Migalhas de Peso

A delação e as provas construídas

A sensação de tornar-se herói no mar de lama que vivemos permite o uso de todos os recursos.

14/6/2017

Delação não é crime, mas pelo contrario consiste num instituto que ajuda a descobrir grandes e poderosos criminosos, de conformidade com a lei 12.850/13, que traça regras para efetivar a colaboração; o delator pode não oferecer provas concretas, mas obriga-se a facilitar meios para a obtenção das provas contra o delatado. A colaboração premiada é regulada em vários diplomas esparsos, a exemplo da lei 9.613/98, que trata da lavagem de dinheiro.

O que diz a lei 12.850/13 sobre a delação: “o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime...”

Assim, a delação aparece para fazer o bem para a comunidade, pois o delator abandona o crime, além de oferecer documentos e informações sobre a entidade a qual pertenceu, facilitando o caminho para desmantelamento da organização criminosa e prisão dos participantes.

A questão é que a Procuradoria da República e o Ministério Público tem sido seduzido por delatores que chacoalham o ego dos acusadores; os pretensos colaboradores não indicaram provas pré-constituídas, mas fala-se que foram incentivados a sair à busca de provas para incriminar altas autoridades do país, inclusive e principalmente o presidente da República. Assim, as provas que os irmãos Batistas produziram não existiam, mas foram construídas após o acerto com os acusadores.

A gravação dos irmãos Batistas mostra mais um flagrante preparado do que mesmo uma delação premiada. Aos delatores foi assegurada, por antecipação, a promessa de que o flagrante programado contra o presidente, um deputado e um senador, importaria no perdão pelos crimes que cometeram. Evidente que a Procuradoria embeveceu-se com a possibilidade de “apanhar” o presidente da República, principalmente, quando se sabe que o Procurador-geral Rodrigo Janot está em vias de deixar a função. Os delatores, que tudo sabem sobre os vultosos empréstimos obtidos indevidamente, pouco noticiaram sobre as tramóias no BNDES.

É a glória do Procurador, capaz de arrefecer a revolta dos brasileiros com a punição severa ao empresário Marcelo Odebrecht e com o perdão para Joesley e Wesley Batista. Como não acreditar no deslumbramento, se ao menos não fizeram perícia na séria gravação que fragilizou o país!

Segundo noticia a revista “Isto É”, às vésperas de deixar a Procuradoria-geral da República, Rodrigo Janot requereu ao ministro Edson Fachin, que indeferiu, a colocação de microfones de escutas nos ambientes, por onde circula o presidente, além da instalação de grampos nos telefones celulares e fixos do presidente. É reviravolta do estado de direito para o estado de exceção, na busca cega de holofotes, sem os mínimos cuidados indispensáveis para acusações tão burlescas.

Ninguém nega o fato de que os Batistas tornaram-se milionários em função dos aportes do BNDES e da Caixa Econômica Federal, ao ponto de essa empresa pública transformar-se em sócia da Friboi, num percentual de 20%. Pouco se falou sobre o que mais poderia ser divulgado: as acusações de que o ex-presidente Lula ajudou o grupo a aparecer como o dono da maior empresa de carnes do mundo.

Joesley e Wesley prepararam até mesmo a vida econômica para sair do país: possuem apenas 20% de seus negócios no Brasil. Eventuais resultados negativos das empresas aqui, não diminuirão a vida boa que já levam nos Estados Unidos. O contribuinte brasileiro terá de pagar eventuais prejuízos da Friboi e do grupo, vez que o BNDES dispõe de um quinto do capital de seus negócios.

A dívida que deixam é imensa: na semana passada, houve reunião com os 13 bancos credores, advertidos de que não receberão os pagamentos dos empréstimos, no montante de R$ 22 bilhões, que vencem no curso deste ano; o grupo é o segundo maior devedor do INSS com dívida de mais de R$ 2.4 bilhões.

Não se pode aceitar como delator, criminosos confessos que obtém a permissão de procuradores, delegados ou investigadores para esmiuçar a vida de seus semelhantes e “fabricar” provas com gravações e outras artimanhas com o fito exclusivo de livrar-se de processos e da cadeia. A prova preparada com o objetivo de obter o perdão não condiz com o sistema da delação.

Desvestiram a ética e a moral para a caçada de trunfos importantes, sem se importar com o uso dos meios lícitos para as acusações. A sensação de tornar-se herói no mar de lama que vivemos permite o uso de todos os recursos.

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*Antonio Pessoa Cardoso é advogado do escritório Pessoa Cardoso Advogados.


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