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ISS sem prestação efetiva de serviço: um problema na vida do profissional da arquitetura

É relativamente seguro que os tribunais superiores reconhecem que a inexistência de fato gerador impede a cobrança de tributo.

7/6/2017

É comum receber consultas de arquitetos que atuam em diferentes municípios e, vez por outra, são surpreendidos por autos de infração lavrados pela municipalidade exigindo o pagamento de ISS sobre contribuintes que deixaram de prestar serviço naquela localidade há tempos. A primeira pergunta que estes profissionais fazem, ao chegar ao escritório de qualquer advogado, é:

"Pode a municipalidade cobrar ISS de arquiteto que requereu eu cadastro como contribuinte em determinado município, mas não prestou serviço efetivo naquela localidade? É possível defender-me contra este tipo de exigência?"

Para responder à pergunta, é preciso analisar alguns pontos.

O trabalho executado pelos profissionais de arquitetura consiste, juridicamente, em uma prestação de fazer, ou seja, em obrigação de prestar um serviço constituído por elaboração de projetos, fiscalização e acompanhamento de obras ou elaboração de laudo ou de parecer técnico. Como prestadores de serviço individuais ou que constituam sociedade empresarial, obrigam-se ao recolhimento de Imposto Sobre Prestação de Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). A CF criou o tipo tributário e conferiu competência tributária aos municípios, responsáveis pela cobrança do tributo. Assim, caberia a caberia município introduzir a cobrança do ISS na legislação municipal, definindo a alíquota do imposto a ser recolhida.

A regra geral define que o município competente para realizar a cobrança de ISS é aquele em que o contribuinte, ou seja, o arquiteto ou a sociedade empresária que presta o serviço, mantém domicílio ou residência. Mas esta imposição da competência territorial produz distorção na arrecadação do tributo, decorrente da organização de grandes empresas de prestação de serviço que mantém sua sede em municípios com alíquota reduzida de ISSQN, quase sempre localizados nas proximidades de grandes centros urbanos. Nesta situação, a empresa ou o prestador de serviço realizaria a prestação em diversos municípios do entorno, mas recolheria o tributo apenas naquele em que mantivesse seu domicílio, o que representa deslocamento de riqueza entre unidades políticas em favor de um único ente da federação.

O mesmo movimento ocorre com a prestação de serviços realizada por profissional autônomo: o arquiteto domiciliado no município A (que não precisa ser, necessariamente, o município de sua residência), passa a prestar serviço em outros municípios, o que é comum neste tipo de atividade.

Para evitar esta distorção, a lei Complementar 116/03 prevê 25 (vinte e cinco) hipóteses de deslocamento da competência territorial para imposição legal e cobrança do tributo. São casos em que o prestador de serviço deixa de recolher ISS no seu local de domicílio ou residência, fazendo-o no local (i) do estabelecimento do tomador do serviço, ou seja, daquele que contrata a prestação de serviço de arquitetura, ou (ii) no local da realização da prestação de serviço.

Por exemplo: a empresa de arquitetura A, domiciliada em Barueri, é contratada para prestar serviço a determinada sociedade comercial domiciliada no município B, onde se localiza o estabelecimento. Neste caso, o item 7.19 da lista de serviços anexa à LC 116 determina que o recolhimento do ISS seja feito em favor do município em que o tomador do serviço estiver localizado. Uma outra situação é aquela em que a mesma empresa de arquitetura A, contratada pela sociedade comercial B, presta serviço nas dependências de B, localizadas em um terceiro município. Neste caso, a cobrança do ISS deve ser feita em favor do terceiro município, local da prestação do tributo.

Definida, de modo simplificado, a competência territorial para exigir o ISS, é preciso observar quem é o sujeito responsável pelo recolhimento do tributo. Via de regra o prestador de serviços – o arquiteto ou a sociedade empresarial prestadora – deve recolher o ISS no município competente. Em alguns casos, o município pode atribuir ao tomador de serviço a qualidade de responsável pela retenção do tributo, ou seja: o tomador calcula e retém o ISS devido, que seria recolhido pelo prestador de serviço ou pela sociedade equivalente (conforme art. 45 e 121, inciso II, do Código Tributário Nacional), situação que não será tratada neste momento. Interessa-nos, especificamente, o caso em que o próprio prestador de serviço realiza a prestação, sem que seja substituído pelo tomador do serviço na qualidade de sujeito passivo do tributo (ou seja, aquele que é responsável pelo seu recolhimento).

Assim, voltando ao exemplo acima, o arquiteto A, que presta serviço, mantém seu cadastro de Contribuinte Municipal no município em que possui domicílio, mas, para prestar serviço em qualquer outro município e lá recolher o tributo devido, realiza a abertura de um segundo cadastro de contribuinte, no local em que o serviço será prestado, fato comum para arquitetos que trabalham em regiões metropolitanas. Lá, ele presta um ou mais serviços durante certo período e recolhe o ISS devido. Tempos depois, recebe em seu próprio domicílio notificação de lançamento de ISS contra si, lavrado por arbitragem (processo em que a municipalidade arbitra um valor, supostamente devido, durante período em que não houve prestação de serviço declarada, mas que, suspeita-se, tenha havido serviço prestado, por presunção), ou mesmo um valor estabelecido com base no salário mínimo. Há casos em que a própria municipalidade define esta cobrança como uma "Taxa" devida pela simples manutenção do Cadastro de Contribuinte em determinado município.

Em qualquer destes casos, não há qualquer imposto juridicamente devido, por um motivo bastante simples: não há fato gerador, ou seja, não houve serviço prestado que desse ensejo à imposição do tributo. Esta é a posição já fixada em várias decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ordena o cancelamento da cobrança de ISS sobre contribuinte cadastrado em determinado município que não tenha realizado a efetiva prestação de serviço.

Mas então, porque arquitetos inscritos em municípios como Monte Mor, Monte Azul, Jandira e Mococa, apenas para dar alguns exemplos, continuam sendo autuados sob a exigência de ISS sobre pura manutenção de seu CCM nestes municípios?

Por duas razões. Juridicamente, estes municípios possuem dispositivo legal em seus Códigos Tributários Municipais e respectivos regulamentos, prevendo a imposição de ISS por arbitramento ou com valor fixo sobre contribuintes inscritos, mesmo que não tenham realizado qualquer prestação de serviço. Nestes casos, o agente público responsável pela fiscalização é obrigado, por lei, a cumprir o dever funcional de aplicar a legislação municipal, mesmo que ela contrarie normas superiores. Esta obrigação só deixará de existir quando (i) o município revogar o dispositivo que ordena a cobrança ou (ii) houver decisão transitada em julgado que obrigue a municipalidade a deixar de realizar a cobrança, o que vincula o Poder Executivo a segui-la. Enquanto isto não ocorrer, os contribuintes cadastrados nestes locais receberão as cobranças, mesmo que juridicamente sejam indevidas face à lei Complementar 116 e à CF.

A segunda razão que leva a estas cobranças e de caráter econômico. Enquanto não houver uma decisão definitiva do STF reconhecendo a inconstitucionalidade deste tipo de cobrança, a cobrança de ISS sem fato gerador, desde que ordenada pelas legislações municipais, constitui um mecanismo de arrecadação a mais em meio à redução da arrecadação das municipalidades.

De toda forma, é relativamente seguro que os tribunais superiores reconhecem que a inexistência de fato gerador impede a cobrança de tributo, entendimento que resguarda o profissional a quem se exija o pagamento de ISS apenas por manter seu cadastro de Contribuinte em um determinado município, no qual não realiza prestação de serviço.
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*Viviane Alves de Morais é advogada e doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco/USP.

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