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A exigência é: promover garantias penais e processuais penais a todo sujeito de direito

É preciso séria reflexão sobre o tema, uma consciência crítica acerca destes fatos sociais, para que se entenda, de uma vez por todas, que não existe um Estado Democrático de Direito sem um Direito Penal de garantias.

28/4/2017

Em tempos de operações midiáticas e holofotes à postos, os direitos às garantias penais e processuais se tornaram alegorias.

Explica-se:

Recentemente, foi divulgado nos noticiários de cenário nacional que o Juiz Federal Sérgio Moro teria obrigado o Ex-Presidente Luis Inácio "Lula" da Silva a comparecer a todas as audiências destinadas à oitiva das 87 testemunhas que arrolou em sua defesa.

Eis, segundo o que foi noticiado, o despacho do Magistrado:

"Já que este julgador terá de ouvir oitenta e sete testemunhas da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, além de dezenas de outras, embora em menor número arroladas pelos demais acusados, fica consignado que será exigida a presença do acusado Luiz Inácio Lula da Silva nas audiências nas quais serão ouvidas as testemunhas arroladas por sua própria defesa, a fim prevenir a insistência na oitiva de testemunhas irrelevantes, impertinentes ou que poderiam ser substituídas, sem prejuízo, por provas emprestadas"

Malgrado não seja objetivo deste breve artigo promover a análise de caso concreto, urge tecer considerações – e reflexões – acerca da possibilidade, sob o ponto de vista do direito, de se lançar mão de uma determinação judicial desta natureza.

A análise, portanto, será feita de modo abstrato, sem que se queira tornar o debate casuístico.

Da situação decotada colhe-se, ao menos, duas vulnerações atrozes ao direito penal e processual penal: (i) constatou-se, evidentemente, a adoção do Direito Penal do Inimigo e (ii) confundiu-se um "direito" com um "dever", refugando-se completamente o exercício do contraditório e ampla defesa daquele que está sendo acusado.

Ao justificar a "necessidade" do acusado de se fazer presente nas audiências destinadas à oitiva das testemunhas arroladas para a própria defesa do Réu (é preciso que se dê o devido destaque), sob o argumento de que o Julgador também estaria obrigado a comparecer a estes atos, é possível depreender que o Magistrado pretendeu, com este ato decisório, impor ao acusado verdadeira punição por ter arrolado um número expressivo de testemunhas (na ótica daquele Julgador, que não é a mesma do STJ que permite sejam arroladas até 8 testemunhas por fato delituoso - RHC 29236; HC 55702, etc.), como se a presença do Estado-Juiz, nos referidos atos, fosse uma faculdade.

Neste ponto, é preciso relembrar o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (art.5º, inciso XXXV da CF/88). Afinal, não é uma opção do Juiz comparecer aos atos processuais, é um dever. Não se faz aqui um discurso de ordem moral (que até seria de todo pertinente, "já que" o despacho/decisão foi emoldurado com contornos de índole pessoal, se poderia fazer valorações sobre seu conteúdo no mesmo limite da subjetividade). A questão, todavia, é genuinamente de direito.

Sob outra ótica, aparenta, até mesmo, ser pueril um ato judicial com estas imposições, notadamente quando se colhe um indício de revanchismo na postura de quem submete outrem a determinada circunstância, apenas porque, por dever legal, tem a obrigação de nela estar submetido, fato que lhe causa incômodo ou insatisfação.

Aqui, então, ressoa uma primeira indagação: uma insatisfação pessoal seria motivo idôneo, legítimo e de direito para que o Estado-Juiz imponha, quem quer que seja, a praticar determinado ato?

Decerto, até mesmo o óbvio é preciso, às vezes, ser dito: não! É inidôneo, ilegítimo e ilegal. É preciso que se reafirmem os papeis de cada peça no tabuleiro da jurisdição: com as devidas licenças e de modo bem simplório, o MP é fiscal da lei e deve promover justiça; o advogado deve zelar e promover a defesa técnica do seu constituinte; o juiz é o intérprete da lei e não o seu ditador.

E, de lambuja, recai outro questionamento: impingir um tratamento diferenciado a determinado sujeito, retirando-lhe garantias elementares do Direito Penal e Processual Penal, não seria "vestir a carapuça” do Direito Penal do Inimigo?

A resposta vem a galope: não só seria vestir a carapuça, como praticar autenticamente a ideia concebida por Günter Jakobs1, pois, efetivamente, quem não pode exercer, com as garantias mínimas, um direito de defesa, deixa de ser, aos olhos do Estado, um sujeito de direito e a ele resta um Direito Penal e Processual penal próprio, diferenciado.

Diz-se, a todo instante, que se trata de um direito que está sendo vilipendiado. Sim, para o espanto de muitos, repise-se: é um direito e não um dever.

O STJ já enfrentou esta matéria repetidas vezes (HC 229541; RHC 47273; HC 127902, dentre outros). Consolidou o entendimento de que a presença do réu na audiência destinada a instrução do feito é um direito do acusado, um desdobramento do direito à autodefesa, subdividindo-se em "direito de audiência" e "direito de presença", que significa "...o direito de assistir à realização dos atos processuais, sendo dever do Estado facilitar seu exercício, máxime quando o imputado se encontre preso, impossibilitado de livremente deslocar-se ao fórum.”

O objetivo de se assegurar ao acusado o direito de estar presente nestes atos processuais é, sobretudo, permitir-lhe auxiliar (dar assistência) a sua própria defesa técnica, orientando o seu constituído acerca de determinados fatos, promovendo indagações, etc.

A própria Corte Especial, nestes mesmos precedentes referidos, também consolidou entendimento de que este direito é renunciável.

Destarte, não há sentido, nem lógico e nem jurídico, para se obrigar um acusado a comparecer a um ato judicial no qual sua presença reflete mero exercício de um direito seu. Renunciável. Portanto, para o Réu é uma faculdade e não um dever, notadamente porque o não comparecimento a este ato apenas prejudicaria a ele próprio.

Qual a razão, então, de se assentar esta imposição? Os motivos podem ser de diversas ordens, 'já que", sob o ponto de vista jurídico, não restou suficientemente esclarecido no despacho/decisão.

Contudo, convém relembrar que quem não comparece a ato no processo penal do qual foi pessoalmente intimado, deixa de ser convocado para os atos futuros (art. 367 do CPP). Forçoso obtemperar, ainda, que em tempos de Direito Penal do Inimigo, poderia se entender, muito embora a ululante atecnia, que eventual descumprimento desta ordem (i)legal, caracterizaria uma frustração da aplicação da lei penal, cuja consequência é a decretação de prisão preventiva (art. 312 do CPP).

É preciso séria reflexão sobre o tema, uma consciência crítica acerca destes fatos sociais, para que se entenda, de uma vez por todas, que não existe um Estado Democrático de Direito sem um Direito Penal de garantias.

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1 Conforme a Teoria do Direito Penal do inimigo, formulada por Günter Jakobs, determinados indivíduos, “que se afastaram de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que não oferecem a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa”, não fariam jus ao aparato estatal de defesa e garantias individuais, isto é, não seriam sujeito de direito, quanto à proteção garantida pelo Estado ao indivíduo submetido à persecução penal. (ROIZENBLIT, Marcelo. A doutrina do Direito Penal do Inimigo e o Estado Democrático de Direito. Revista Criminal: ensaios sobre a atividade policial, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 97-113., abr./jun. 2008.)

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*Pablo Domingues Ferreira de Castro é advogado e sócio do escritório Ana Paula Gordilho Pessoa e Advogados Associados.

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