O contrato surgiu no direito romano, em um ambiente de formalismo e inspiração religiosa, suas bases legais se firmaram no direito canônico assegurando à vontade humana a possibilidade de criar direitos e obrigações.
A teoria da liberdade contratual ganhou máxima legitimidade após a Revolução Francesa em 1789, quando filósofos e juristas perceberam e afirmaram a obrigatoriedade das convenções, equiparando-as, para as partes contratantes à própria lei. Surge, assim, o princípio da pacta sunt servanda.
Nessa senda, negócio jurídico, por ser a maior expressão da autonomia privada, é sem dúvida o tema mais importante vertente sobre o direito privado, contudo, pelo curso da história, sofreu importantes modificações.
Essa liberdade conferida às pessoas, através de limites impostos pelo Estado, para que estabelecessem pactos por meio da manifestação de suas vontades, faz com que os bens e as riquezas circulem por todo o país.
Como vimos, a visão clássica, oriunda do Estado Liberal, ganhou força após a Revolução Francesa com a promulgação do Código Napoleônico, no entanto, a história nos fez passar por momentos turbulentos e após a Segunda Guerra Mundial, o Direito foi reanalisado em todo o mundo.
Para uma análise mais pragmática, tomemos aqui três pontos de extrema importância.
Primeiro, a promulgação da CF em 1988, ao trazer para o centro das discussões jurídicas o ser humano. O que por óbvio não faz com que o viés patrimonial seja deixado de lado, mas eleva o ser humano a um status antes nunca ocupado, implementando os conceitos de solidariedade, desenvolvimento nacional, promoção do bem de todos, objetivos esses que conduzem em conjunto para a máxima efetivação do axioma maior, a dignidade da pessoa humana.
Segundo, o reconhecimento dos direitos de personalidade, sobretudo após a publicação da obra do professor Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, objeto de seu doutorado, denominado O Direito Geral de Personalidade. Esse trabalho consiste numa análise de todas as constituições democráticas vigentes à sua época, a fim encontrar um direito que a todas fosse comum.
Em todos os países ditos democráticos que foram analisados, houve esse fenômeno de elevar a pessoa como centro das relações, reconhecendo o direito de personalidade como algo inerente ao ser humano.
Em terceiro lugar, menciono o Novo CC (2002) cujos fundamentos estão na socialidade, eticidade e operabilidade, ou seja, mais uma vez nos devolve ao centro das relações jurídicas, lugar em que o ser humano ocupa posição de maior destaque.
Isso para dizer que os negócios jurídicos, antes consagrados pela força dos pactos, objetividade das relações e amparados tão somente pelos critérios de validade e eficácia, hoje tomaram novo rumo, ao passo que há vasta doutrina e também jurisprudência revisando e até mesmo resolvendo negócios jurídicos com base em elementos chamados laterais.
Os deveres secundários comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica. Assim, podem ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, de guarda, de cooperação, de assistência, todos eles fundados no valor da probidade na relação negocial.
Vetores interpretativos do Novo Código Civil
Socialidade é um vetor que impõe prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, respeitando os direitos fundamentais da pessoa humana.
Aqui, o que se leva em consideração é a potencialidade de os negócios jurídicos afetarem terceiros, envolvidos ou não na relação. Isso porque os contratos, quando analisados para além do pacto estabelecido entre as partes, são instrumentos responsáveis pela circulação de riquezas e sendo assim, tem potencial de ser ofensivo a Ordem Econômica.
A título de exemplo, princípio da função social do contrato, da propriedade, residência do objeto de estudo do Direito Civil Constitucional.
Operabilidade se traduz na implementação de soluções viáveis, operáveis e sem grandes dificuldades para a aplicação do direito. Não basta que as obrigações estabelecidas em um contrato sejam exequíveis, devem ser aplicadas de modo simples. O que alguns chamam de princípio da concretude pelo qual deve-se pensar em solucionar o caso concreto de maneira mais efetiva, isto é, tornar tangível as normas positivadas.
Eticidade é um conceito associado a justiça e boa-fé nas relações civis. No contrato, esse princípio tem aplicação em todas as fases (pré-contratual, contratual e pós-contratual). Trata-se de prestações idôneas entre as partes e a sociedade, o corolário desse princípio é a boa-fé objetiva (art. 422 do CC).
Deveres Laterais, Secundários ou Anexos das obrigações
Os deveres nascem a partir da incidência de comportamentos, ou seja, sua matriz não é puramente normativa, mas prática, por isso são denominados secundários, anexos ou instrumentais.
Em nosso CC, os deveres laterais não aparecem formando um sistema, mas em alguns artigos se fazem presentes, de regra, relacionados com culpa, são eles:
Venire contra factum proprium – é o ato inicial que o sujeito, futuramente, irá contrariar. Esse elemento tem por objetivo homenagear a credibilidade como segurança nas relações jurídicas e sociais. Aqui também, ainda que segundo plano, alude à segurança jurídica.
Supressio – pode ser compreendida como o fenômeno da perda, ou seja, a supressão de uma expectativa jurídica, alterada pelo decurso de uma prestação que se perfaz no tempo. Estaria esse instituto amparado pelo art. 330 do Código Civil.
Surrectio – consiste na extensão do conteúdo do negócio jurídico celebrado, levando em consideração a conduta de uma das partes que gera, na outra, a expectativa da existência de um direito diverso àquele expressamente avençado.
Tu quoque – é a inconsistência ou incoerência do comportamento da parte, que viola a boa-fé objetiva, encontramos essa figura na doutrina, com respaldo na jurisprudência, como modalidade de abuso de direito (art. 187 CC).
Caso essas ideias pareçam naturais a você, leitor, saiba que na prática não é sempre assim. Vivemos em um momento de choques ideológicos.
Em primeiro grau, juízes movidos por esses ideais proferem decisões a valorar os interesses da pessoa, na prática, significa dizer que contratos são revisados, cláusulas declaradas nulas e algumas vezes o contrato por inteiro.
Porém, o judiciário, por vezes, não julga conforme estes preceitos, tendo em vista uma visão mais conservadora que pode preponderar vez ou outra.
Daí a necessidade de se perceber o conflito e a quebra de paradigma. Devemos, veementemente, introduzir esses novos valores para, diante disso, passarmos à análise dos pactos privados à luz da Constituição, compreendendo o ser humano como o centro, do ordenamento jurídico. Afinal, na festa da vida, somos todos convidados e não penetras, a todo momento seremos reconduzidos ao mínimo para que cada ser humano viva bem, diga-se, dignamente.
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