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Incapacidade de o Estado fornecer passaportes e o Inciso XV da Constituição Federal

"Um dos direitos mais fundamentais de qualquer cidadão é o seu direito de locomoção livre, isto é, ir para onde quiser ir."

21/7/2017

TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

XV - É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; [...]

Polícia Federal suspende emissão de passaporte por tempo indeterminado

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Um dos direitos mais fundamentais de qualquer cidadão é o seu direito de locomoção livre, isto é, ir para onde quiser ir. O Estado deve assegurar isto. Assim, por exemplo, se vias públicas são bloqueadas, cabe ao Estado assegurar que essa locomoção se faça livre e desimpedida, inclusive mediante o uso de força razoável.

A posse de um passaporte equivale, juridicamente, ao uso de uma via pública, isto porque o passaporte é um documento de emissão pública que viabiliza (autoriza) a um cidadão locomover-se para fora de seu país, direito legítimo e constitucionalmente garantido1.

Nesse sentido, a não emissão de passaportes, como no caso brasileiro, sob o argumento de que não há verba disponível para tanto, constitui uma violação formal de um direito fundamental dos cidadãos brasileiros, uma afronta à dignidade.

Não se diga, aqui, que o conceito de liberdade de locomoção pode ficar limitado aos conceitos e vias públicas (ruas, estradas e ferrovias). Locomover-se é ir de um ponto a outro, sem se considerar qual o ponto de partida e qual o ponto de chegada, aliás a Constituição diz: "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;".

Se a movimentação de pessoas entre fronteiras nacionais é sujeita a controles por meio de vistos, passaportes etc., será violação do direito à locomoção qualquer óbice, ainda que administrativo-burocrático, sem justa causa legal para que isso ocorra, sendo que ausência de orçamento não é motivo público relevante para permitir violação de um preceito tão fundamental.

Alegar que os interessados não se programaram adequadamente e deixaram o pedido de passaporte para o último momento é argumento indigno, pois não há essa obrigação legal, não há regra que determine que o cidadão deve se precaver frente à possível falta de orçamento para a emissão de passaporte (frise-se, não há impossibilidade de emissão, mas de suporte financeiro para custear a atividade, o que é também muito estranho pois há cobrança de taxa pela emissão do documento). Ter um passaporte é um direito inerente à cidadania e exercível a qualquer tempo sem que o Estado possa impor óbices ilegítimos a isso, abrindo-se a via para o mandado de injunção, C.F., art. 5º:

[...] LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; [...]

Paliativos como o de liberação de verbas emergenciais não são resposta eficaz, apenas reafirmam a falta de gestão pública.

Enfim, apesar de se verificar a referência a ser o Brasil um Estado de Direito, a realidade aponta para uma situação de anomia, pois o Estado, em todos os seu níveis e estruturas, funciona de modo precário, esperando, como Godot, por algo que não se sabe o que é quando virá e que pode mudar o país.

Cito então, manifestação em mídia social de ontem do prof. Luiz Olavo Baptista, sempre muito lúcido:

"Pensando sobre a fase da história do Brasil que ora atravessamos, recordei-me de um poema:"
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Teixeira de Andrade - Tempos de travessia

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1 Não se entra, aqui, naquelas situações legais que impedem a concessão de passaportes ou onde haja legalmente a restrição à movimentação por parte de um cidadão.

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*José André Beretta Filho é advogado.

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