O presente tema se revela muito atual, eis que anualmente observamos períodos de férias escolares dos filhos, que naturalmente levam à que pais se ajustem para buscar férias no mesmo período e toda a família sai do ritmo atual da corrida vida cotidiana.
Mas há repercussões jurídicas relevantes a serem levadas em consideração, eis que esse período, que de modo geral ocorrer em ciclos regulares, tem suscitados regimes jurídicos diferenciados.
Em primeiro lugar, aquisição de pacotes de viagens implicam em relações de consumo regidas pelo Código do Consumidor, sendo certo que, o que é relevante e diferente nesses casos, é o fato de que o objeto do contrato tem a finalidade de garantia do lazer – por isso, descumprimentos que normalmente não gerariam indenizações em outros tipos de contrato, geram indenizações por danos morais por conta de meros aborrecimentos (Cláudia Limar Marques).
Mais ainda, de acordo com a clássica lição de Rubens Limongi França, o lazer implica em direito de personalidade de integridade física (realmente, sem lazer em condições adequadas pelo óbvio que a saúde e a vida periclitarão), de sorte tal que quando o mesmo, contratualmente garantido, não resta cumprido, enseja a reparação pelo atingimento do setor não patrimonial da esfera jurídica do indivíduo (nos termos como preconizados por Pontes de Miranda a partir de prelados de Ennecerus).
Com isso, se não se atinge o objetivo de lazer tão relevante numa sociedade em que o stress impera e viagens podem ser tidas como investimentos necessários para se recarregar as baterias, as indenizações serão devidas, envolvendo toda a cadeia produtiva do lazer.
Ou seja, se ocorre o furto de seu celular no quarto de hotel ou se a mala se extravia, isso gera stress, antítese do lazer buscado, portanto, isso deve ser indenizado pela frustração da finalidade precípua do contrato (quem sai de férias, em tempos de Facebook não quer ficar sem seu celular, não quer ir para Delegacias de Polícia fazer boletim de ocorrência quando poderia estar na praia ou em um museu), o que pode englobar, no polo passivo o hotel ou a agência de viagens que indicou o hotel e lucrou com isso (afinal, de se aplicar a teoria do risco profissional que parte do princípio romano ubi commoda ibi incommoda, além da própria responsabilidade civil objetiva própria dos fornecedores em relação de consumo).
Reconhecendo, inclusive, que tais indenizações de danos morais se aferem in ré ipsa (danos presumidos), de se destacar:
TJ-DF - Apelação Cível APC 20140110907433 (TJ-DF) Data de publicação: 27/8/15 Ementa: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. DUPLO APELO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PACOTE TURÍSTICO. OPERADORA DE TURISMO E COMPANHIA AÉREA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. SALA IMPROVISADA NO AEROPORTO AO INVÉS DE ACOMODAÇÃO EM QUARTO DE HOTEL. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. “Parte legítima é a que tem direito à prestação da tutela jurisdicional. Trata-se de conceito situado entre o de parte, no sentido processual, e o de parte vencedora, ou parte que obteve resultado favorável no processo. A parte legitima tem direito à prestação da tutela jurisdicional, seja-lhe esta favorável ou desfavorável. Ela se insere no processo, como parte, e no litígio a ser composto, como titular de um dos interesses em conflito”. (José Frederico Marques. Manual de direito processual civil. Saraiva. 1982. p. 265). 2. Tanto a operadora de turismo quanto a companhia aérea são legítimas a figurar no polo passivo da causa, pois participaram do fornecimento do serviço perante a consumidora, cabendo a esta a escolha de demandar judicialmente contra um ou contra todos que compõe a cadeia de prestadores do serviço em que houve o defeito, por força do art. 34 do CDC. 3. No caso em tela, não restam dúvidas acerca da falha na prestação de serviços, pois, como se depreende das imagens colacionadas aos autos, os passageiros foram acomodados em sala improvisada, ao invés de devidamente hospedados por uma noite, nos termos do contratado. 4. A situação descrita nos autos é suficiente para demonstrar a falha na prestação do serviço, que traz inegáveis transtornos e aborrecimentos capazes de abalar os direitos de natureza extrapatrimonial, a justificar reparação por danos morais. 3.1 porquanto. Para a configuração do dano moral, não é necessária a prova do prejuízo, tampouco da intensidade do sofrimento experimentado, bastando o simples fato da violação, caracterizado o dano in ré ipsa.
Reconhecendo o dever de indenizar pela via da quebra de justas expectativas (portanto matéria afeita ao âmbito da boa-fé objetiva) de se pedir licença para apontar:
TJ-RS - Recurso Cível 71004809489 RS (TJ-RS) Data de publicação: 02/07/2014 Ementa: RECURSOS INOMINADOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. TURISMO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PACOTE TURÍSTICO. CRUZEIRO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. QUEBRA DE JUSTA EXPECTATIVA. TRANSTORNOS CONFIGURADOS. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 2.000,00 PARA CADA AUTOR, MANTIDO. RECURSOS IMPROVIDOS. (Recurso Cível Nº 71004809489, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Paulo Cesar Filippon, Julgado em 27/6/14)
Vale apontar no sentido de que, se o consumidor, por qualquer razão, pretender resilir o contrato, imposições de multas abusivas (há companhias que aplicam multas de quinze, vinte, trinta por cento), podem e devem ser revistas (o artigo 413 CPC estabelece que o controle da validade das multas pode ser feito até mesmo de ofício pelo Juiz, a partir de um juízo que sequer seria de proporcionalidade, mas de simples equidade).
Nesses casos, pelo óbvio, como as multas não são moratórias (simples atraso de pagamento – em que haveria limitação a 2% nos termos do artigo 52 e seus consectários CDC), mas compensatórias há limites de razoabilidade a serem observados.
A jurisprudência pátria tem fixado tais importes em torno de dez por cento (valor suficiente para cobrir eventuais prejuízos da operadora de pacotes turísticos, diante da desistência do consumidor). Sobre a questão:
TJ-DF - Apelação Cível do Juizado Especial ACJ 20151110045639 (TJ-DF) Data de publicação: 18/3/16 Ementa: JUIZADO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PACOTE DE TURISMO FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RESCISÃO DO CONTRATO. MULTA COMPENSATÓRIA. 10% DO VALOR DESEMBOLSADO PELO CONSUMIDOR. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo recorrente, no qual sustenta que não há que se falar em aplicação de multa compensatória pelo descumprimento contratual. Defende que o autor, em momento algum, discutiu a aplicação da multa no percentual de 20% (vinte por cento). Sustenta que a cláusula "11" (fls. 06) do contrato firmado entre as partes refere-se apenas à questão de financiamento junto à empresa recorrente e que a aplicação desta multa tornou a sentença extra petita. Sem razão a recorrente. 2. Tanto o Código de Defesa do Consumidor (artigos 6º e 51) quanto o Código Civil (art. 413) admitem a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais abusivas ou excessivamente onerosas. Neste caso, o il. sentenciante não proferiu sentença extra petita, mas apenas arbitrou a multa pela resilição contratual solicitada pelo recorrido no valor de 10% (dez por cento) do valor adiantado. 3. O valor da cláusula compensatória fixada em 10% (dez por cento) da quantia efetivamente adiantada pelo consumidor afigura-se suficiente para ressarcir o recorrente pelos prejuízos decorrentes do desfazimento do negócio, uma vez que o consumidor não se utilizou de qualquer serviço, tampouco existiu contratação do recorrente para com terceiros em benefício do recorrido, que pudesse criar encargos financeiros. Deve, assim, o recorrente devolver os valores adiantados pelo recorrido, podendo reter até o valor de 10% (dez por cento). 4. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. 5. Sem condenação em honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões recursais. 6. Decisão proferida nos termos do art. 46 da lei 9.099/95, servindo a ementa de acórdão.
Outro aspecto pouco estudado, mas que atinge diretamente o patrimônio do consumidor em férias, é de que há vários serviços públicos e privados que podem ser suspensos temporariamente nos períodos de férias, evitando-se dispêndios desnecessários, mas muitas vezes importantes na economia doméstica (mormente para tempos de crise, com férias econômicas).
Em serviços privados (telefonia móvel, telefonia fixa, TV por assinatura por exemplo), o regime jurídico é mais favorável ao consumidor, eis que a suspensão temporária pode ser pedida e o restabelecimento do serviço, ao final das férias não pode ser cobrado do consumidor – é um serviço gratuito. Para esses serviços já há normatização (resoluções da ANATEL que preveem suspensões de serviços por prazos que variam entre 30 e 120 dias, uma vez ao ano).
Mais alguns tipos de serviços privados não são normatizados pelo Poder Público, como é o caso das assinaturas de jornais e revistas impressos, internet etc. Para isso deve-se conferir a normatização particular, ou seja, o que diz o contrato firmado entre as partes, sempre lembrando que, se o contrato comportar dúvidas de interpretação, essas são sempre resolvidas no interesse e em favor do consumidor.
Quando o serviço é público (fornecimento de água, luz e gás encanado, por exemplo), mesmo que tenha sido terceirizado, existem maiores dificuldades eis que se deve preservar a equação financeira desses contratos concedidos pelo Estado, daí há previsões para a cobrança de tarifas ou taxas para restabelecer o serviço ao final das férias – o consumidor deve avaliar se não sairá mais caro o molho do que o peixe como diz o dito popular (às vezes, simplesmente sai mais barato fechar o registro que permite a entrada de água da rua para a residência, por exemplo).
Mesmo em sendo um serviço público é feito por pessoas jurídicas privadas, ou seja, nada impede que se façam ajustes nesse sentido. Por exemplo, se o consumidor pleiteia que o serviço seja suspenso, sem custos e isso for aceito pela fornecedora, ela não poderá depois cobrar qualquer valor.
Mas alguns cuidados devem ser observados. O consumidor deve estar em dia para solicitar a suspensão dos serviços, do contrário não haverá religamento ao final – tem-se considerado que não abusividade se a fornecedora se recusar a tanto.
De igual modo, há que se registrar o pedido formal para que isso aconteça – não há impedimento para sejam feitos pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) seja por ligações telefônicas (daí convém anotar o número de protocolo de atendimento para facilitar reclamar em caso de violação) ou mesmo por e-mail. Essas cautelas facilitam o processamento de demandas no Juizado Especial Cível – o assim chamado Juizado de Pequenas Causas, ou mesmo para reclamações junto ao Procon.
Como sabido, os estabelecimentos físicos destas prestadoras têm oposto cada vez mais resistência a que esses pedidos lá sejam efetuados, no que também há uma certa abusividade (como sabido, há consumidores idosos que podem ter dificuldade com tecnologia e mesmo pessoas com baixo grau de escolaridade, por exemplo), matéria, no entanto, para outros estudos mais aprofundados em outro artigo.
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*Júlio César Ballerini Silva é mestre em direito processual civil. Coordenador nacional de pós-graduação em Processo Civil e Direito Civil da ESD e Proordem.