Migalhas de Peso

Entenda a discussão em torno do Funrural

O objetivo do Funrural é subsidiar os benefícios assistenciais destinados aos trabalhadores rurais.

23/5/2017

Tem-se veiculado, na imprensa, notícias relacionadas às negociações travadas entre a Receita Federal e bancada ruralista sobre dívidas e pagamentos futuros com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - Funrural. A discussão foi retomada porque o Governo pretende editar uma Medida Provisória que deverá definir as novas alíquotas para o tributo.

A contribuição social tornou-se constitucional no final de março, quando o STF, com repercussão geral reconhecida, proferiu a decisão no Recurso Extraordinário 718874. O tributo incide sobre a receita bruta obtida com a comercialização da produção rural. Por seis votos a cinco, os ministros do STF validaram a tributação do empregador rural, em 2,1% de sua produção.

A contribuição substitui a cota patronal do encargo previdenciário, acrescido do percentual dos Riscos Ambientais do Trabalho – RAT. Em 2011, ela foi considerada ilegal pelo STF, provocando uma alta da inadimplência entre os agricultores brasileiros.

O Funrural, que está previsto no artigo 25 da lei 8.212/91 (com redação dada pelas leis 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/01), foi criado com o escopo de subsidiar o pagamento de benefícios assistenciais aos trabalhadores rurais. No entanto, com a Constituição de 1988, os recursos foram destinados ao Regime Geral da Previdência para compor as verbas que financiam a aposentadoria no país.

O que pretende a Receita Federal?

A proposta da Receita Federal do Brasil para o texto da Medida Provisória é reduzir a alíquota da contribuição social, incidente sobre a comercialização da produção rural, de 2,1% para 1,8%.

O Governo Federal também propõe a instituição do Refis para o produtor, com o objetivo de promover o refinanciamento de débitos tributários contraídos com o Funrural. Com isto, o poder público deve refinanciar um passivo de 15 anos, perdoando juros e multa da dívida a ser paga. Acredita-se que, mantendo a alíquota do Funrural em 2,1%, este passivo seja quitado.

No dia 16 de maio de 2017, a Fazenda também propôs aos ruralistas que os produtores inadimplentes quitem, a partir de dezembro deste ano, no mínimo, cinco parcelas mensais correspondentes a 5% do valor total de suas dívidas com o Funrural. Em maio de 2018, estes profissionais passariam a pagar o percentual de 2,3%.

O que pretendem a Frente Parlamentar da Agropecuária e as entidades ruralistas?

A bancada e as entidades ruralistas negociam uma redução para a contribuição social do Funrural entre 1,2% e 1,4%. As porcentagens continuariam a incidir sobre a comercialização da produção rural e valeriam para pagamentos futuros.

Estas instituições consentem com o Governo no que diz respeito ao Programa de Refinanciamento de Débitos Tributários – Refis, que deverá parcelar cerca de R$ 10 bilhões, com desconto em multas e juros.

Representantes da Frente Parlamentar da Agropecuária ainda chegam a afirmar que, após quitados os passivos dos produtores, a bancada pretende propor a extinção do Funrural. No entanto, no setor da agropecuária, há divergência sobre o tema. Produtores com alta mecanização na produção preferem que a contribuição seja substituída por outro tributo incidente sobre a folha de pagamento. Por outro lado, produtores de lavouras intensivas em mão de obra, como o café, têm preferência pela manutenção do Funrural.

Veja o que algumas entidades propõem para o tributo:

- A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA apóia a Frente Parlamentar Agropecuária para obter o parcelamento alongado de dívidas passadas, sem a cobrança de juros e multa. A entidade também quer a redução da alíquota do Funrural.

- A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão – Abrapa possui algumas propostas para as dívidas do passado. Uma delas refere-se ao parcelamento do valor devido nos últimos cinco anos, sem juros, correção monetária e multa.

A associação ainda defende que o produtor rural deve ter liberdade para escolher entre recolher para a seguridade sobre a receita bruta ou recolher sobre a folha de pagamento.

Além destes pontos, a entidade acredita que não deva ser negociado nada a respeito da equiparação entre os produtores rurais pessoas físicas e os produtores rurais pessoas jurídicas. Isto porque, para a Abrapa, o que os diferencia é apenas o padrão contábil de sua atividade.

- A Associação dos Produtores de Soja do Brasil – Aprosoja Brasil e entidades vinculadas ao Instituto Pensar Agro – IPA não adotaram ainda um posicionamento, pois aguardam a publicação do acórdão do STF sobre o tema.

- O Ministério da Agricultura acredita na implementação de um Programa de Refinanciamento de Débitos – Refis.

Quais os parâmetros da negociação?

Até as últimas negociações, o valor da alíquota tendia a convergir para 1,5%, com cobrança de 0,2% destinados ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - Senar e mais 0,1% a título de acidente de trabalho.

Para se obter o valor de 1,5%, o novo Funrural precisa apresentar uma alíquota de 1,2%. Hoje a alíquota cheia corresponde a 2,3% da comercialização da produção rural.

Em relação às dívidas antigas, técnicos da receita afirmam que apenas será possível perdoar 100% dos juros. As multas deverão ser reduzidas em 25%.

Últimas negociações sobre o Funrural

No dia 15 de maio de 2017, noticiou-se na imprensa que o Governo Federal teria decidido pela redução da alíquota do Funrural de 2,3% para 1,5%.

No que diz respeito aos produtores rurais pessoas físicas que deixaram de recolher o tributo enquanto permanecia discussão no STF sobre a legalidade de sua cobrança, os gestores públicos já sustentavam que deveriam continuar pagando temporariamente o tributo sob a alíquota de 2,3%, até quitar a totalidade da dívida.

Nesta mesma data, a Frente Parlamentar da Agropecuária, já afirmava o consentimento da Administração Pública em anistiar os juros das dívidas passadas, mantendo o porcentual de 25% para as multas.

O que é o Funrural?

O Funrural é o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, que, quando criado pela lei complementar 11 de 1971, fazia parte de um sistema de seguridade do campo. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e criação de um novo sistema de previdência, a contribuição foi extinta.

Em 1991, a lei 8.212 passou a exigir que produtores rurais empregadores deveriam contribuir com um valor referente ao resultado da comercialização de sua produção, além de um percentual de suas receitas, como contribuinte individual (artigo 25 da lei 8.212/1991, alterado pelas leis 8.540/92 e 9.528/97).

Em poucas palavras, pode-se definir o Funrural como a contribuição social devida pela produtor rural pessoa física em percentual, definido em lei, sobre o valor total das receitas obtidas pela comercialização de sua produção. O tributo substitui a cota patronal do encargo previdenciário, acrescido do percentual dos Riscos Ambientais do Trabalho – RAT.

O objetivo do Funrural é subsidiar os benefícios assistenciais destinados aos trabalhadores rurais. A partir da Constituição Federal de 1988, a arrecadação foi designada ao Regime Geral da Previdência, financiando a previdência de todos os brasileiros.

Qual é a alíquota do Funrural e quem deve pagar?

Atualmente a alíquota do Funrural é de 2,1%. Deste percentual, 2% correspondem a valores destinados ao INSS e 0,1% são reservados para a contribuição RAT (Riscos Ambientais do Trabalho). O Funrural é devido pelo produtor rural pessoa física que mantém empregados em sua propriedade.

Como as demais pessoas pagam o Funrural?

Agricultores familiares não empregadores são enquadrados como Segurados Especiais. A Constituição impôs a esses trabalhadores (Emenda nº 20/98), o recolhimento do Funrural sob a alíquota de 2,1% sobre a comercialização da produção.

O produtor rural pessoa jurídica também possui a sua contribuição patronal substituída, como ocorre com o agricultor pessoa física. No entanto, o valor da alíquota é de 2,6% sobre a comercialização da produção.

Há bitributação no pagamento do Funrural?

O produtor rural que pagar o Funrural não será bitributado, já que o tributo substitui a contribuição patronal incidente sobre a folha de pagamento. Assim, ao invés de o contribuinte pagar 20% sobre a folha de pagamento de seus empregados, deverá arcar com um valor correspondente a 2,1% incidente sobre a comercialização de sua produção. A vantagem está no fato da cobrança apenas ser realizada quando houver produção.

De qualquer forma, a contribuição devida pelo empregado, que varia entre 8% e 11%, deve ser descontada dele. Deste modo, não se deve confundir esta contribuição com a patronal, incidente sobre a receita do empregador rural.

Conclusão

O Brasil é um dos países com maior carga tributária no mundo. Pior: a matriz tributária brasileira incide fortemente sofre fatores produtivos e sobre o consumo. Desse modo, não se pode perder de vista que tanto produtores rurais, quanto agentes econômicos em etapas posteriores da cadeia produtiva serão prejudicados pela tributação que se desenha. Mais: qualquer incremento nos custos de produção implicará acréscimo em preços de produtos agropecuários em desfavor dos consumidores. Enfim, seja qual for a alteração legislativa que prevaleça a respeito do Funrural, não se pode desconsiderar a visão do todo no setor econômico mais pujante do país: o agronegócio.

_____________

*Adamir de Amorim Fiel é advogado do escritório AB&DF Advocacia e Consultor Jurídico em Brasília e em Alagoas. Procurador do Distrito Federal.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

A insegurança jurídica provocada pelo julgamento do Tema 1.079 - STJ

22/11/2024

Penhora de valores: O que está em jogo no julgamento do STJ sobre o Tema 1.285?

22/11/2024

ITBI - Divórcio - Não incidência em partilha não onerosa - TJ/SP e PLP 06/23

22/11/2024

Reflexões sobre a teoria da perda de uma chance

22/11/2024

STJ decide pela cobertura de bombas de insulina por planos de saúde

22/11/2024