Em meio aos acalorados debates que envolvem as Reformas Trabalhista e Previdenciária, que ganharam a mídia e a atenção dos brasileiros, existe um importante instituto passando por atualizações, sem o necessário destaque: o licenciamento ambiental.
O licenciamento ambiental não é um bicho de sete cabeças e nem um entrave ao desenvolvimento do país, como às vezes alguns fazem parecer. Trata-se meramente de um instituto legal que visa conferir segurança jurídica e sustentabilidade às atividades econômicas legalmente autorizadas. É uma ferramenta de suma importância para que o Estado tenha mecanismos para autorizar e fiscalizar as atividades e empreendimentos potencialmente poluidores, determinando ao particular como melhor operar sua propriedade, estipulando medidas que mitiguem ou compensem os impactos ambientais oriundos dessas atividades, garantindo que a propriedade seja utilizada de forma a garantir o direito ao desenvolvimento, sem gerar um desequilíbrio ambiental.
A licença ambiental tem a função principal de garantir que o uso da propriedade esteja de acordo com as diretrizes ambientais. Ela se assemelha ao licenciamento de condução de veículos, em que o Estado confere aos habilitados a autorização de condução de seus automóveis. Em ambos os casos, o particular pode ter a propriedade da coisa (veículo ou terra), mas depende da autorização do Estado para utilizá-la. Apesar de primordialmente ter esta natureza, a licença ambiental muitas vezes é confundida como um meio de garantia do desenvolvimento social regional, quando na verdade este desenvolvimento deveria ser uma consequência da correta utilização da propriedade, e não uma transferência de obrigações do Poder Público aos empreendedores.
Reiteradamente, nas condicionantes para a emissão das licenças, o Poder Público estipula obrigações sem qualquer relação com os efeitos ambientais que aquele empreendimento ocasionará, como a construção de escolas, de postos de saúde, a distribuição de eletrodomésticos e até obras de saneamento básico para determinadas regiões. Essa possibilidade normativa encarece os investimentos, causa imprevisibilidade, insegurança jurídica e aumenta o famoso "custo Brasil".
Há mais de dez anos existem projetos de lei no Congresso Nacional que tratam do assunto, buscando regulamentar o tema através de legislação específica, mas foi só a partir de uma insatisfação da indústria brasileira, que se aliou aos produtores rurais com intuito de desburocratizar o processo de licenciamento, e após o desastre do rompimento da barragem em Mariana/MG em 2015, que a necessidade de modernização da nossa legislação ganhou tração e protagonismo nas pautas de discussão política brasileira.
No entanto, é comum observar que o discurso que permeia as alterações legislativas referentes ao tema várias vezes possui conotação negativa, sem, no entanto, apontar fatos concretos para esse suposto "afrouxamento", "retrocesso" ou "flexibilização" da lei.
Hoje, os critérios e prazos para o "licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos potencialmente poluidores ou capazes de gerar impactos ambientais" estão estabelecidos por resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), especialmente nas Resoluções 1/86 e 237/97.
Essas normas foram criadas de maneira unilateral, ou seja, não foram submetidas a nenhum debate com a sociedade civil, por meio de seus representantes eleitos. Além disso, desde a edição da LC 140, em 2011, que tratou da cooperação federativa com relação a proteção do Meio Ambiente, as normas ficaram desatualizadas.
Isso se dá porque o serviço prestado não está otimizado para as necessidades atuais. Deve haver uma maior previsibilidade e segurança jurídica para os empreendedores e investidores, bem como uma melhor efetividade do serviço prestado. Os custos socioambientais embutidos nas licenças Ambientais hoje chegam a 27% do valor dos empreendimentos, fato que muitas vezes inviabiliza a atividade, tornando a licença proibitiva e não-orientativa. É preciso desburocratizar, modernizar e dar transparência e responsabilidade para o licenciamento ambiental.
Existem pontos na lei que merecem ser preservados, como a utilização exclusiva dos critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento para a avaliação de sua viabilidade. Isto garante que não haverá o temido "afrouxamento" em áreas urbanas, caso se optasse por critérios baseados em localização, por exemplo, e nem a temida "proibição" caso o empreendimento esteja localizado em uma área não urbana ou nativa.
No entanto, existem pontos que devem ser alterados, já que a experiência que tivemos desde os anos 80, quando houve a promulgação da Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938, de 31 de agosto de 1981), nos mostrou melhores e mais eficientes caminhos.
A LC 140 aduz que é objetivo fundamental da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover a gestão descentralizada do meio ambiente. Portanto, faz sentido que os Estados, responsáveis por mais de 90% dos licenciamentos ambientais no país, que, portanto, conhecem bem sua realidade e sua necessidade, definam os critérios para os licenciamentos ambientais em seu território e biomas. A concentração dessas atividades no plano federal geraria uma desnecessária burocracia, trazendo maior custo e morosidade ao procedimento.
Discute-se também, nos fóruns de debate, incluir um critério locacional para a emissão de licenças ambientais além do porte e o potencial poluidor previstos na LC 140. Esse critério seria definido de acordo com a relevância ambiental da área, estipulado pelos mapas de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade. O decreto 5.092, de 21 de maio de 2004, definiu que o Ministério do Meio Ambiente, unilateralmente, deveria definir as regras para identificação de áreas prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade.
A crítica do setor produtivo a essa ferramenta está justamente calcada na burocracia, morosidade e imprevisibilidade que ela pode trazer. Segundo estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, 80% do território brasileiro pode ser considerado como de alta relevância ambiental, o que transformaria qualquer atividade ou empreendimento nessas áreas passíveis dos mais rigorosos e onerosos estudos para emissão da licença.
Outro ponto que merece debate é a forma de manifestação de órgãos como a FUNAI, ICMBio, IPHAN, entre outros, que hoje se dá de maneira vinculante e sem prazo, o que ocasiona o travamento de obras e empreendimentos estratégicos para o desenvolvimento do país, seja por falta de pessoal especializado dentro desses órgãos, ou por falta de vontade política dos seus servidores. Fixar prazos para sua manifestação e especificar em quais áreas essa manifestação é necessária certamente seriam medidas que agilizariam o processo. Não vemos como lógico, por exemplo, a FUNAI ter a prerrogativa de se manifestar e muitas vezes atrasar o andamento de obras estratégicas que estejam a uma distância de até 40 quilômetros de populações ou de terras indígenas, e que não terão quaisquer impactos nestas comunidades.
Mas o principal ponto pelo qual o licenciamento ambiental simplesmente não é eficaz hoje é o fato de as Secretarias de Meio Ambiente estarem sufocadas com o elevado volume de trabalho. O excesso de licenciamentos que devem emitir inundou e tornou muitos desses órgãos praticamente inoperantes.
Portanto, um dos pontos cruciais que devem ser abordados nessa nova dinâmica seria isentar do licenciamento áreas de agricultura e pecuária extensiva, se a propriedade estiver regularizada de acordo com o Código Florestal. A previsão de atividades dispensadas de se submeter ao procedimento de licenciamento ambiental não pode ser confundida com a ideia de que estariam eximidas do cumprimento de medidas de proteção ambiental, já consagradas na legislação de regência.
As atividades rurais já obedecem a uma série de legislações que suprem a necessidade de um licenciamento ambiental, como a lei de crimes ambientais, a de uso de defensivos agrícolas, a de uso de água, além do Código Florestal. Seria inviável, principalmente para os órgãos estaduais e municipais de meio ambiente, condicionar cada novo plantio à necessidade de emissão de uma nova licença.
Quando o órgão ambiental deixa de designar esforços para apreciação de milhares de licenças desnecessárias (como as de atividades agropecuárias, de melhorias de estradas já abertas ou da manutenção de linhas de transmissão de energia), ele pode se concentrar em prestar um serviço de maior qualidade para as questões que tem maior impacto e necessidade de controle, como os casos de barragens e indústrias. É simplesmente fazer o órgão ambiental se focar nas questões mais importantes, de modo a efetivamente proteger o meio ambiente sem engessar o país.
É importante lembrar que garantir o desenvolvimento nacional é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, e está estampado no art. 3º da Constituição da República. Ao mesmo tempo, também é objetivo do país garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, nos moldes do art. 3º da LC 140. Dessa forma, não há como ser radical para nenhum lado: temos que evoluir e nos desenvolver, e devemos aliar esse avanço com equilíbrio ambiental.
Para essa proteção ambiental ser efetiva, o melhor caminho é otimizar o importante trabalho das secretarias de meio ambiente e demais órgãos integrantes do SISNAMA, respeitando o princípio do federalismo, oferecendo-lhes uma legislação mais eficaz e atual, que sobretudo os ajude a se concentrar nos empreendimentos que exigem maior cuidado e dedicação.
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*Fabio Monteiro Ferreira é advogado, especialista em Direito Ambiental do escritório Ferraz Advogados Associados.
*Gustavo de Assis Carneiro é engenheiro agrônomo e especialista em Direito Ambiental.