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O advogado- juiz dos TRE’s

Na esteira das recentes reformas constitucionais muitas reflexões surgem sobre a estrutura do judiciário, sua independência e o exercício pleno da jurisdição principalmente com vistas a uma maior efetividade, celeridade e adequação das práticas judiciais aos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência, entre outros que regem a administração pública.

12/6/2006


O advogado-juiz dos TRE’s

Stênio Gonçalves Silva*
 

 

Na esteira das recentes reformas constitucionais muitas reflexões surgem sobre a estrutura do judiciário, sua independência e o exercício pleno da jurisdição principalmente com vistas a uma maior efetividade, celeridade e adequação das práticas judiciais aos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência, entre outros que regem a administração pública.

 

A resolução nº7 editada pelo Conselho Nacional de Justiça deu inicio a um esforço para o melhoramento da máquina judiciária e é consenso que o objetivo a ser alcançado é a melhoria global do funcionamento das justiças estaduais e federal.

 

Minha visão pessoal é que a sociedade deve deitar todos os olhares sobre a Justiça Eleitoral, pois embora tenhamos evoluído na forma de recepção do sufrágio popular, as repetidas crises políticas que assolam o regime democrático brasileiro desde a sua redemocratização nos revelam uma crise de representatividade que pode estar associada à correta aplicação do Direito Eleitoral.

 

O sistema eleitoral não se resume à celeridade da apuração, certeza do resultado e segurança do processo de eleição, mais que isso, a Justiça Eleitoral evolui para evitar que os partidos políticos sejam um ambiente propício para o nascimento e crescimento de políticos manifestamente inescrupulosos, para evitar que os mesmos sejam eleitos e gozem das prerrogativas de representantes do povo e posteriormente traiam o mandato, e que os juizes tenham independência para a jurisdição.

 

Proponho o presente texto à reflexão social, ressalvado que o mesmo limita-se na análise acerca da detecção de um estrito problema dentro do tema Justiça Eleitoral, qual seja, a forma como são compostos os Tribunais Regionais Eleitorais especificamente no que se refere ao art. 120, § 1°, da CF, que trata da função de juiz eleitoral exercida por advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça ao Presidente da República.

 

Pelo Decreto nº 21.076/32 se criou o sistema eleitoral judiciário, isto é, entregou-se à Justiça Eleitoral o procedimento eleitoral, esta por sua vez foi constitucionalizada em 1934, portanto, dois anos após a sua criação. Extinta com o Estado Novo em 1937, com o Dec.-Lei n° 7.586/45 é recriada e, em 1946, reassume patamar constitucional, permanecendo na Lei Maior, a partir de então, até nossos dias.

 

A atual composição dos Tribunais Regionais Eleitorais, assim como o sistema de escolha dos membros, teve origem no art. 126 da Constituição de 1967. A composição e o sistema foram mantidos com a Emenda Constitucional de 1969, art. 133, e na Constituição Federal de 1988, art. 120.

 

Conforme o atual texto constitucional, os Tribunais Regionais Eleitorais são compostos de (i) dois juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça; (ii) de dois juízes, dentre juízes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça; (iii) um juiz do Tribunal Regional Federal que tenha sede na Capital do Estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, de juiz federal, escolhido, em qualquer caso, pelo Tribunal Regional Federal respectivo; (iv) de dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça ao Presidente da República (art. 120, § 1°, da CF).

 

O art. 121 da CF previu que Lei Complementar disciplinaria a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais e assim foi editada a Lei  4.737/1965 (clique aqui), chamada de Código Eleitoral, posteriormente alterada pela Lei 7.191/1984 (clique aqui), que nos seus art. 25 e 16 respectivamente prevêem a forma de composição dos TRE's.

 

Compete, então, ao Tribunal Superior Eleitoral, recebidas as indicações do Tribunal de Justiça, divulgar a lista tríplice através de edital, não havendo impugnação, será esta encaminhada ao Poder Executivo com vistas à nomeação do advogado que comporá a Corte Regional Eleitoral do respectivo Estado, ex vi do art. 25 do Código Eleitoral.

 

De acordo com tais diplomas legais os membros dos tribunais, os juízes de direito e os integrantes das juntas eleitorais, no exercício de suas funções, e no que lhes for aplicável, gozarão de plenas garantias e serão inamovíveis e, no caso dos juízes dos tribunais eleitorais, salvo motivo justificado, servirão por dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria.

 

O advogado nomeado juiz do Tribunal Regional Eleitoral é um agente público, gênero de que são espécies os agentes políticos, os servidores públicos e os particulares em colaboração com o poder público, é servidor temporário, sub-espécie compreendida dentre os servidores públicos contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art.37, IX, da CF/88).

 

Não prestam concurso público, porém são indicados para o exercício de uma função pública relevante de magistrado na qual tem foro previsto no art.105, I, a, da Carta Magna, pois são processados perante o Superior Tribunal de Justiça nos crimes comuns e nos de responsabilidade, sendo importante frisar, que têm, durante o período de exercício, as garantias do art. 95 da CF/88, quais sejam, de inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, são pagos pelo poder judiciário federal, órgão ao qual pertencem como preceitua o art.92, V, também da Constituição.

 

As garantias a ele conferidas são de natureza jurídico-administrativas e correspondem à garantia de independência do Poder Judiciário e à imparcialidade do magistrado que segundo José de Albuquerque Rocha se reportam ao princípio da separação de poderes e divisão de funções entre órgãos estatais previsto do art.2º da CF/88.

 

Assim, somos que o advogado nomeado para o exercício da distribuição da tutela jurisdicional eleitoral em Tribunal Regional Eleitoral, que consiste no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei, este, como magistrado, não pode exercer em paralelo nenhum cargo público de qualquer nível ou espécie, seja ele no executivo, judiciário ou no legislativo, pois aos juizes é vedado exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério.

 

O STF recentemente no Recurso em Mandado de Segurança/RMS nº23.123, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 12/3/04, definiu que tal vaga não pode ser ocupada por advogado advindo da magistratura ou membro do Ministério Público após a aposentadoria, mesmo regularmente inscrito na ordem dos advogados, isto porquê o cargo é de advogado em militância e de notório saber.

 

Assim, se o servidor público aposentado, embora advogado devidamente inscrito, não pode exercer tal função o que dizer do servidor público inscrito na ordem e em atividade? Ressalte-se que no presente caso não há que se cogitar a hipótese de compatibilidade de horários, pois o que se entende é que a função judicante é incompatível com a cumulação de cargos nos termos da CF/88 no art.37 e 95.

 

Ademais, no processo acima citado, o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento que “ (...) A análise da instituição, Justiça Eleitoral, parte de um determinado princípio e de um determinado espírito informador, para que se integre ao tribunal, aquele que se produziu na profissão, por longos anos, escolhido não pela corporação, mas pelos membros do tribunal, que conhecem quem está exercendo a profissão e realmente tem condição de trazer a perspectiva do advogado ao debate das questões eleitorais.”

 

Nesse mesmo sentido o Tribunal Superior Eleitoral se posicionou no Encaminhamento de Lista Tríplice nº 7369 cuja relatoria coube ao Min. Carlos Mário da Silva Velloso, bem como no processo de Consulta nº5469 do Relator Min. João Leitão de Abreu.

 

A vinculação de um magistrado eleitoral no TRE a qualquer um dos poderes fere de morte a independência do poder judiciário, mais grave quando institucionalizada a reeleição, possibilitando que na composição dos TRE's haja servidores estaduais em situação de subordinação hierárquica ao governador que se encontra candidato, por exemplo, como ocorre no Estado do Ceará, onde duas vagas são ocupadas por Procuradores do Estado em atividade, que muito embora tenham reconhecido conhecimento e ilibada reputação, não deveriam estar ocupando tais cargos.

 

Acerca dessa tão sonhada independência, cumpre trazer a dicção de uma das maiores autoridades mundiais do Direito nas Américas, diretor do departamento de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e Ministro da Suprema Corte da República Argentina, Eugênio Raúl Zaffaroni, no seu livro Poder Judiciário, com tradução de Juarez Tavares, SP, Ed. RT, 1995, onde afirma que “(...) a chave do poder judiciário se acha no conceito de independência.”

 

Vemos que é por aí que a sociedade deve permear a sua atenção e vigilância, devemos cuidar também da chave pois com ela é que se entra na casa, uma vez que não basta um Judiciário bem projetado no papel, é preciso exercitar o judiciário de acordo com os princípios constitucionais, pois como disse, Clèmerson Merlin Clève, advogado paranaense, no livro Temas de Direito Constitucional, SP, Ed. Acadêmica, 1993, “(...) talvez não exista Judiciário no mundo que, na dimensão unicamente normativa, possua grau de independência superior àquela constitucionalmente assegurada à Justiça Brasileira”.

É preciso, portanto, colocar em prática!
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*Advogado e Conselheiro Estadual da OAB/CE





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