios possam se opor. Isso nos traz alguns questionamentos sobre as hipóteses em que este terceiro seja concorrente (ainda que por participação societária indireta) da investida.

Em alguns contratos de investimento é possível (e a LC 155 não vedou) que seja prevista obrigação da investida em prestar contas, apresentar business plan, participar o investidor de todo o teor das negociações em curso, das reuniões de sócios. Nesses casos, nos parece mais adequado que, em havendo alguma cláusula nesse sentido, a investida se proteja no contrato, quanto a essa sucessão contratual.

Essa relação do investidor-anjo com a investida, mesmo não sendo ele sócio ou passível de poderes de administração, pode gerar a obrigação da sociedade, no momento em que finda a relação contratual outrora estabelecida, realizar, nos termos do §7º do Art. 61-A, a apuração de seus haveres, instituto típico das hipóteses de dissolução parcial de sociedade, também nominada resolução da sociedade em relação a um sócio.

Voltamos a esposar que a relação estabelecida pela LC 155/16 entre investidor-anjo "típico" e a investida é sui generis. O legislador faz questão de excluir o investidor do quadro societário, mas prevê a possibilidade de a investida sofrer apuração de haveres e pagar ao investidor percentual sobre tal acervo, como o faria com algum sócio excluído, retirante ou morto. E perguntamos: Qual seria o percentual adequado? Aquele estabelecido no contrato para participação nos lucros pelo investidor? Se sim, quando ele tem direito de perceber 50% de participação, qual impacto patrimonial experimentado pela investida quando do fim do contrato?

O legislador teve boa intenção e, mais uma vez limitou esse valor oriundo de percentual sobre a apuração dos haveres da sociedade ao valor investido, mas sabemos que, muitas vezes, o investimento suplanta o valor que a sociedade suportaria pagar a um investidor sem que isso represente sua entrada em crise econômica.

Ainda quanto ao caráter sui generis desse contrato pelo legislador, conferindo direitos, a princípio, restritos aos sócios, o Art. 61-C confere direito de preferência legal ao investidor na aquisição da investida, caso os sócios decidam por aliena-la.

A nosso sentir, as cláusulas mínimas impostas pela LC 155 a este contrato de investimento-anjo, ademais de algumas críticas, está incentivando que a poupança popular e pequenos investidores que não pretendem influenciar na gestão do negócio investido, sem que isso afete o cálculo da receita bruta anual da investida e sem que isso lhes transfira as responsabilidades de um sócio e um administrador, passem a direcionar seu capital não ao mercado de capitais, sob a vigilância de um fundo ou clube de investimentos, ou ainda, a uma poupança ou aplicações, mas, sim, ao fomento da atividade empreendedora de pequeno e médio portes brasileira.

Manter o capital "na própria casa" e fazer com que esse ativo se multiplique e seja distribuído, também, “dentro de casa”, talvez, seja o pano de fundo da alteração legislativa sofrida pela LC 123/06. Em tempos de crise, criar essa nova modalidade de investimento-anjo pode ser boa solução para atrair mais investimento nas pequenas e médias empresas, evitando que se endividem e/ou que tenham que se socorrer de uma eventual recuperação judicial e falência e, ainda, fomentando o giro de capital.

Como visto nessa resenha, o texto legal que introduz a figura do "investidor anjo" no ordenamento jurídico peca por omissões e algumas impropriedades. Entretanto, o Legislador sinaliza positivamente para a modernização do Direito Societário, capaz de inspirar investidores em um nicho de mercado com enorme potencial para ser explorado.

__________


1 Art. 1o A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 3º II - no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais)."

2 "Art. 18-A. § 1º Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se MEI o empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, ou o empreendedor que exerça as atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviços no âmbito rural, que tenha auferido receita bruta, no ano calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), que seja optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.

§ 2º No caso de início de atividades, o limite de que trata o §1º será de R$ 6.750,00 (seis mil, setecentos e cinquenta reais) multiplicados pelo número de meses compreendido entre o início da atividade e o final do respectivo ano-calendário, consideradas as frações de meses como um mês inteiro.

3 Art. 9º § 2º O pedido de parcelamento previsto no caput deste artigo deverá ser apresentado em até noventa dias contados a partir da regulamentação deste artigo, podendo esse prazo ser prorrogado ou reaberto por igual período pelo Comitê Gestor do Simples Nacional - CGSN, e independerá de apresentação de garantia.

4 Art. 9º Poderão ser parcelados em até cento e vinte meses os débitos vencidos até a competência do mês de maio de 2016 e apurados na forma do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos créditos constituídos ou não, com exigibilidade suspensa ou não, parcelados ou não e inscritos ou não em dívida ativa do respectivo ente federativo, mesmo em fase de execução fiscal já ajuizada.

5 “Art. 17, X, c) bebidas alcoólicas, exceto aquelas produzidas ou vendidas no atacado por:

1. micro e pequenas cervejarias;
2. micro e pequenas vinícolas;
3. produtores de licores;
4. micro e pequenas destilarias;

6 Ente despersonificado de natureza condominial regulado pelas normas do condomínio voluntário e por instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários-CVM.

7 A despeito do Art. 11 da LC 155/16, que trata sobre a vigência das alterações inseridas na LC 123/06, observando-se o teor do também incluído Art. 79-E, temos que a vigência do aumento de limites para enquadramento da EPP se deu em janeiro/2017: “Art. 79-E. A empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional em 31 de dezembro de 2017 que durante o ano-calendário de 2017 auferir receita bruta total anual entre R$ 3.600.000,01 (três milhões, seiscentos mil reais e um centavo) e R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) continuará automaticamente incluída no Simples Nacional com efeitos a partir de 1o de janeiro de 2018, ressalvado o direito de exclusão por comunicação da optante." (NR)

8 Código Civil, Art. 1.172. Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência.

9 Assim relatou a Min Nancy Andrighi no REsp 279.273/SP: "Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica."

10 "Art. 61-A. § 4° O investidor-anjo:

II - Não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;

11 Sociedade despersonificada, cuja doutrina majoritária entende de natureza contratual (v.g. José Edwaldo Tavares Borba, Fabio Ulhôa Coelho, Jose Waldecy de Lucena, dentre outros), regulada pelos arts. 991 a 996 do Código Civil.

12 Uma das Startups mais jovens e de maior sucesso é o Facebook. Idealizado por estudantes jovens e sem recursos financeiros, o empreendimento recebeu aporte de capital de um Investidor anjo (o norte-americano Peter Thiel), que, em troca de 10,2% de participação societária, investiu US$ 500 mil poucos meses após a incorporação da companhia. Hoje, o “anjo” do Facebook já recuperou todo o investimento e segue recebendo dividendos de uma das empresas mais lucrativas do mundo.

13 Art. 61- A § 1° As finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos deverão constar do contrato de participação, com vigência não superior a sete anos. (Grifo nosso)

14 Vale mencionar que o §6º do mesmo Art. 61-A dispõe que o investidor fará jus à remuneração proveniente dos lucros da sociedade. Assim, reforça o entendimento de que nesse lapso temporal de 5 anos, poderá o investidor receber retorno além do investimento, participando da distribuição de lucros da sociedade, respeitados os demais limites impostos pela Lei.

15 Infelizmente, o poder econômico é poder de barganha na maioria das relações contratuais. Quando se trata de investimento, quanto menor ou quanto mais endividada a investida, mais à mercê do investidor ela fica. Algumas vezes isso faz com que submeta a cláusulas que retornam ao investidor parte majoritária nos lucros, deixando tanto sócios, quanto sociedade investida, com orçamentos apertados por anos, o que leva, muitas vezes, a um desestímulo no trabalho desenvolvido pelos sócios na empresa e a uma queda de faturamento brusca. A participação nos lucros é uma das melhores formas de incentivo àqueles que empregam sua força laboral ao negócio. Assim, esse equilíbrio entre o que deve ser recebido por quem investiu capital e por quem investe tempo e know how, deve ser encontrado e ajustado a cada formato de negócio, sob pena de perecimento da relação e do negócio.

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*Pablo Gonçalves e Arruda é advogado do escritório SMGA Advogados.

*Mariana Maduro é advogada do escritório SMGA Advogados.

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