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A legalização dos cassinos e bingos no Brasil: projetos de lei para criação dos marcos regulatórios dos jogos de azar

Todas as modalidades de jogos de fortuna exploradas economicamente pela iniciativa privada deverão ser submetidas à aprovação pelo Poder Executivo Federal.

3/5/2017

1. Introdução

Os cassinos e os bingos sempre foram objeto de discussão e regulação em todo mundo, sendo permitidos e incentivados em diversos países e proibidos em tantos outros.

No Brasil, os cassinos eram permitidos até a proibição realizada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, por meio do decreto-lei 9.215. Por sua vez, os bingos estão proibidos desde a edição da lei 9.981/00.
Todavia, existem projetos de lei para criar um marco regulatório para os jogos de azar e legalizar os cassinos, os bingos e demais jogos de azar.

2. O PL 442/91 da Câmara dos Deputados

O projeto de lei 442/91 em trâmite na Câmara dos Deputados foi proposto pelo então deputado Renato Vianna em 1991 para revogar dispositivos da lei de contravenções penais referentes à proibição do "jogo do bicho". Posteriormente, com a apresentação de dezesseis outros projetos ao longo dos anos para a exploração dos jogos de azar, tornou-se uma proposta de marco regulatório dos jogos de azar no Brasil.

2.1 Jogos de fortuna

O PL 442/91 pretende regulamentar a exploração dos seguintes "jogos de fortuna": (i) jogos de cassino; (ii) jogo de bingo; (iii) jogos lotéricos federais e estaduais; (iv) jogo do bicho; (v) apostas de quotas fixas; (vi) apostas eletrônicas. A exploração dos jogos será realizada pela iniciativa privada mediante licenciamento pela União, que será concedido por autorização ou concessão.

2.2 A regulamentação dos cassinos

Os jogos de cassino deverão ser explorados por complexo integrado de lazer, contendo serviços de bar e restaurante e apresentações artísticas e culturais, suplementares aos jogos de cassino.

A outorga dos cassinos para a iniciativa privada deverá ser feita mediante licitação na modalidade concorrência pública, do tipo técnica e preço e tendo como critério de julgamento o maior investimento proposto.

O projeto de lei prevê limite de cassinos dentro do território nacional: (i) um cassino por Estado ou Distrito Federal com população até 15 milhões de habitantes; (ii) dois cassinos por Estado ou Distrito Federal como população entre 15 e 25 milhões de habitantes; (iii) três cassinos, no máximo, por Estado ou no Distrito Federal quando a população for maior que 25 milhões de habitantes.

A instalação de cassinos em municípios considerados estâncias hidrominerais nos quais tenham funcionado cassino sob a vigência da lei anterior não está incluída nesses limites.

Ainda, é vedada a concessão de mais de um estabelecimento por Estado ou Distrito Federal, ou mais de cinco licenças no total para o mesmo grupo econômico. Outros limites poderão ser impostos pelo regulamento que será editado pela União.

A licença para o cassino será concedida pelo prazo de 30 anos, podendo ser renovada por igual período sucessivamente, desde que observados os requisitos legais.

2.3 A regulamentação dos bingos

Segundo o PL 442/91, os jogos de bingo poderão ser explorados nas casas de bingo, jóquei clube e em estádios de futebol. Há um limite máximo de 500 máquinas por casas de bingo e de 300 máquinas por jóquei clube ou estádio de futebol.

As entidades esportivas poderão explorar os jogos de bingo em estádios com capacidade acima de quinze mil torcedores ou em hipódromos de entidade turfística autorizada a captar apostas em corridas de cavalos.

A licença para exploração de jogos de bingo será concedida pelo prazo de vinte anos, renováveis por igual período.

2.4 A regulamentação do jogo do bicho

O licenciamento para exploração do jogo do bicho depende apenas da empresa comprovar possuir capital social integralizado de cinco milhões de reais e reserva de recursos para garantir o pagamento de obrigações e deveres decorrentes do PL 442/91. O prazo de licenciamento para jogo do bicho é indeterminado.

2.5 A regulamentação dos jogos lotéricos

O PL 442/91 prevê os jogos lotéricos federais e estaduais, pondo fim à proibição de jogos lotéricos estaduais.

Em nível federal, os jogos lotéricos serão controlados pelo Ministério da Fazenda e executadas diretamente pela Caixa Econômica Federal ou indiretamente mediante Concessão. A loteria federal permanecerá sujeita às regras vigentes.

Por sua vez, as loterias estaduais também serão exploradas respeitando a regulação federal sobre loterias. O PL 442/91 prevê que o a lei estadual ou distrital poderá criar instituição para regulamentar, licenciar ou explorar os jogos de loteria.

O Estado ou Distrito Federal poderá conceder a exploração da loteria estadual para a iniciativa privada por meio de concessões, com prazo de 20 anos.

2.6 A regulamentação dos jogos e apostas on-line

A exploração das apostas de quota fixa e das apostas eletrônicas também será feita mediante concessão de licença pela União e deverão atender aos mesmos requisitos para a concessão das demais modalidades de jogos de fortuna.

2.7 Jogo responsável

O PL 442/91 exige que sejam salvaguardadas a integridade e a segurança da exploração dos jogos de fortuna. Ainda, demanda que seja assegurada a conscientização da complexidade dessa atividade e a promoção de ações preventivas de sensibilização e informação, com a elaboração e códigos de conduta e difusão de boas práticas.

Trata-se de uma imposição geral de compliance e de boas condutas dos exploradores de jogos de fortuna.

2.8 Fiscalização e controle

Ainda, o PL 442/91 prevê a criação, por lei específica, de uma agência responsável pela regulamentação e fiscalização da atividade de jogos de fortuna no Brasil. Concorrentemente, os Estados e municípios possuem competência para fiscalizar os jogos do bicho e os jogos de bingo, respectivamente.

Para fiscalização dos jogos de fortuna, o PL 442/91 obriga que as empresas exploradoras de jogos de fortuna usem um Sistema de Gestão de Controle (SGC), a fim de permitir que os órgãos da União acompanhem as apostas e os pagamentos dos prêmios.

As empresas exploradoras dos jogos de fortuna deverão identificar seus clientes e manter cadastro atualizado, com registro de todas as transações.

Ademais, todas as modalidades de jogos de fortuna exploradas economicamente pela iniciativa privada deverão ser submetidas à aprovação pelo Poder Executivo Federal.

3. O PL 186/14 do Senado Federal

O Projeto de lei 186/14 foi proposto pelo senador Ciro Nogueira e foi apreciado pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado Federal. Este projeto chegou a ser levado para a votação no plenário do Senado em dezembro de 2016, mas por pedidos dos senadores foi enviado para a análise da Comissão de Constituição e Justiça. Atualmente, o projeto está com o relator senador Benedito de Lira para análise.

3.1 As modalidades de jogos de azar

O PL 186/14 apresenta um rol exemplificativo de jogos de azar passíveis de exploração: (i) loteria federal e loterias estaduais; (ii) sweepstake; (iii) aqueles praticados em cassinos; (iv) bingos; (v) apostas de quotas fixas; (vi) apostas eletrônicas; e (vii) jogo do bicho.

3.2 A exploração dos jogos de azar

O PL 186/14 define que a exploração de jogos de azar constitui um serviço público, sendo competência da União delega-lo. A exploração do jogo do bicho será delegada para os Estados e o Distrito Federal.

Os órgãos federais que forem designados pelo Ministério da Fazenda terão a competência para a supervisão, fiscalização e regulação das atividades relacionadas aos jogos de azar.

A Caixa Econômica Federal, por sua vez, terá o papel de agente operador, sendo responsável por centralizar a movimentação financeira e o recolhimento dos tributos. Além disso, auxiliará na fiscalização das empesas concessionárias.

A exploração dos jogos de azar poderá ocorrer de duas formas, concorrentes ou não. Primeiramente, por meio de autorização do Poder Executivo para a Caixa Econômica Federal, suas subsidiárias ou controladas criadas especificamente para esse fim. Em segundo lugar, por meio de concessão à iniciativa privada.

3.3 A concessão da exploração dos jogos de azar

A concessão do serviço público de jogos de azar deverá ser sempre precedida de licitação, que deverá utilizar como critério de julgamento o pagamento do maior valor à União. Ainda, essa licitação poderá ser da modalidade leilão.

O PL 186/14 prevê que a extinção da concessão não gerará direito de indenização ao concessionário, sendo sua exploração por conta e risco do concessionário. A interpretação adequada dessa regra nos permite concluir que a extinção por culpa da Administração antes da amortização dos investimentos realizados pelo particular ensejará indenização ao particular.

Ademais, a matriz de risco da concessão de jogos de azar segue a mesma lógica tradicional das concessões de serviços público: por conta e risco do concessionário. Em outras palavras, o concessionário assumirá todos os riscos pelo sucesso ou fracasso econômico da concessão. No entanto, os riscos extraordinários não são assumidos pelo particular, valendo a regra do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal que garante a manutenção das condições efetivas da proposta feita na licitação pelo concessionário.

A concessão para a exploração de jogos de azar terá prazo de até vinte e cinco anos, dependendo da modalidade. A concessão poderá ser prorrogada uma única vez, por igual período, mediante novo pagamento do valor da outorga atualizado monetariamente.

Em relação ao jogo do bicho, o projeto de lei do Senado Federal prevê que sua exploração poderá ser realizada mediante credenciamento, sendo também indispensável o pagamento por valor pela outorga.

Há previsão de que o valor angariado com a outorga será integralmente destinado ao financiamento da saúde e terá natureza de preço público, sendo que parte desse valor será destinado à adoção de medidas voltadas à prevenção do jogo patológico. O projeto de lei também prevê a destinação dos recursos oriundos da exploração dos jogos de azar: (i) 91% para a seguridade social; (ii) 3% para o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN; (iii) 2% para o Departamento da Polícia Federal; (iv) 2% para o Fundo Nacional de Cultura – FNC; (v) 2% para as ações de apoio ao esporte olímpico e paralímpico.

O PL 186/14 limita a exploração do jogo de bingo apenas a municípios com mais de duzentos mil habitantes, sendo permitido um bingo para cada duzentos mil habitantes.

Nessa conta, poderá ser considerada a região metropolitana ou a região integrada de desenvolvimento e os bingos poderão ser instalados em qualquer dos municípios desta região.

O mesmo grupo econômico não poderá concentrar mais de 10% do total de outorgas concedidas para a exploração comercial e esse percentual deverá ser distribuído em, pelo menos, cinco municípios.

Em relação aos cassinos, o PL 186/14 dispõe que dois quintos dos cassinos deverão estar localizados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A exploração dos cassinos, conforme será previsto em regulamento, poderá ocorrer: (i) em localidades designadas no Plano Nacional de Turismo; (ii) nos jóqueis clubes localizados em municípios com mais de trezentos mil habitantes, desde que estejam em funcionamento na data de publicação da lei; (iii) nos municípios classificados como de interesse turístico por lei específica, sancionada até seis meses antes da data de vigência da lei, e que possuam projetos ou investimentos de complexos hoteleiros para mais de dois mil quartos; (iv) nos municípios considerados estâncias hidrominerais que já tenham sediado cassinos sob a égide da lei anterior.

A exploração dos jogos de azar somente poderá ser feita por pessoa jurídica regularmente constituída segunda as leis brasileiras, com sede e administração no país.

3.4 A identificação do apostador e o pagamento de prêmios

Os exploradores de jogos de azar, com exceção das loterias, deverão identificar todas as pessoas que adentrarem em seus estabelecimentos. Além disso, deverão identificar todas as operações realizadas, inclusive aquelas que ocorrem previamente à realização de apostas ou recebimento de prêmios. Portanto, é vedada a realização de operação com pessoa não identificada.

3.5 Fiscalização e controle

A União será a responsável por fiscalizar as exploradoras de jogos de azar e aplicar as sanções cabíveis. O objetivo dessa fiscalização é proteger os cidadãos contra práticas fraudulentas, assegurar o cumprimento da legislação e garantir o eficiente e integral recolhimento das receitas públicas. O PL 186/14 prevê o recolhimento da taxa de fiscalização, que irá variar proporcionalmente com o valor da premiação mensal.

4. Conclusão

Os dois principais projetos de lei para a regulação da exploração dos jogos de azar possuem vantagens e desvantagens, que demandarão muita cautela na sua interpretação e aplicação. Apesar disso, ambos representam um grande avanço para a regulação da exploração dos jogos de azar para o país. Já é o momento desse importante setor da economia deixar a ilegalidade e ser objeto de regulação, permitindo a criação de milhares de postos de trabalho e a arrecadação de vultosos fundos para os entes da Federação.
_______________

*Fernão Justen de Oliveira é sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associados.

*Ricardo de Paula Feijó é advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associados e especialista em direito administrativo.

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