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A ressignificação da advocacia: Lawtechs e Legaltechs

Os advogados e demais operadores do direito precisam estar prontos para esta revolução, para que não sejam vistos como os taxistas do movimento Uber surgido no mercado do transporte urbano.

30/6/2017

Tenho conversado com muitos amigos sobre o tema objeto do presente texto. Todavia, sem dúvida alguma, o comentário que mais me chamou a atenção foi o de meu amigo Luiz Vendramin, advogado da Funcesp, ao comentar as críticas que são feitas à automação da advocacia. Ele me disse que se um trabalho pode ser feito por um computador, ele não é um trabalho privativo de um advogado. É a partir de tal ressignificação do trabalho jurídico que pretendo abordar a temática no presente texto.

A advocacia é um dos mercados que menos mudou a sua forma de executar trabalhos nas últimas décadas. Ainda que hoje em dia existam grandes bancas, com faturamento milionário, administradas tais quais empresas, muito pouco foi modificado na forma de execução dos trabalhos. Por conta disso, concordo 100% com o que Richard Susskind diz em seu livro Tomorrow’s Lawyers: nas próximas duas décadas, a forma como os advogados trabalham mudará radicalmente1.

A mudança em questão se pautará, principalmente, no implemento de novas ferramentas tecnológicas para a prestação de serviços legais/jurídicos. A tecnologia, inclusive, possibilitará uma nova formatação organizacional dos serviços jurídicos. A tecnologia faz um movimento disruptivo e irreversível. Os advogados e demais operadores do direito precisam estar prontos para esta revolução, para que não sejam vistos como os taxistas do movimento Uber surgido no mercado do transporte urbano.

A seguir, tentarei descrever algumas das ferramentas/plataformas que hoje já existem no mundo e, principalmente, no Brasil.

Pois bem. Para além do JBM Advogados, conforme retratado nos textos anteriores, é importante destacar que inúmeros escritórios de advocacia também vêm investindo vultuosas quantias em dinheiro para a automação de seus procedimentos. Exemplos de tais escritórios são os bem-sucedidos Flávio Olímpio Azevedo Advogados Associados, Nelson Willians Advogados Associados, Siqueira Castro Advogados, Décio Freire Advogados e Fragata Antunes. Juntas com o JBM Advogados, tais bancas atuam em quase 2.000.000,00 (dois milhões) de demandas judiciais, o que somente é viabilizado em virtude da automação da advocacia.

Em se tratando de automação de atividades jurídicas, cumpre recordar que no ano de 2016, inúmeras e incontáveis matérias jornalísticas foram veiculadas a respeito do Ross2, o advogado Robô3, que começou a trabalhar em uma das maiores bancas advocatícias americanas. Ross é um dispositivo de inteligência artificial que opera com uma fonte inesgotável de informações sobre falência. No dia-dia do escritório, Ross funcionará como um colega de trabalho que sabe de tudo: os advogados podem questioná-lo sobre inúmeros assuntos, em linguagem natural, e ele responderá com base em sua base de dados imediatamente.

Em verdade, Ross é uma fonte de dados inesgotável e avançada, uma biblioteca virtual constantemente alimentada como novas informações. Ou seja, a massa encefálica de Ross é 100% Big Data que, aplicada à inteligência artificial, torna-se uma ferramenta de trabalho muito interessante. O modelo da plataforma escolhido pelos desenvolvedores de Ross é uma opção mercadológica, uma vez que Ross poderia existir sem sua forma humanoide. Ross impressiona pela forma e por seu conteúdo.

Nas plataformas tecnológicas do direito, o ponto de partida é praticamente sempre o mesmo: otimização de tarefas mecânicas, com a redução de custo e de tempo para os clientes. Esse assunto é recorrente e amplamente desenvolvido nos Estados Unidos. A lista Codex da Universidade de Stanford4 já indica a existência de 711 empresas criadas para a exploração de sistemas disruptivos e tecnológicos para o mundo jurídico, divididas em nove categorias: (i) Marketplace; (ii) Document Automotation; (iii) Practice Management; (iv) Legal Research; (v) Legal Education; (vi) Online Dispute Resolution; (vii) E-discovery; (viii) Analytics; e (ix) Compliance.

O Brasil, por sua vez, tem se organizado cada vez mais para entrar com tudo no mercado das Lawtechs (afinal, somos o maior produtor de problemas judiciais do mundo em termos quantitativos), o que se consolidou de vez com a fundação da AB2L - Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs5.

Nos próximos parágrafos irei indicar inúmeras empresas e plataformas que já existem no mercado e que, juntas, formam um novo sistema jurídico.

Baseando-se na ideia de agregar tecnologia ao mundo do direito, a empresa Luminance6, para diminuir e reduzir custos de uma das atividades mais ingratas e cansativas da advocacia empresarial: a realização de due dilligences. A Luminance é a plataforma de inteligência artificial para o setor jurídico. Treinada por especialistas legais, a tecnologia revolucionária é baseada em avanços na aprendizagem de máquinas na Universidade de Cambridge. Em linhas gerais, o Luminance a linguagem humana em volumes e em velocidades que os seres humanos jamais alcançarão, de modo que consegue fornecer uma visão imediata e global de qualquer empresa, escolhendo sinais de alerta sem precisar de instruções. Ou seja, é mais uma plataforma que faz com que os advogados possam focar tão somente no trabalho intelectual efetivamente jurídico.

A startup baiana Jusbrasil também é uma plataforma que auxilia o trabalho jurídico. O Jusbrasil foi criado para conectar advogados a pessoas, catalogando advogados dispostos a oferecer seus serviços, os disponibilizando aos clientes e pessoas que tivessem interesse em contratar profissionais jurídicos.

Além disso, o Jus Brasil se presta a oferecer informação jurídica acessível, armazenando e disponibilizando, de forma consolidada, dados de todos os Diários Oficiais do Brasil, criando um Big Data de gigantescas proporções sobre as decisões judiciais proferidas no Brasil. Jus brasil também oferece modelos de peças processuais e de contratos.

Tamanho foi o sucesso do Jusbrasil que, recentemente, a empresa recebeu investimentos financeiros7 de dois grandes fundos de investimentos: (i) Monashes; e (ii) Founders Fund, grande fundo de investimentos do Vale do Silício, que tem em sua carteira de investimentos em companhias como Airbnb e Spotify. Esta foi uma grande vitória para as LawTechs8 brasileiras. Inovações e adaptações ao modelo de negócios serão feitos em breve no Jusbrasil, o que deve fazer com que o serviço oferecido melhore ainda mais.

Sobre o Jusbrasil, é importante destacar dois importantes pontos: (i) a plataforma se utiliza do racional da economia compartilhada, aproximando advogados de possíveis clientes; e (ii) muitos de seus usuários – talvez até a maioria – tratam-se de pessoas comuns querendo entender o ambiente jurídico.

A lógica da economia compartilhada tem sido constantemente utilizada pela empresa Tikal Tech9, por exemplo. A plataforma Diligeiro aproxima advogados geradores de serviço de advogados correspondentes. Nela, o profissional pode tanto oferecer serviços e trabalhos, como se cadastrar para realizar as diligências lá indicadas. Ao final de cada trabalho, ambos profissionais são avaliados de acordo com sua performance no serviço, obtendo uma pontuação de rating. A plataforma Jurídico Certo oferece uma ideia semelhante, por meio da criação de uma marketplace para conexão entre advogados, clientes e escritórios de advocacia.

Essa sistemática poderia ser utilizada também na terceirização de outros serviços advocatícios, como a elaboração de petições, análise de documentos, confecção de contratos etc. Na advocacia moderna, nenhum advogado será obrigado a possuir todas as habilidades referentes à advocacia: captação, gestão de trabalhos, execução, conhecimentos técnicos, desenvoltura oral etc. Na nova advocacia, o profissional poderá focar suas energias e esforços no desenvolvimento das suas melhores habilidades e, via plataformas de economia compartilhada, se utilizar dos serviços de outros profissionais nas habilidades que não dominam tanto.

A Tikal Tech ainda tem um serviço muito interessante e útil aos advogados, chamado Legalnote11, desenvolvida em parceria com a Evernote. O Legalnote cataloga todos os casos do advogado de forma automática, criando pastas individualizadas para cada um, as quais ficam hospedadas em uma nuvem e podem ser acessadas com facilidade pelos clientes. O Legalnote ainda faz a gestão de prazos e de pendências, é uma plataforma de trabalho que revoluciona a maneira de acessar as informações referentes aos processos. “Digitando apenas o número do processo, você cria um cadastro completo, organizado e atualizado com as informações oficiais dos tribunais e diários oficiais.12.

Em se tratando de plataformas voltadas diretamente às pessoas comuns, alheias ao mundo jurídico, tal qual o Jusbrasil, a Tikal Tech tem alguns produtos interessantes. O SeuProcesso13 auxilia as pessoas comuns a obterem informações atualizadas dos casos de seu interesse, obtidas diretamente das fontes oficiais. À disposição dos usuários, o SeuProcesso disponibiliza advogados conveniados para tirar dúvidas sobre o conteúdo do processo.

Ainda falando de Brasil, é importante destacarmos a importância da startup Justto14, desenvolvida para organizar sistemas para a resolução inteligente de conflitos. A Justto foi fundada por dois advogados que atuaram por muitos anos no mercado jurídico na cidade de São Paulo que sentiram a necessidade de oferecer alternativas mais práticas para resolução de conflitos.

As duas principais plataformas da Justto são (i) a Arbitranet15, primeira câmara de arbitragem online do Brasil, formada por uma equipe de árbitros especializados e um procedimento simples, seguro, rápido e com valores predeterminados e acessíveis, bem diferente daqueles cobrados pelas tradicionais câmaras de arbitragem; e (ii) o Acordo Fácil16, sistema on-line de negociação, que conecta as pessoas interessadas em fazer acordo com empresas.

O Looplex17 é uma plataforma digital que também merece destaque, uma vez que utiliza a inteligência artificial no oferecimento de ferramentas ao mundo jurídico, apresentando ganhos em eficiência e consistência impossíveis na advocacia tradicional, através da produção automatizada de documentos jurídicos, tais quais peças jurídicas, contratos, propostas de honorários etc. “Looplex traz uma biblioteca de documentos jurídicos e comerciais projetados por especialistas, que você pode customizar e alterar automaticamente.”18.

Além disso, os usuários podem conectar e sincronizar o Looplex com o seus sistemas de gestão internos, criando documentos inteligentes capazes de trocar informações com outros documentos e programas. No mais, o Looplex disponibiliza um sistema de tradução inteligente, por meio do qual documentos complexos são traduzidos e contextualizados para o vocabulário jurídico.

A Netlex19 atua no mesmo segmento da Looplex, de produção automatizada de documentos jurídicos. A proposta da Netlex é simplificar e otimizar a criação e a gestão de documentos jurídicos, dos simples aos complexos. A tecnologia oferecida torna possível a criação/transformação de documentos em um sistema de questionário. A carteira de clientes da Netlex é vasta, sendo composta por empresas e escritórios de destaque no mercado: Martorelli Advogados, Marcelo Tostes Advogados e Localiza, por exemplo.

Oferecendo serviços diretamente às empresas, o Advys20 é um site de aconselhamento jurídico em geral, que oferece serviços como: (i) auxílio em dúvidas jurídicas e empresariais; (ii) elaboração e revisão de contratos; (iii) mediação de conflitos e renegociação de dívidas; e (iv) orientação imobiliária.

Após analisar as plataformas, softwares e instrumentos hoje existentes no mercado, foi possível constatar que a grande maioria delas não tem como clientes os advogados, mas sim os próprios indivíduos e empresas que estão litigando ou têm dúvidas jurídicas. Na nova advocacia, em muitas das vezes, por conta da tecnologia, o advogado poderá deixar de ser essencial à administração da justiça.

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1. “The legal Market is in na unprecedented state of flux. Over the next two decades, the way in which lawyers work will change radically. Entirely new ways of delivering legal services will emerge, new providers will enter the market, and the workings of our courts will be transformed. Unless they adapt, many traditional legal business will fail. On the other hand, a whole set of fresh opportunities will present themselves to entrepreneurial and creative and young lawyers.” Richard Susskind, Tomorrow’s lawyers: an introduction to your future. Oxford University Press, USA

2. Conheça mais de Ross em: (Clique aqui).

3. MELO, João Ozorio de. Escritório de Advocacia estreia primeiro “robô-advogado” nos EUA.

4. (Clique aqui).

5. (Clique aqui).

6. Mais sobre em: (Clique aqui).

7. FONSECA, Adriana. Portal Projeto Draft: (Clique aqui).

8. Empresas startups que investem em tecnologia par ao mundo jurídico.

9. (Clique aqui).

10. (Clique aqui).

11. (Clique aqui).

12. (Clique aqui).

13. (Clique aqui).

14. (Clique aqui).

15. (Clique aqui).

16. (Clique aqui).

17. (Clique aqui).

18. (Clique aqui).

19. (Clique aqui).

20. (Clique aqui).

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*Giovani dos Santos Ravagnani é advogado, mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO) e da Associação Brasileira de Legaltechs e Lawtechs (AB2L). Professor da Rede LFG de Ensino.

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