Migalhas de Peso

Ética, Economia e Política

O país tem que enfrentar as suas próprias verdades e ter a coragem de conviver com o que valoriza, sem discursos hipócritas sobre aquilo a que não dá valor. Nossas escolhas traçarão os nossos destinos.

31/5/2017

Difícil não é encontrar a verdade. Difícil, muitas vezes, é conviver com ela. A verdade, para quem quiser vê-la, é que o Brasil, como quase todos os outros países do mundo, sempre teve, dentro de sua elite política e econômica, pequenos focos de grande corrupção. Quem, por exemplo, ler a história da construção da Estrada de Ferro Sorocabana, de 1870 a 1922, no Império e na República, vai verificar sucessivos desfalques e escândalos que quase fizeram o projeto naufragar. Mais ou menos como acontece desde 1987 até hoje com a Ferrovia Norte-Sul. E, como o setor público e sociedade civil nunca são incompatíveis, é preciso ver o que acontece na sociedade civil. Uma grande parte da sociedade brasileira sempre assimilou com naturalidade a corrupção do cotidiano, na compra de bedéis, guardas de trânsito e fiscais administrativos, na adulteração de cadernetas escolares, notas fiscais, recibos, contabilidade e por aí a fora. Nas últimas décadas, a começar pela mudança de costumes em que países europeus pararam de lançar como despesas dedutíveis do imposto de renda as propinas pagas nos países subdesenvolvidos, e passando pela legislação anticorrupção dos EUA (Lei Sarbanes-Oxley - 2002 e outras) o mundo passa por uma acelerada evolução ética. Em muito estimulada pela revolução tecnológica das comunicações, que tornou a vida instantânea e transparente, aproximando fatos e consequências e a vida pública da vida privada. E o mundo parece que se deu conta de que a competição econômica e política, assim como a esportiva, dever ser ética.

No Brasil, a positiva democratização do poder político a partir da Constituição de 1988 e a louvável ascensão econômica de largas faixas populacionais até então excluídas, trouxeram a amarga contrapartida da generalização das práticas corruptas de apropriação privada dos recursos públicos e do que deveriam ser interesses de Estado. Do ponto de vista ético, um desastre nacional de grandes proporções. Do ponto de vista econômico, nem tanto. A economia até que vinha muito bem, não fosse a invenção pelo governo Dilma da chamada Nova Matriz Econômica, que considerava a corrupção uma preocupação burguesa e acreditava que o uso infinito e populista dos recursos finitos do Estado poderia dar certo, desde que se fizessem manipulações eficientes da contabilidade pública. Do ponto de vista político, o desastre ético fez ascender uma classe de lúmpens, proxenetas e vendilhões de leis e do poder. Não passe sem registro a involuntária mas decisiva colaboração de setores da imprensa, que em busca da notícia fácil e da atração comercial do escândalo, não poupou a reputação dos inocentes, para gáudio e conforto dos culpados, todos igualados nas mesmas manchetes. Adicione-se a contribuição do bem intencionado Ministério Púbico que colocou no mesmo cesto, urdido com milhares de ações de improbidade cabidas e descabidas, o joio e o trigo da administração pública, reduzindo em muito à disposição dos probos para entrar ou permanecer na vida pública.

Com a Lava-Jato e seus desdobramentos, chegou ao Brasil a onda mundial de ética, integridade e compliance. Bem vinda e antes tarde do que nunca. Sempre com a preocupação de que a defesa da ética se mantenha, ela própria, em rigorosa trilha ética e de legalidade.

Por esses e outros caminhos chegamos onde chegamos. O aparente dilema que se coloca é o de escolher, nesta altura do desastre, o que queremos salvar: reconstruir a ética, banindo imediata e severamente a parcela corrupta da classe política e econômica, ou salvar primeiro e imediatamente a economia, com a ajuda supostamente necessária de políticos corruptos?

O dilema é falso. É só uma estratégia para nos escondermos das verdades que não queremos ver. A verdade é que a teoria da ética e sua pratica são coisas diferentes. E grande parte dos que defendem a prioridade urgente da salvação econômica considera a ética como uma bela teoria para palestras acadêmicas e conversas sociais, mas acredita que a economia tem regras próprias e urgências que não podem ser violadas por preocupações inoportunas com a ética.

Há quem acredite, e parece ser uma minoria, que a pratica ética deva ser diária e começar em cada um de nós, e nas nossas casas, e deva marcar sempre toda ação econômica e política. Sem tréguas. Sob pena de o país ter melhorias econômicas sazonais, e voltar sempre ao ponto de partida, com os interesses das economias pessoais sobrepondo-se aos interesses da economia comum e pública.

Há quem acredite que a Política é indispensável e é preciso salvá-la dos maus políticos, sem solavancos mas de forma determinada, urgente e jurídica.

Digo que o dilema é falso porque acredito que a economia e a política possam ser éticas, na teoria e na prática. Imaginar que reformas econômicas urgentes exijam uma tolerância ética temporária com políticos corruptos é, na verdade, desacreditar na ética como fator decisivo e necessário de construção e estabilização de sociedades econômica e politicamente desenvolvidas. O país tem que enfrentar as suas próprias verdades e ter a coragem de conviver com o que valoriza, sem discursos hipócritas sobre aquilo a que não dá valor. Nossas escolhas traçarão os nossos destinos.

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*Celso Mori é advogado.

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