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Será nula, a cláusula contratual que limita a responsabilidade do vendedor, que entrega o imóvel com diferença inferior a 5% do tamanho estipulado?

Alguns contratos de compra e venda de imóveis são propostos com uma cláusula que nega o direito do adquirente de reclamar sobre a falta de metragem do tamanho divulgado do imóvel. Este artigo busca examinarmos a legalidade ou não de tal cláusula. Analisa-se a boa-fé como forma de dar ao contrato a veracidade que tanto se espera. Porém antes é necessário estruturar este artigo sob dois pontos de vista, o primeiro diz respeito à relação de compra e venda de imóvel feita entre duas pessoas, a segunda busca justamente a relação de compra e veda de imóveis no âmbito comercial e pela lógica do CDC.

9/8/2006

 

Será nula, a cláusula contratual que limita a responsabilidade do vendedor, que entrega o imóvel com diferença inferior a 5% do tamanho estipulado?

 

Walace Luiz Mariani*

 

Resumo

 

Alguns contratos de compra e venda de imóveis são propostos com uma cláusula que nega o direito do adquirente de reclamar sobre a falta de metragem do tamanho divulgado do imóvel. Este artigo busca examinarmos a legalidade ou não de tal cláusula. Analisa-se a boa-fé como forma de dar ao contrato a veracidade que tanto se espera. Porém antes é necessário estruturar este artigo sob dois pontos de vista, o primeiro diz respeito à relação de compra e venda de imóvel feita entre duas pessoas, a segunda busca justamente a relação de compra e veda de imóveis no âmbito comercial e pela lógica do CDC.

 

Palavras-chave : venda ad corpus, venda ad mensuram, abusividade de cláusula contratual e boa-fé.

 

Introdução:

 

As relações de compra e venda se dão de duas maneiras:

 

A primeira é quando esta compra e venda se dá entre pessoas comuns, quer dizer, quando um vizinho vende sua casa a uma outra pessoa com o intuito de se mudar de vizinhança.

 

Nestes contratos, que não estão sujeitos a amplitude do CDC, pois não é uma relação de consumo e sim uma simples compra e venda ocasional, devemos observar a possibilidade de má-fé do vendedor ao descrever o imóvel com uma dimensão x e quando na realidade esta dimensão era bem menor do que a descrita.

 

A segunda relação é quando uma corretora vende um imóvel, onde esta venda é o objeto da empresa especializada em compra e venda ou repasse de imóveis.

 

Nestes casos devemos analisar o CDC, que busca justamente este tipo de situação onde aparecem as figuras do consumidor, que pelo artigo 2º do CDC “é a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza o produto ou o serviço como destinatário final, podendo ser a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo na relação de consumo”.

 

Temos também a figura do fornecedor, onde o artigo 3º do CDC estabelece que “é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalisados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

 

Na base desta relação temos o produto que é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial, e o serviço que é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, salvo de caráter trabalhista.

 

1 – A amplitude dos contratos de compra e venda pelo Código Civil

 

Há alguns contratos de compra e venda que estabelecem determinadas cláusulas que as tornam especiais como a venda ad corpus e a venda ad mensuram, nestes contratos eventuais, ou seja, uma negociação eventual entre o proprietário que resolveu vender seu imóvel e o comprador, pode-se escolher a forma de transação deste negócio e estipular cláusulas de como se deverá ocorrer o restante da negociação, como forma de pagamento, entrega e algumas garantias que o comprador deverá ficar atendo.

 

Estas cláusulas colocadas nos contratos devem respeitar a legislatura atual como também observar o princípio da boa-fé, principio este muito importante no direito civil, pois macula a vontade da pessoa a uma realidade inexistente.

 

1.1– O princípio da boa-fé contratual como convalidação da vontade:

 

O artigo 422 do Código Civil assim estabelece que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.

 

A norma prevê, como princípio maior o da boa-fé objetiva, igualmente, nas disposições finais e transitórias, prescreve que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos pelo CC.

 

Segundo Ruy Rosado de Aguiar, sobre a boa-fé:

"um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avenca".

No mais o artigo 186 do CC nos atenta contra a omissão de certas características ou fatos que deverão ser públicos para a perfeita forma e externação da vontade.

Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

1.2 – A venda ad corpus e a venda ad mensuram, primeiras noções:

 

Na venda ad corpus o negócio é feito considerando o conjunto como um todo, não sendo atrelado a medida ou a números proporcionais a unidade. Já na venda ad mensuram é utilizado a unidade de medida, metro, hectare etc... como medida de extensão ou de área, sendo fatores de estipulação do total da venda.

 

Segundo a CF de 88:

"A LEI NÃO EXCLUIRÁ DA APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO LESÃO OU AMEAÇA A DIREITO" (CF/88- ART. 5º, XXXV)"

Segundo o artigo 500 do Código Civil:

“Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço.

§ 1º Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativas, quando a diferença encontrada não exceder de 1/20 (um vigésimo) da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não haveria realizado o negócio.

 

§ 2º Se em vez de faltar houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

 

§ 3º Não havendo complemento da área, nem devolução do excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referencia às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.”1

Esta sendo comum em contratos de compra e venda de imóveis, a utilização de cláusulas que impedem o adquirente de ter a complementação da área inferior a 5% da estipulada contratualmente, e nossa discussão seria se estas cláusulas são realmente válidas ou não e em que casos específicos.

 

Pois bem, o aludido artigo do Código Civil, é bem específico, porém não absorveu a possibilidade deste tipo de cláusula contratual.

 

Mas podemos, de forma análoga ao artigo, dar por completa a resposta à perturbadora questão que esta em discussão no Superior Tribunal de Justiça.

 

1.3 - Da venda ad corpus:

 

Para Orlando Gomes:

"a que se faz sem determinação da área, do imóvel, ou estipulação do preço por medida de extensão. O bem é vendido como corpo certo, individualizado por suas características e confrontações, e, também, por sua denominação, quando rural".

Afirma ainda o mestre baiano que:

"a referência a dimensões não descaracteriza a venda ad corpus, se não tem a função de condicionar o preço".

Quando se tratar de venda de imóveis construídos pra formas residenciais, caracterizados pela expressão ad corpus, ou seja, é a venda na qual as medidas do imóvel são meramente enunciativas, pois o comprador não está comprando o m2  e sim a residência como um todo.

 

Nota-se que neste tipo de compra pouco interessa se um quarto tem meio metro a mais ou a menos da divulgada, o comprador esta realmente comprando a decoração, a qualidade do acabamento, a beleza interior e a fachada e não faz questão do verdadeiro tamanho.

 

Ao analisar o imóvel residencial, o comprador dever notar se há alguma diferença berrante no real tamanho e questionar o vendedor antes de fechada a compra.

 

Lembre-se que o comprador faz interesse ao corpus, a dimensão irreal dever ser notória ao conhecer o imóvel de forma tão berrante que se perceba a diferença no ato de entrada ao imóvel.

 

Em certos casos, o vendedor vende o imóvel ainda em construção, nota-se que nestes contratos de compra e venda é nula a cláusula de quebra de direito do comprador, pois, se comprovada a má-fé do vendedor, caso em que o comprador teria que provar que não tinha como observar o verdadeiro tamanho da área ao tempo da compra e esta diferença resultaria na não compra do aludido imóvel.

 

É a conduta idônea do vendedor que faz dar validade ao contrato segundo os ensinamentos de Orlando Gomes:

"o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam".

Vale a mesma regrinha já estabelecida, só que como se fosse dado um efeito suspensivo ao direito de reclamação, neste caso, quando o comprador for visitar o imóvel pronto, e este notar de forma berrante a diferença do tamanho real para o enunciado, terá o direito de ressarcimento da área faltante, onde os 5% de tolerância deverão ser esquecidos e ser indenizado a área total faltante; ou até mesmo a resolução contratual por descumprimento da outra parte por efeito da discordância da cláusula contratual que estabelecia a dimensão enunciativa.

 

Em caso de compra e venda de imóvel residencial, sendo a área do imóvel maior do que os 5% que estavam enunciadas, cabe ao vendedor abater o valor do imóvel ou extinguir o contrato de compra e venda a escolha do comprador.

 

Neste caso, cabe ao comprador o direito de escolha, pagar o restante como complemento ou então a resolução contratual, devolvendo o imóvel, e resgatando o dinheiro investido até agora.

 

1.4 – A ação ex empto:

 

É uma ação que tem por finalidade a complementação da área faltante a estipulada ou o desconto proporcional do faltante considerável do imóvel adquirido.

 

Segundo Plácido e Silva:

"que compete ao comprador para exigir do vendedor a entrega da coisa vendida, de conformidade com o compromisso assumido do contrato de compra-e-venda, desde que lhe entregou o valor do preço ajustado, ou o sinal convencionado (arras)".

1.3 - Da venda ad mensuram:

 

Para Maria Helena Diniz:

“é aquela em que se determina a área do imóvel vendido, estipulando-se o preço por medida de extensão".                        

Em se tratando de imóveis como chácaras e fazendas ou sítios, o que vai fazer a diferença é o fim dado à mesma.

 

Na venda ad mensuram o vendedor tem por obrigação entregar o imóvel com as dimensões estipuladas contratualmente, não importando se tinha ou não boa-fé.

 

Neste caso também, a cláusula que restringir o direito do comprador em reaver um direito será completamente nula.

“São casos de venda ad mensuram que é a qual as medidas do imóvel são precisas e determinantes para a realização do negócio jurídico. Quando a venda é feita por metragem e as dimensões do imóvel não compreendem às constantes da escritura de compra e venda, o comprador tem direito de exigir a complementação da área por inadimplemento contratual. Não sendo possível a complementação da área, assiste, ainda, o direito do comprador de pedir a resolução do contrato (por uma ação redibitória que é aquela em que o objeto contratual possui um vício capas de reduzir o valor do mesmo) ou o abatimento proporcional do preço (ação quanti minoris), sendo ambas ações edilícias, ou seja, a coisa é entregue em sua inteireza, mas com vício ou defeito ou sem as qualidades declaradas. São partes legítimas para a ação de reivindicação os adquirentes do imóvel por venda ad mensuram, inobstante anterior a invasão de parte da área pelos confinantes.”2

2 - Das disposições do CDC:

 

Em relação a esta dimensão enunciativa, deve se precaver a construtora, pois poderá responder por propaganda enganosa, onde de forma agressiva, estimula o comprador, a primeira vista, a comprar o aludido imóvel.

 

Devem-se observar, contudo, alguns dispositivos do CDC, destacando o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, a proteção contra cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços e a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

 

Além do mais, deve-se considerar que o fornecedor de produtos de consumo duráveis responde pelos vícios de quantidade que lhes diminuam o valor, bem como aqueles decorrentes da disparidade existente entre suas medidas, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza.

 

O artigo 51, inciso I, do CDC afirma serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.

"Pode-se questionar a aplicação dessas normas à relação jurídica entabulada entre o fornecedor do produto (imóvel) e aquele que o adquire", assevera, mas entende não ser essa a melhor conclusão. "É de se ter à recorrida como fornecedora de produtos ao mercado de consumo, quais sejam, os imóveis por ela vendidos (artigo 2.º, caput, CDC). De outro lado, é de se ter por consumidor à pessoa física ou jurídica adquirente desses imóveis (artigo 3.º, caput, CDC)."3

3 - Do entendimento dominante:

 

Para a Ministra do STJ Nancy Andrighi:

“Independentemente da diferença apurada, trata-se de enriquecimento ilícito do fornecedor, que não pode ser tolerado sob a ótica do artigo 18 do CDC. Para ela, ”a referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel regidos pelo CDC não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no contrato e a área real do imóvel não exceda um vinte avos (5%) da extensão total enunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser caracterizada sempre como ad mensuram, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato."4

Para o Ministério Público:

“A cláusula deve ser considerada nula, não se podendo aplicar o dispositivo legal naquele ponto porque o consumidor pode exigir o complemento da área, reclamar a rescisão do negócio ou exigir o abatimento no preço se faltar correspondência entre a área efetivamente encontrada e as dimensões especificadas no contrato. Para ele, o item contratual contraria o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que exonera o fornecedor da responsabilidade de indenização.”

4 - Considerações finais:

 

Concluindo o artigo, deslumbra-se que são nulas as cláusulas contratuais que visam impedir o adquirente de reaver seus direitos em casos de vícios.

 

O STJ e o Ministério Público já toma esta decisão de esclarecimento.

 

Em alguns casos os 5% da dimensão enunciada não fará a menor diferença para o comprador, pois este adquiriu o corpus e não a dimensão.

 

Mas, em qualquer hipótese, sempre ficará resguardado o direito do consumidor adquirente reaver seus direitos, visto resultante de uma conduta imprópria da empresa ou individual que vendera tal bem.

 

6 - Conclusão:

 

Visou este estudo os apontamentos de abusividades encontrados nos contratos de compra e venda, sejam eles por simples pessoas e de forma ocasional, sejam eles por construtoras e corretoras que tem por objetivo o lucro com a compra e venda de imóveis.

 

Verificou-se que mesmo por ser  uma nova prática abusiva o STJ já vem tendo entendimentos que é uma prática ilícita com fins de enriquecimento ilícito.

 

Portanto são nulas quaisquer cláusulas que retirem da pessoa um direito imediato ou futuro e que pode o adquirente ao sertir-se lesado pelos 5% faltantes, pedir a resolução contratual ou ainda a complementação ou na impossibilidade o abatimento proporcional do preço nos casos compreendidos pelo CDC.

 

Nas relações casuais de compra e venda, comprovada a má-fé do vendedor pode-se resolver o problema com a justa indenização material e em alguns casos moral, onde o vendedor deverá responder por enriquecimento ilícito

 

7 - Notas:

 

ORLANDO GOMES (Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 10

 

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998.

 

Cláusulas abusivas no Código do Consumidor, in Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul)

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º vol. 9ª ed. São Paulo, Saraiva, 1994.

 

DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol. 1. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1996.

 

https://www.stj.gov.br

___________________

 

1Código Civil – artigo 500 – Editora Revista dos Tribunais – São Paulo.

 

2NELSON NERY JUNIOR E ROSA MARIA DE ANDRADE NERY - Código Civil comentado e legislação extravagante – 3ª edição – Editora revista dos tribunais – São Paulo – paginas 414 – 416.

 

3Código de Defesa do Consumidor – Editora Saraiva – São Paulo.

 

4WWW.STJ.GOV.BR/ENUNCIADOS

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*Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário do Espírito Santo – UNESC 

 

 

 

 

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