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A apuração de haveres do sócio retirante no novo CPC e a jurisprudência do STJ

A reafirmação da jurisprudência sedimentada no âmbito do STJ é medida que se impõe, como meio de afastar iniquidades e distorções.

11/5/2017

O novo Código de Processo Civil dedicou disciplinamento à "ação de dissolução parcial de sociedade", porém o fez criando algumas condições que podem gerar distorções e injustiças no aspecto prático, conforme o modo como compreendidas e aplicadas.

Com efeito, restou estabelecido no artigo 609 que "uma vez apurados, os haveres do sócio retirante serão pagos conforme disciplinar o contrato social e, no silêncio deste, nos termos do § 2º do art. 1.031 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002".

Neste particular é importante ter em vista que é notório o fato do processo judicial de apuração de haveres não tramitar de modo célere, podendo levar meses ou anos para a definição de valores e sua respectiva estabilização nos autos, até que sobrevenha a efetiva oportunidade de pagamento.

Além disso, cumpre ter em mente que conquanto esta modalidade de ação seja admitida para diversas espécies de sociedades, o fato é que do ponto de vista social a norma processual gera importantes efeitos notadamente em relação às empresas constituídas sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidades limitada, afinal, apenas para se ter uma ideia de grandeza, segundo dados do Serasa Experian somente no ano de 2016 foram criadas 69.862 sociedades limitadas.

Ademais, é sabido que na sua grande maioria as sociedades por quotas de responsabilidade limitada estabelecem pagamento de haveres mediante parcelamento, justamente para minimizar o impacto em geral causado com a redução do capital social.

Neste sentido, cumpre ponderar os reflexos da incidência das regras processuais relativamente às sociedades limitadas que estabeleçam o pagamento de haveres de modo parcelado.

Assim, poderia surgir eventual dúvida se mesmo depois de transcorridos meses ou anos para a determinação dos haveres, bastaria ao final da apuração realizar o pagamento em conformidade com a quantidade de parcelas pactuadas, estando, portanto, superada a jurisprudência formulada ao longo de anos pelo Superior Tribunal de Justiça, no seguinte sentido:

"O prazo contratual previsto para o pagamento dos haveres do sócio que se retira da sociedade supõe quantum incontroverso; se houver divergência a respeito, e só for dirimida em ação judicial, cuja tramitação tenha esgotado o aludido prazo, o pagamento dos haveres é exigível de imediato." (Terceira Turma, REsp 1.371.843/SP, min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 20/0/14, DJe 26/3/14)

Em realidade, entender pela superação da jurisprudência seria o mesmo que respaldar o locupletamento ilícito por parte da sociedade.

Não se afigura escorreito pugnar pela insubsistência da jurisprudência, pois do contrário certamente vivenciaremos situações em que não obstante o longo transcurso processual, quiçá com anos de trâmite, a empresa ainda experimentaria a prerrogativa de pagar os haveres parceladamente, na forma de seu contrato social, aproveitando-se do interregno processual para utilizar o capital para outros fins, ao deixar de pagar oportunamente os haveres ao sócio retirante, configurando-se, assim, o indesejável enriquecimento sem causa.

A propósito, no voto relativo ao aresto citado é possível extrair as seguintes ilações:

"De fato, é assente no âmbito do STJ que se deve prestigiar o princípio da força obrigatória dos contratos, razão pela qual a apuração de haveres deve se proceder da forma como estabelecida em contrato. No entanto, a jurisprudência desta Corte também entende que nas hipóteses de enriquecimento sem causa ou ofensa à lei de ordem pública, tal princípio deve ser mitigado, além de que a cláusula contratual que prevê pagamento parcelado dos haveres do sócio retirante só pode ser aplicada em situações não litigiosas."

No mesmo diapasão é o trecho da seguinte ementa: "[...] O pagamento dos haveres do sócio retirante é exigível de imediato, caso ocorra o transcurso do prazo previsto no contrato social em decorrência de divergência, que só veio a ser dirimida pelo poder judiciário. Agravo Improvido." (Quarta Turma, AgRg no Ag 1100410/RJ, min. Luis Felipe Salomão, J. 4/6/09, DJe 22/0/09). A propósito, como bem salientado no voto condutor, "tal entendimento, por um lado, respeita a liberdade de contratar dos sócios, preservando a validade e a eficácia da cláusula de reembolso estabelecida no contrato social. Por outro lado, impede que a demora na prestação jurisdicional invocada favoreça a sociedade com a protelação do pagamento dos haveres, em detrimento do sócio retirante."

De fato, a morosidade na prestação jurisdicional não pode ser utilizada como subterfúgio que conduza à injustiça, como infelizmente pode suceder conforme o prisma com que se pretenda interpretar a nova sistemática processual.

A situação é mais delicada ainda quando se busca compreender a aplicação do artigo 604 do CPC, relativamente ao seu parágrafo primeiro, assim estabelecido: "O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos." Neste caso, sendo previsto o parcelamento, o que é absolutamente usual, terá que ser observado o disposto no parágrafo terceiro do aludido dispositivo, no seguinte sentido: "Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa."

Nesta linha, figure-se a hipótese de previsão contratual de pagamento de haveres em 12 parcelas, em que a sociedade realiza um balanço de determinação que não corresponda à realidade, e inicia os pagamentos mediante depósito judicial, conforme parcelamento avençado. Neste interregno tramita o processo de apuração dos haveres e em tempo superior ao prazo de parcelamento. Assim, transcorrido significativo período com depósitos de valores incontroversos parceladamente, evidencia-se, posteriormente, a existência de direito à percepção de valores superiores aos pagos pela sociedade. Neste caso então seria aplicável o disposto no artigo 609, com "novo parcelamento" do remanescente? A resposta coerente é pela negativa. Não se pode acreditar que seja esta a efetiva mens legis, isto é, a criação de um parcelamento ao arrepio do que fora efetivamente pactuado. Afinal, aplicar o dispositivo em dissonância com a jurisprudência sedimentada implicaria em atribuir no exemplo aventado um parcelamento em 24 vezes, sendo 12 para a parte incontroversa e mais 12 para a parte controversa.

Vale lembrar que em alguns casos sequer há o reconhecimento de parcela incontrovertida por parte dos sócios remanescentes, com a condução da apuração por meses ou anos, em período superior ao tempo de parcelamento. Neste caso, seria igualmente incoerente reconhecer um parcelamento a posteriori.

De se salientar, por fim, que a jurisprudência do STJ foi forjada na vigência do parágrafo 2º do artigo 1.031 do Código Civil, que reconhece a necessidade de observância das estipulações contratuais em matéria de apuração de haveres, quando houver convenção sobre o tema, na mesma linha do que fora estabelecido no art. 609 do CPC, que em realidade é mais uma reafirmação no âmbito processual daquilo que já estava disciplinado no plano material. Porém, a aparente novidade normativa não deve ser motivo para se reputar superada a compreensão jurisdicional sobre a temática.

Portanto, a reafirmação da jurisprudência sedimentada no âmbito do STJ é medida que se impõe, como meio de afastar iniquidades e distorções.

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*Adilson Pereira Júnior é mestre em Direito Civil e sócio do escritório Pedroso Advogados Associados.

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