O instituto da arbitragem tem tido considerável desenvolvimento no Brasil, em especial após sua reformulação pela lei 9.307/96, e da decisão do STF de dezembro de 2001 (Agravo Regimental em Sentença Estrangeira 5.206) que reconheceu a constitucionalidade da referida legislação. A partir disso, nota-se uma utilização crescente de cláusulas arbitrais em contratos, elegendo a arbitragem como método de solução de litígios.
Contudo, a utilização da cláusula arbitral é aspecto que demanda algumas reflexões, quanto às suas possibilidades e efeitos.
De início, cabe destacar que a utilização de arbitragem exige a presença de alguns pressupostos. De acordo com o artigo 1º da lei 9.307/96, devem as partes ser capazes e o objeto do litígio envolver direito patrimonial disponível.
Ainda, terceiro pressuposto é a concordância das partes na utilização da arbitragem que, conforme o artigo 3º da lei, se dará através da figura da convenção de arbitragem, que é gênero composto pelas espécies da cláusula arbitral e do compromisso arbitral. Tais espécies diferenciam-se, pois a cláusula é instrumento destinado à contratação da arbitragem anteriormente à existência do litígio, de forma que ela é medida preventiva (por não se saber se o litígio de fato existirá). O compromisso arbitral, por sua vez, é contrato que prevê a arbitragem para litígio já existente. Dada essa diferença, na prática a forma de convenção mais utilizada é a cláusula, pela qual as partes de um contrato estabelecem previamente a arbitragem como mecanismo de solução de eventuais conflitos futuros.
No entanto, nem todo contrato admite a inclusão de cláusula arbitral. Isso porque, para verificarmos a possibilidade de utilização da via arbitral, além da presença dos pressupostos anteriormente mencionados, é necessário também analisar a relação entre as partes do contrato, dado que a possibilidade de uso da cláusula irá depender dessa relação.
Em um contrato entre partes em relativa igualdade, em que seja possível a livre negociação de cláusulas e condições, a inserção de cláusula arbitral é plenamente válida, bastando estar escrita no contrato ou em outro documento que a ele faça referência (nos termos do art. 4º, parágrafo 1º da lei), independentemente de outras formalidades. Logo, nessas circunstâncias, a simples existência da cláusula em contrato já vincula plenamente as partes e impõe a solução arbitral.
No entanto, a situação muda consideravelmente caso exista um desequilíbrio de forças entre as partes contratantes. Nesse sentido, em se tratando de contrato por adesão, a eficácia da cláusula (e por consequência a vinculação à arbitragem) demanda mais elementos que a mera inserção da cláusula em contrato. Isso porque, nos termos do art. 4º, parágrafo 2º da lei 9.307/96, em contratos por adesão a eficácia da cláusula depende de o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. Portanto, a lei admite a utilização da cláusula arbitral nessas circunstâncias, mas com exigências adicionais.
Por fim, situação extrema se verifica quando a relação entre as partes caracterizar uma relação de consumo, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Neste caso, o artigo 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor prevê que é nula de pleno direito a cláusula contratual que determine a utilização compulsória de arbitragem, de modo que se impede a estipulação prévia de solução por arbitragem nessas situações, não ficando o consumidor vinculado à cláusula porventura existente, dada a determinação de sua nulidade expressa.
Esse raciocínio, pelo qual se reconhecem três situações distintas em relação à cláusula arbitral, foi aplicado pela Terceira Turma do STJ, como verificado no REsp 1.169.841, em que constou da ementa o seguinte entendimento:
"Com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade:(i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4º, § 2º, da lei 9.307/96 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da lei 9.307/96"¹
Logo, a utilização de cláusula arbitral em contratos deve levar em consideração os elementos acima mencionados, para se identificar seu real alcance e o vínculo que impõe às partes.
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1 Note-se que a vedação ao uso de cláusula arbitral em relação de consumo se restringe à contratação prévia da arbitragem, não impedindo, contudo, que posteriormente ao litígio as partes instituam arbitragem se assim desejarem. Essa ressalva constou expressamente da ementa do REsp 1.169.841, nos seguintes termos: "2. O art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral."
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*Fernando Schwarz Gaggini é advogado e professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.