O que é advocacia e seus desafios atuais
André Luis Alves de Melo*
A Constituição destaca a importância do Advogado, e a lei 8906/94 (clique aqui) assegura os atos privativos do mesmo, mas não delimita o que seria a Advocacia. Aparentemente cuidou mais da reserva de mercado do que com a qualificação.
A crise na Advocacia decorre da crise do sistema jurídico em razão da mudança de seus paradigmas. A burocracia judicial que muitas vezes justifica a atuação Advocatícia é a mesma que desestimula a própria profissão, pois muitas vezes não se consegue mover o processo, outras vezes é vítima do casuísmo ou da loteria judicial.
O ensino jurídico não está ruim, afinal sempre foi ruim, apenas se agravou pelo fato da multiplicação das faculdades. No entanto, faltam professores preparados para ministrar uma visão crítica dos atos sociais. Por outro lado há a própria questão da legitimidade, pois para interpretar em questões políticas como "dignidade humana" haveria necessidade de legitimidade popular. O discurso é de justiça e inclusão social, mas a atual cultura jurídica e legal de patrimonialismo impede essa afirmação.
A questão da exigência do diploma de bacharel já está provocando alguns debates em países como Espanha e México. No Brasil um engenheiro impetrou Mandado de Segurança para ter o direito de fazer o concurso da magistratura no Rio, é claro que não obteve êxito, mas se analisarmos pelo princípio da igualdade o curso jurídico deveria ser apenas um título e não um pré-requisito. Afinal, isso obrigaria aos cursos jurídicos a melhorar o conteúdo das aulas, pois haveria concorrência com outros cursos e os próprios examinadores teriam de rever os critérios de avaliação. Com a amplitude jurídica defendida pela classe jurídica e com o fortalecimento de carreiras como cientistas políticos, filósofos, sociólogos, economistas e outros segmentos, é natural que haja questionamentos a médio e longo prazo. Afinal para decidir com base na "dignidade humana" usam-se muito mais elementos sociais do que jurídicos. Aliás, a diferença básica entre sistema político e sistema jurídico é que primeiro cria as normas e o segundo cumpre e fiscaliza o cumprimento das normas. Para se mudar essa regra é preciso mudar o critério de seleção dos membros da classe jurídica, onde em vez de intelectual seria necessário um critério com legitimidade popular.
É provável que em breve esteja como na área de saúde onde se questiona o que é "ato médico". E no nosso campo será discutido o que é "ato jurídico".
Em suma, há excessos de profissionais na área de família, cobrança e criminal, mas faltam em áreas especializadas como tributário, consultoria, telecomunicações, saúde, registros públicos, trânsito, previdência e outras.
Embora polêmico propõe-se que a atuação Advocatícia é representar interesses de terceiros em nome de terceiros (representação processual) em casos de interpretação sobre aplicação e cumprimento de normas. E a consultoria jurídica seria a manifestação sobre conflitos e interpretação de normas em casos extrajudiciais.
Em síntese, a mera citação de um artigo de lei não é a priori, ato privativo de Advocacia.
Também não é ato de Advocacia agir em nome próprio na defesa de direito próprio ou de terceiro quando expressamente autorizado por lei federal (substituição processual).
A rigor, todos os Tratados Internacionais assinados pelo Brasil asseguram ao cidadão o direito de pessoal de autodefesa judicial e nesse caso não se estaria exercendo a Advocacia.
Na área de venda de imóveis, por exemplo, o cidadão quando vende o seu próprio imóvel pode optar entre contratar corretor de imóveis ou não. Mas se for para vender imóvel de terceiro é ato privativo do corretor de imóveis.
Uma outra hipótese, os promotores são impedidos de exercerem a Advocacia, logo se ajuízam uma ação no juizado especial defendendo como pessoa física direito de terceiros estará exercendo a Advocacia. Mas se ajuíza um pedido de indenização de dano pessoal dele, não estaria realizando Advocacia, mas auto defesa judicial. Uma faculdade da cidadania plena.
Apesar de alegarem que falta assistência jurídica no país, isso passa por uma questão cultural. Primeiramente, é preciso destacar que o ato de se proibir a publicidade na TV e rádio é ilegal e inconstitucional, pois fere a liberdade de expressão e de informação. Principalmente, pelo fato de que a Lei não proíbe e o Regulamento Geral não poderia fazê-lo.
No Brasil praticamente ninguém faz testamento em razão da falta de informação, logo se verifica que há uma demanda reprimida e que somente será informada através de publicidade na TV e em rádio, ainda que seja feita pelas Corporações.
O direito da Corporação Profissional é apenas coibir abusos na publicidade, como no caso de se usar um símbolo nazista. Mas não pode simplesmente proibir de se usar o veículo de comunicação. Na verdade assim agindo acaba evitando a informação ao cidadão usuário e mantendo antigos redutos privilegiados.
No Brasil há quase 600 mil Advogados e aproximadamente um milhão e duzentos mil bacharéis <_st13a_personname productid="em Direito. Anualmente" w:st="on">em Direito. Anualmente formam-se em torno de 40 mil bacharéis em Direito, sendo que pelo menos 30% serão Advogados. Somos o terceiro país do mundo em quantidade de Advogados. Não temos falta de Advogados, logo não poderia ter falta de assistência jurídica.
Aparentemente o problema é comportamental, pois o Advogado precisa ter uma conduta mais ativa. Por exemplo, pode fazer atendimentos populares indo a bairros distantes em vez de ficar aguardando cliente.
É claro que setores conservadores e que dominam o mercado alegarão "falta de ética". Mas a resposta deve ser uma pergunta: O que é ética? Em geral o termo "’ética" tem sido para romantizar "corporativismo", "monopólios", "privilégios de uma elite". Ora, ética é cumprir função social e o atendimento ambulante nos bairros é função social e nem precisa ser gratuito.
O Exame de Ordem embora salutar deve ser repensado, pois seria necessário a participação do MEC e que os Examinadores tivessem Mestrado, no mínimo. Além de as perguntas e respostas serem repensadas, pois não estão de acordo com a necessidade da sociedade.
O Estado tem tentado suprir a alegada ausência de assistência jurídica, mas creio que a sua atividade deva ser apenas suplementar à iniciativa privada. Os municípios também devem contribuir com essa função com base no art. 23 da Constituição Federal, pois é espécie de assistência pública, ou seja, devem prestar o serviço, mas não estão obrigados a criar um órgão específico.
O trabalho da Defensoria apesar de importante, não possui monopólio. E sendo um escritório de Advocacia Pública somente pode atuar por representação processual, não podendo agir como substituto processual. Quando a Lei dispensa a procuração para o Defensor é a escrita e não a verbal. E isso se deu porque em 1994 ainda havia a despesa com reconhecimento de firma nas procurações o que foi abolido em 1996.
Não se trata de ser a favor do sistema privado ou estatal ou social, mas a favor da sociedade, onde o cidadão deve ter o direito de escolha entre o sistema mais eficiente e o de sua maior confiança.
A rigor, não entendo por qual motivo há gratuidade judicial de forma fácil, mas não há para os emolumentos dos cartórios (quando o pobre compra a sua casa, por exemplo), para CPF, para carteira de identidade e carteira de motorista. Parece que a gratuidade teve mais como objetivo aquecer o mercado judicial do que atender ao carente. A rigor, é muito difícil o carente ter acesso aos direitos básicos judicialmente como moradia, transporte público, alimentação, isso depende de políticas públicas que não se resolvem judicialmente. E questões como direito de família, registros públicos e alvarás poderiam ser resolvidos no Juizado Especial.
Mas também não podemos esquecer que o princípio básico da Advocacia é a fidúcia (confiança), logo o cidadão deve ter o direito de escolher o seu defensor, seja público ou privado. Portanto, a lista de Advogados dativos não pode ter ordem de chamada, pois cabe ao cidadão o direito de escolher entre os inscritos.
Dessa forma, é preciso também incrementar as formas de prestação de serviço pela iniciativa privada como criação de cooperativas, planos de atendimento jurídico com pagamento mensal, regulamentação das OSCIPs para serviços jurídicos e integrar esses serviços.
Além disso, o Estado deve manter a lista de Advogados dativos em concurso com o serviço estatal. Mas, pela Constituição os valores dos honorários deveriam ser fixados pelo Estado, pois a relação seria apenas para inscritos voluntariamente. Não há como o CRM fixar os valores do SUS.
Os escritórios de advocacia também podem manter serviços de cobrança de dividas extrajudicialmente, pois seria uma função similar a que exerceriam cobrando uma dívida judicialmente. Além de manterem serviços de conciliação nos próprios escritórios.
Os pequenos Advogados não precisam apenas de agendas ou linhas de crédito óbvias para comprar um computador. Precisam de muito mais, como auxílio técnico para orientar como montar um escritório, desde o local como questões burocráticas. Bem como montagem de um plano de estímulo para atividades associativas e outros fatores organizacionais como estudo do "mercado jurídico".
Há casos em que o atendimento pelos entes estatais está sendo feito para pessoas que recebem mais de R$ 1.500,00 e essas pessoas têm condições de pagar um advogado ainda que parceladamente ou através de um plano de atendimento. É preciso destacar que quem recebe acima de 20 salários mensais é considerado entre os 10% mais ricos do país. Logo, a advocacia de pequeno porte irá atender a quem? Essa questão precisa ser debatida pela OAB. O Estado somente pode atender a quem comprovar carência e isso precisa ser fundamentado, além de contar com alguns critérios objetivos para delimitar. O fato de alguém que recebe R$2.000,00 estar endividado, não o impede de arcar com a despesa advocatícia, ainda que parceladamente. Inclusive se trata de uma questão patrimonial, onde o Estado assume uma despesa não de sua atribuição, e falta verba para subsidiar o CPF, carteira de motorista, isenção de emolumentos para imóveis de carentes e outras funções mais essenciais.
Tanto a advocacia pública como a privada, pode e deve, serem fiscalizadas pela OAB. Da mesma forma que o CRM e o CREA fiscalizam os médicos e engenheiros públicos. Mas no intuito social e inclusive com o intuito de se evitar o mau uso das verbas públicas.
A Advocacia no mundo inteiro caminha para a estrutura gerencial ou empresarial. E o novo Código Civil assegura que as sociedades civis podem ter estrutura empresarial, mas setores conservadores alegam que a sociedade civil Advocatícia é especial e não pode ser gerencial.
A profissão da Advocacia tornou-se um exemplo máximo da desigualdade social, pois enquanto o maior pagador de imposto de renda (pessoa física) no Brasil em 2000 foi um Advogado de Brasília, temos Advogados recebendo salário mínimo, sem falar nos desempregados. É fato que há excelentes profissionais, mas há um número razoável sem preparo para o exercício da função, pois apenas decoraram conceitos básicos.
O crescimento dos ramos jurídicos torna praticamente impossível conhecer todo o ordenamento jurídico, principalmente os temas especializados. Hoje praticamente não há como trabalhar em consultoria sem contadores, economistas, engenheiros, técnicos ambientais, assistentes sociais. Mas a lei proíbe a parceria local com esses órgãos, e como em geral é inviável contrata-los como empregados, o ideal é estabelecer uma rede de contatos, ainda que não no mesmo local, oferecendo os serviços como valor agregado.
A função Advocatícia tem sido confundida muitas vezes com mero despachante judicial, o que não seria uma função intelectual de nível superior.
A implantação da Advocacia gerencial seria uma forma de se dividir em níveis de complexidade, podendo ter servidores com curso técnico profissionalizante em Direito para funções mais simples; tecnólogos (curso superior de dois anos) em áreas específicas como registros públicos, trânsito, previdência e outras, para assessorar os bacharéis e estes somente ocupariam funções de engenharia social de relevante complexidade.
Dentro de uma estrutura gerencial é perfeitamente possível fazer divórcios/separações consensuais cobrando R$ 400, 00, independente do valor dos bens. E que se fizessem cem separações por mês seria 40.000,00 reais. Mas se cobrar muito acima desse valor, os clientes irão para a Defensoria e terão atendimento gratuito. Logo, uma das grandes vantagens do serviço estatal é refazer nivelamento de valores. Numa separação consensual não importa o valor da partilha para fins de honorários. Por exemplo, João e Maria procuram o Advogado para um divórcio consensual e com a partilha de bens já pronta. O trabalho Advocatício nada tem a ver com o valor dos bens, o que seria diferente se houvesse um conflito e ocultação de bens.
Parece-me que as metas estatais e da própria OAB precisam reavaliar a forma de apoio ao pequeno Advogado, pois parece ainda voltada para os grandes Advogados.
Há de fato escritórios muito artesanais,onde fecham para almoço, nem a secretária permanece no local. Não funcionam aos sábados e às 18 h já não tem mais ninguém no local. O problema é que o cliente, muitas vezes, somente pode ir após as 18 h, esse horário de atendimento noturno e aos finais de semana é muito comum na área de dentistas e médicos. Outro fator que encarece o trabalho Advocatício é o fato de que para audiências não complexas comparece o único Advogado do escritório, fica a tarde toda no fórum e perde a clientela no escritório. Para piorar, o escritório conta com uma secretária despreparada e mal treinada que não consegue passar segurança para o pretenso cliente. Em geral, a secretária deve ser excelente e ter boa remuneração. Em um modelo gerencial deve ter um salário maior do que muito funcionário na área técnica, pois a secretária é função mais estratégica.
É simples, basta observar as secretárias de atendimento nas empresas de aviação. Quando atendem mal, quem perde é a empresa.
É claro que o chefe do escritório não iria ao fórum fazer audiências de conciliação, pois a sua hora de trabalho é cara, mas iriam os auxiliares. E uma audiência de conciliação já formatada não demanda complexidade, sendo que qualquer emergência poderia ser resolvida através de multimídia.
É comum aos mais conservadores e já estabilizados no mercado alegarem falta de segurança, mas nunca demonstram esse risco, apenas alegam.
No entanto, o pequeno Advogado precisa sobreviver, ou será esmagado, exceto se conseguir algum emprego público ou ser empregado nos escritórios de médio porte, caso não se mude a política atual.
Se o Advogado de pequeno escritório não pode ter sua tabela livre de honorários, nem pode anunciar em rádio e se os órgãos estatais têm um conceito amplo de carente e atendem até pessoas da classe média, pois não consta no processo os dados financeiros, ou seja, acabam atendendo em geral a classe média em vez da baixa, como sobreviver o pequeno escritório ?
Creio que somente fazendo marketing e reduzindo valores de seu custo, bem como ampliando o seu foco de trabalho, e não se concentrando apenas em processos judiciais.
Há uma tendência de escritórios em residências, mas essa prática tende a aparentar para o cliente um certo amadorismo. Pode ser um escritório para sobrevivência, mas não dificilmente terá clientes pessoa jurídica e que valorizam profissionalismo. Mas há pessoas que têm apenas esse objetivo de complementar renda e isso não significa erro, afinal o que há são objetivos diferenciados.
Um escritório de porte médio, com mais de dez Advogados, precisa ter um serviço de relações públicas, um de tecnologia e de administração, ainda que terceirizados. Não se pode confundir um escritório de médio porte instituído legalmente como sociedade civil com as comuns sociedades de fato onde se divide despesas, mas não há coordenação, nem gerenciamento. É preciso ter liderança e poucos, ou apenas um, deve exercer essa função no escritório. Nas sociedades de fato, se um faz algo errado, o cliente acha que foram todos. E é comum que todos estejam no fórum para olhar processos e o escritório sem Advogados. Sendo que bastaria um ter ido ao fórum e olhado todos os processos, enquanto um outro faria as audiências conforme a demanda e os demais atenderiam no escritório. O profissional que olhava e escaneava os processos nem precisa estar entre os melhores remunerados, pois apenas iria transmitir a informação por e-mail para os gerentes através de notebook. Logo, vê-se que o escritório gerencial trabalha melhor e a custo menor do que a sociedade de fato ou escritórios artesanais.
Uma forma simples e barata de se facilitar o acesso ao serviço jurídico seria a lei permitir que despesas com advogado pudessem ser abatidas no Imposto de Renda até um limite previamente definido. Isso evitaria que o Estado precisasse fornecer advogados públicos e o próprio cidadão contrataria um advogado de sua confiança.
Através da publicidade as pessoas poderão ficar sabendo a importância de se contratar um Advogado, ou seja, não contrataram apenas por que são obrigadas. E também poderemos desenvolver um pensamento de se consultar o Advogado preventivamente e pagar consultas, inclusive o Advogado poderia fazer audiências de conciliação e firmar acordos. E até no Juizado Especial passariam a contratar advogados, inclusive no Juizado Federal em 75% dos processos há representação por advogados, enquanto na área trabalhista atuam em torno de trezentos mil advogados, isto é, a metade dos advogados em atividade no país e em um ramo que não é obrigatório a representação por advogado. Logo, se há divulgação do serviço as pessoas contratam, mesmo sem exigência, mas se não se demonstra a utilidade, a resistência é natural.
É preciso rever paradigmas.
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*Mestre em Direito Público e pesquisador jurídico-social
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