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Decisão do TST que manteve ultratividade de normas coletivas é suspensa por liminar do ministro Luiz Fux, do STF

Em análise preliminar o ministro Luiz Fux avaliou que a Corte Trabalhista “parece” ter ofendido a liminar do ministro Gilmar Mendes proferida na ADPF 323.

11/5/2017

O ministro Luiz Fux, do STF, concedeu liminar na Reclamação (RCL) 26256 para suspender os efeitos da decisão do TST que aplicou o princípio da ultratividade das normas coletivas sob o fundamento de que a decisão, em análise preliminar, ofende a liminar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes, que determinou a suspensão de todos os processos e efeitos de decisões no âmbito da Justiça do Trabalho sobre o assunto.

A controvérsia envolve a Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho a qual estabelece que as cláusulas normativas de acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho, inclusive quando elas já deixaram de vigorar, até que novo acordo ou convenção coletiva seja firmado. Trata-se do chamado princípio da ultratividade da norma coletiva.

A liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes ocorreu em 19 de outubro de 2016, enquanto a decisão do TST foi tomada uma semana depois, em 26/10/2016, que negou provimento ao recurso contra acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) no qual fixou piso salarial a um comerciário, seguindo convenção coletiva válida entre 2011 e 2013, até nova negociação.

O Sindicato dos Empregados no Comércio de Lagoa Vermelha (RS) reclamou da decisão junto ao STF (RCL 26256). Em análise preliminar o ministro Luiz Fux avaliou que a Corte Trabalhista “parece” ter ofendido a liminar do ministro Gilmar Mendes proferida na ADPF 323.

Da decisão do ministro Gilmar Mendes proferida na ADPF 323.

A Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino - CONFENEN propôs ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida liminar, junto ao Supremo Tribunal Federal, a ADPF 323.

A ação tem por objeto interpretação jurisprudencial conferida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pelos Tribunais Regionais do Trabalho da 1ª e da 2ª Região, ao artigo 114, parágrafo 2º, da CF, na redação dada pela EC 45, de 30 de dezembro de 2004, consubstanciada na Súmula 277 do TST, na versão atribuída pela Resolução 185, de 27 de setembro de 2012.

A nova redação sumular estabelece que as cláusulas normativas de acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho, inclusive quando elas já deixaram de vigorar, até que novo acordo ou convenção coletiva seja firmado.

A requerente sustenta que o entendimento do TST se fundamenta em suposta reintrodução do princípio da ultratitividade da norma coletiva no sistema jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional 45/2004. A simples inserção da palavra “anteriormente” no artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição Federal, seria a autorização do poder constituinte derivado para tal dedução.

Confira-se, a redação do artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição Federal, em sua versão atual e na anterior à Emenda Constitucional 45/04, com destaque para a alteração redacional:

Art. 114, parágrafo 2º, CF (versão atual): “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

Art. 114, parágrafo 2º, CF (versão anterior à EC 45/04): “Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.

A CONFENEN entende que a nova versão da Súmula 277 do TST tem como base interpretação arbitrária da norma constitucional. Alega ainda que o TST teria usurpado as funções do Poder Legislativo ao reintroduzir, sem suporte legal, princípio que já fora objeto de legislação específica.

Indica como preceitos fundamentais violados o princípio da separação dos Poderes (artigos 2º e 60, parágrafo 4º, inciso III, CF) e o da legalidade (artigo 5º, caput, CF).

Afirmou ainda a CONFENEN que o TST tinha entendimento consolidado de que as normas coletivas não se incorporavam ao contrato de trabalho, na medida em que sua aplicação estava vinculada ao prazo de sua vigência.

O TST editou, neste sentido, em 1º de março de 1988, a Súmula 277, com a seguinte redação:

“As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos”.

Em 16 de novembro de 2009 foi alterada a Súmula 277, em sessão do Tribunal Pleno, que passou a fazer referência expressa às convenções e aos acordos coletivos e acrescentou à redação da súmula ressalva à regra geral para o período de sua vigência, em observância ao artigo 1º, parágrafo 1º, da lei 8.542/92, que expressamente previu a ultratividade das normas coletivas, isto é, que as cláusulas de convenção ou acordos coletivos de trabalho somente poderiam ser modificadas por norma igualmente coletiva.

A Súmula 277 passou a ter, então, a seguinte redação:

“Nº 277. Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivo. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho.

I- As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.

II. Ressalva-se da regra enunciado no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória 1.709, convertida na lei 10.192, de 14/2/2001”.

E esse posicionamento foi revisto na “Semana do TST”, realizada em setembro de 2012, com o objetivo de modernizar e rever a jurisprudência e o regimento interno daquela Corte.
Foi editada, então, a Resolução 185, de 14 de setembro de 2012 que alterou diversas súmulas e orientações do TST.

Assim, a redação atual da Súmula 277 é a seguinte:

“CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14/09/2012) – Res. 185/2012, DEJT ADPF 323 MC/DF divulgado me 25,26 e 27/9/2012. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”.

A CONFENEM aponta que essa alteração, sem precedentes jurisprudenciais, está fundamentada no entendimento de que o artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição Federal, na redação conferida pela Emenda Constitucional 45/2004, teria instituído o princípio da ultratividade e, assim, seria possível considerar que as cláusulas normativas se incorporam ao contrato de trabalho individual até que novo acordo ou convenção coletiva viesse a ser firmado.

Sustenta ainda a Confederação que a introdução do vocábulo “anteriormente” à expressão “convencionadas” não significa nenhuma alteração substancial do dispositivo em questão, pois manteve a diretriz da Constituição 5 de 1988, ou seja, o entendimento direto dos interlocutores sociais como meio preferencial na solução dos conflitos coletivos.

Mais adiante relata que tal alteração jurisprudencial despreza que o debate relativo aos efeitos jurídicos das cláusulas coletivas no tempo sempre esteve localizado no plano infraconstitucional, fato evidenciado pela edição da lei 8.542/92, que tratou do tema, mas foi revogada. Entende que a teoria da ultratividade das normas coletivas sempre esteve condicionada a existência de lei, não podendo ser extraída diretamente do texto constitucional.

Argumenta ainda a CONFENAN que a ofensa ao princípio da separação dos Poderes decorreria da indevida autuação do Poder Judiciário, que, ao interpretar o artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição Federal, teria instituído o princípio da ultratividade das normas coletivas de trabalho e, assim, usurpado as funções próprias do legislador, deslocando a competência de elaboração de norma jurídica de forma indevida.

Entende que houve ofensa ao princípio da legalidade, pelo fato de que a nova interpretação jurisprudencial do TST teria o efeito de “ressuscitar um dispositivo legal revogado, no caso, o artigo 1º, parágrafo primeiro da lei 8.542, de 23 de dezembro de 1992, revogada pela lei 10.192. de 23 de dezembro de 2001, que converteu a Medida Provisória 1.709, revigorando a aplicação da chamada ultra-atividade, regra não prevista na norma celetista em vigor”.

Aduz ainda a Confederação, que o Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o novo entendimento contido na Súmula 277 somente deve ser aplicado a situações posteriores à publicação da alteração da menciona regra sumular, o que ocorreu em 25 de setembro de 2012.

Diante de tais argumentos, requereu a concessão da medida liminar para suspender os efeitos das decisões judiciais que adotam o princípio da ultratividade condicionada das cláusulas coletivas, expressamente abolido do plano jurídico nacional pela revogação da lei 8.542/92, determinada pela lei 10.192/2001, além da sustação da tramitação dos feitos judiciais em que se discute a matéria, para impedir que novas decisões sejam proferidas nesse 6 sentido, garantindo-se a estabilidade jurídica e a paz social até julgamento final da lide, nos termos do artigo 5º, parágrafo 1º, da lei 9.882/99.

O STF, em análise preliminar à questão posta na ADPF 323 entendeu estar evidente que a alteração jurisdicional consubstanciada na nova redação da Súmula 277 do TST suscita dúvida sobre a sua compatibilidade com os princípios da legalidade, da separação dos poderes e da segurança jurídica.

Asseverou que o novo entendimento do Tribunal Superior do Trabalho objeto da ADPF tem como fundamento a alteração redacional feita pela EC 45/2004, no parágrafo 2º, do artigo 114 da Constituição Federal.

Segue com o entendimento de que a Corte Trabalhista passou a interpretar a introdução do vocábulo “anteriormente” à expressão “convencionadas” como suposta reinserção do princípio da ultratividade condicionada da norma coletiva ao ordenamento jurídico brasileiro. Entendimento que tem sido reiteradamente aplicado em consulta à jurisprudência trabalhista.

Ressalta que em princípio o TST parece valer-se de alteração meramente semântica, que não pretendeu modificar a essência do dispositivo constitucional e, consequentemente, aumentar o âmbito de competências da Justiça do Trabalho.

Neste sentido, o ministro Gilmar Mendes cita em sua decisão, o entendimento do ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho o qual esclarece que a palavra “anteriormente” foi introduzida no parágrafo 2º, do artigo 114 da Constituição Federal em verdade para especificar, ainda mais, o limite mínimo a ser respeitado pelo poder normativo da Justiça do Trabalho.

Segundo o ministro Martins Filho “verifica-se, pois, que o dispositivo constitucional em comento não trouxe, na verdade, elemento novo em relação à incorporação das normas coletivas aos contratos individuais de trabalho, senão reflexa e parcialmente, na medida em que impõe a manutenção, na sentença normativa posterior, das vantagens constantes do 7 instrumento coletivo anterior, se este era convenção ou acordo (natureza convencional e não impositiva) ”.

Assim, entende o ministro Gilmar Mendes que se há norma convencional anterior, a Justiça do Trabalho não pode estabelecer, por seu poder normativo, ao julgar dissídio coletivo, condição menos favorável ao trabalhador do que aquela prevista no acordo ou na convenção coletiva que será por ela substituída por sentença normativa.

Prossegue sustentando o ministro que o vocábulo introduzido pela EC 45/2004 é voltado, portanto, a delimitar o poder normativo da Justiça do Trabalho. Na hipótese de não ser ajuizado dissídio coletivo, ou não firmado novo acordo, a convenção automaticamente estará extinta.

Logo, o ministro Relator Gilmar Mendes entende que o espírito do legislador constituinte de forma alguma revitalizou o princípio da ultratividade da norma coletiva, de forma que não apenas o princípio da legalidade, assim como o da separação de poderes afigura-se atingido com essa atuação indevida do TST.

Para ele, além dos dois princípios assinalados, ofende a ultratividade a supremacia dos acordos e das convenções coletivas (art. 7º, inciso XXVI, CF), que deve ser resguardada.

Acrescentou ainda que a Súmula 277 passou de uma redação que ditava serem as normas coletivas válidas apenas no período de vigência do acordo para o entendimento contrário, de que seriam válidas até que novo acordo as alterasse ou confirmasse, sendo que essa mudança de posicionamento da Corte Trabalhista vulnera o princípio da segurança jurídica.

Segundo ainda o ministro, "... se acordos e convenções coletivas são firmados após amplas negociações e mútuas concessões, parece evidente que as vantagens que a Justiça Trabalhista pretende ver incorporadas ao contrato individual de trabalho certamente têm como base prestações 8 sinalagmáticas acordadas com o empregador. Essa é, afinal, a essência da negociação trabalhista".

Encerrou sua decisão afirmando parecer estranho que apenas um lado da relação continue a ser responsável pelos compromissos antes assumidos em processo negocial de concessões mútuas.

Com tais fundamentos, deferiu o pedido formulado pela CONFENEN e determinou a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas.

Assim, em razão da liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, os litígios trabalhistas que versam sobre aplicação das cláusulas de convenções ou acordos coletivos que encerraram suas vigências, permanecerão suspensos até que o STF decida de forma definitiva sobre o espinhoso tema.

______________

*Denise Oliveira Fernandes Mahfouz é advogada associada do Jflora Sociedade de Advogados

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