Em setembro do ano passado, publicou-se o resultado do julgamento sobre o conteúdo do resp 1.532.943 – MT, onde o eminente Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, seguido pela maioria da 3a Turma julgadora do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), deixou patente que, na recuperação judicial, o plano aprovado em assembleia geral de credores vale para todos. Assim se posicionou o ilustre Ministro frente aos inconformismos de credores que se batiam pela vigência, validade e contrariedade, nas suas visões, dos termos da lei 11.101/05, que prescrevem: (i) § 1 do artigo 49: “Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”; (ii) § 1 do artigo 50: “Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”; e, (iii) do enunciado da Súmula 581 do STJ: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.
Àquela época, diversos juristas comentaram em artigos o julgado aqui questionado, demonstrando seu grande espanto frente à decisão, a qual, para alguns, era inédita, com o que, absolutamente, não concordamos. Um dos exemplos foi o ilustre jurista Jorge Lobo, que em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, assim se pronunciou: "A decisão do STJ deve ser revista e reformada, pelo ineditismo da tese, por seus efeitos práticos e suas consequências econômicas…”. E disse mais o Mestre que “A intenção e a vontade do legislador estão positivadas no art. 49, §4 (sic), da LRE, que exclui dos efeitos da recuperação judicial os créditos decorrentes de alienação fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis, de cessão fiduciária em garantia de recebíveis performados ou a performar, de arrendamento mercantil, entre outros, e, sobretudo, no art. 50, §1, que dispõe: ‘Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou a sua substituição somente serão admitidas mediante expressa aprovação do credor titular da respectiva garantia’ ”. Por certo, a referência do ilustre jurista seria ao § 3 e não ao § 4, como redigido. Isto, aliás, não está em discussão no ora questionado Resp, pois a referência de Jorge Lobo é para créditos extraconcursais’.
Ao analisar o julgado e os comentários do jurista, concluímos o nosso pensamento, em publicação no site rotajuridica.com.br, dizendo que o que fez o STJ foi simplesmente cumprir a Lei, ao contrário de inová-la pelo ineditismo, pois aplicou na questão os mandamentos do artigo 45 da LFRE que reza que “Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei (I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos com garantia real; III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; IV – titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte) deverão aprovar a proposta”. E que os respectivos autos encontravam-se conclusos frente à interposição de Embargos de Declaração por credores.
Mais recentemente, na data de 28/6/17, o jurista Manoel Justino Bezerra Filho, autor de diversas obras sobre o instituto da recuperação judicial, também no mesmo jornal Valor Econômico, e sob o título “Cessão fiduciária submete-se à recuperação judicial”, foi, a nosso ver, extraordinariamente infeliz ao escrever que “O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sensibilizou-se com a situação dramática das empresas em recuperação e, de forma histórica, alterou sua jurisprudência anterior. No resp 1.532.943-MT, de 13 de setembro de 2016, entendeu que a assembleia geral de credores (AGC) pode liberar coobrigados na recuperação judicial, mesma posição defendida por este autor, desde 2009, conforme artigo publicado na Revista da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) 105. Marco histórico e relevante para o direito recuperacional, este novo entendimento denota a sensibilidade do STJ e a tentativa de criar condições para a efetiva recuperação”. (...) Ora, nada disso, eminente jurista!
É que mesmo antes da publicação deste entendimento de Manoel Justino Bezerra Filho, exatamente na data de 18/4/17 (o julgamento), com publicação do respectivo Acórdão em 02 de junho seguinte (26 dias antes, portanto), o STJ decidiu os citados Embargos de Declaração interpostos no Resp 1.532.943-MT, cuja Ementa teve a seguinte redação: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. 1. CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 2. INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA DOS DISPOSITIVOS LEGAIS EM ANÁLISE, COM ESPECIFICAÇÃO DA HIPÓTESE DE APLICABILIDADE. VERIFICAÇÃO. PREVISÃO DE SUPRESSÃO DAS GARANTIAS FIDEJUSSÓRIAS E REAIS NO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DEVIDAMENTE APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. VINCULAÇÃO, POR CONSEGUINTE, DA DEVEDORA E DE TODOS OS CREDORES, INDISTINTAMENTE. 3. RETIFICAÇÃO DO JULGADO. DESNECESSIDADE. EXPLÍCITA ADEQUAÇÃO DO JULGADO COM OS TERMOS DO ENUNCIADO N. 581 DA SÚMULA DO STJ. 4. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. 5. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS”.
Nas explicitações contidas nos cinco números que seguem a cabeça da Ementa, foram jogadas por terra as pretensões dos Embargantes, assim como o entendimento dos juristas acima citados, pois, em síntese, rezam que: (i) a base do julgado foi exatamente a aplicação da lei, ou seja, o § 2 do artigo 49, da lei 11.101/05: “As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”. (grifamos); “(ii) que, se os credores, em assembleia, cada qual representado por sua respectiva classe, consideraram necessário para a consecução do plano de recuperação judicial suprimir as garantias reais dadas, além das fidejussórias (o que, ressalta-se, mais uma vez, apenas vincula devedor em recuperação e credores), não há como submeter à maioria, no tocante aos sacrifícios que estão dispostos a suportar, o inconformismo da minoria vencida (ou não votante)”. (grifos nossos); e, (iii) que, “a partir da simples leitura do Acórdão, se pode concluir pelo absoluto respeito ao enunciado 581 da Súmula do STJ, na medida em que expressamente consignou que: ‘o prosseguimento das execuções e ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia, cambial, real ou fidejussória’, de modo algum é comprometido pela aprovação do plano de recuperação judicial que venha a suprimir, deliberadamente, as garantias reais e fidejussórias, pois, como assinalado, vincula apenas as partes envolvidas (devedor em recuperação e credores). (grifamos). Daí, a rejeição dos Embargos.
Conclui-se, portanto, que nesta decisão nada há de inédito ou inovação, e muito menos a histórica modificação do STJ que, alterando sua jurisprudência anterior, entendeu que a assembleia geral de credores pode liberar coobrigados na recuperação judicial, mas somente o estrito cumprimento da lei (art. 45 e § 2 do art. 49 da lei 11.101/05), respeitando-se a vontade da maioria em todas as classes de credores existentes no caso e que entenderam pela modificação do pactuado originalmente, bem como respeitando o enunciado da Súmula 581 do STJ, vez que o acordo efetuado só vinculava as respectivas partes – devedor em recuperação judicial e credores -, e não terceiros devedores solidáros ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.
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