Nas relevantes relações negociais é muito comum surgirem dúvidas acerca da segurança e efetividade em se aceitar como garantia o único bem imóvel de propriedade do pretenso garantidor, haja vista ser cediço que o nosso ordenamento jurídico pátrio protege o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, prevendo expressamente a IMPENHORABILIDADE do denominado bem de família.
Como consequência dessa impenhorabilidade, o bem de família "não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam", ressalvadas algumas hipóteses expressamente previstas na própria lei (artigo 1º, da lei 8.009/90).
Bem se nota, portanto, que a impenhorabilidade é a regra, cujas hipóteses de exceção são aquelas taxativamente previstas em lei, a saber, artigo 3º, da lei 8.009/90.
Mutatis mutandis, quer significar que, naquelas hipóteses elencadas nos incisos do artigo 3º, da lei 8.009/90, ainda que se trate do único bem imóvel do casal ou entidade familiar, o bem de família responderá pela dívida civil, comercial, fiscal ou de outra natureza, contraída pela entidade familiar.
Vejam, na íntegra, o rol de exceções à regra da impenhorabilidade:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
A nós, nesse momento, incumbe tecer algumas considerações apenas sobre as exceções previstas nos incisos V, do referenciado artigo 3º, na medida em que, a nosso ver, é a situação que melhor guarda relação com aquela preocupação exteriorizada nas grandes relações negociais: estará o credor seguro se aceitar, como garantia das obrigações contratuais, o único bem imóvel de propriedade do garantidor?
A princípio, a leitura simples do inciso V supra transcrito leva à conclusão de que, no caso concreto, o simples fato do casal oferecer o imóvel de residência como garantia real (hipoteca), o tornaria automaticamente penhorável.
CONTUDO, é preciso cuidado para essa conclusão na medida em que não é esse o entendimento que vem dominando perante os nossos Tribunais, os quais vem reiteradamente se posicionando no sentido de que, para que a exceção legal disposta no inciso V, do artigo 3º da Lei 8009/90 se opere, é preciso que a dívida garantida pelo imóvel tenha sido contraída para benefício da entidade familiar ou revertido em favor desta.
Nesse sentido, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO REVERTIDO À FAMÍLIA. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior, interpretando o artigo 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, tem se posicionado no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família, na hipótese em que este é oferecido como garantia real hipotecária, somente fica afastada quando o ato de disponibilidade reverter em proveito da entidade familiar.
2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático dos autos (Súmula n. 7 do STJ).
3. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou as provas contidas no processo para concluir que a garantia hipotecária foi revertida em benefício da entidade familiar. Alterar esse entendimento demandaria o reexame do conjunto probatório do feito, o que é vedado em recurso especial.
4. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1466650/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 22/02/2017)
Assim, para que de fato, nesse caso, a garantia seja efetiva ao fim para a qual foi prevista, de forma a poder ser executada pelo credor, é importante ter evidências concretas de que a dívida foi contraída para benefício da família ou entidade familiar.
Nessa linha, também é o entendimento atual dos nossos tribunais a penhorabilidade do único bem imóvel do casal ofertado como garantia de dívida de sociedade empresária, sendo os garantidores os únicos sócios da sociedade empresária, já que, nesses casos, é possível sustentar que a dívida foi contraída em benefício da entidade familiar.
Do contrário, o risco de se perder a garantia em questão é bastante significativo, podendo causar inúmeros desconfortos ao credor com o enfrentamento da questão no Judiciário, pelo que sempre será prudente levar em consideração negociar outras garantias, permitidas em lei.
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*Bruna Carolina Sia Gino é advogada no escritório Sia Gino e Mardegan Sociedade de Advogados.