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Reforma trabalhista: o discurso, a proposta e a precarização.

O objetivo do presente texto é de apreciar algumas destas propostas, embasando-se no posicionamento jurisprudencial, nos princípios constitucionais e princípios do Direito do Trabalho.

25/4/2017

Na última semana, mais precisamente dia 12/04, foi apresentado relatório da Reforma Trabalhista que tramita no Congresso Nacional sob o projeto de lei 6787/16, alterando diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Sob a principal justificativa de termos, supostamente, uma legislação ultrapassada e enrijecida que dificulta a geração de empregos, o projeto de lei estabelece inúmeras modificações no texto celetista vigente.

Todavia, o que menos se tem destacado são as outras inúmeras propostas que alteram sensivelmente o Direito do Trabalho como hoje é conhecido.

O objetivo do presente texto é de apreciar algumas destas propostas, embasando-se no posicionamento jurisprudencial, nos princípios constitucionais e princípios do Direito do Trabalho, aliado também a outros estudos e análises sobre o atual cenário do ramo jus laboral e da Justiça do Trabalho.

Há muito tem se falado, até de forma preconceituosa e insinuante, que a Justiça do Trabalho, aliada à CLT, são as causas do elevado número de ações trabalhistas e do desencorajamento dos empresários em realizar novos investimentos e, como consequência, ampliar os postos de trabalho.

Em que pese estas manifestações calcarem-se num alegado posicionamento paternalista da especializada trabalhista, temos que ressaltar que há um cenário bastante diverso deste “pintado” por aqueles que defendem a reforma trabalhista.

Para tanto, importante trazer dados do relatório anual do Conselho Nacional de Justiça – CNJ1 que traz estatísticas de todo o Poder Judiciário.

Segundo dados do CNJ, no ano de 2015 a Justiça do Trabalho contava com aproximadamente 5 milhões de processo em tramitação.

Ainda de acordo com o estudo do CNJ, 52,01% das novas ações tinham como tema demandado “Rescisão do Contrato de Trabalho/Verbas Rescisórias”.

Veja que, a princípio, a pedra angular da defendida Reforma Trabalhista que é exatamente o elevado número de ações trabalhistas torna-se questionável, na medida em que a maior parte das ações dizem respeito a trabalhadores que foram questionar verbas de rescisão contratual. Verbas estas que representam das mais basilares garantias do empregado e que, como detalhado pelo CNJ, não tem restado cumpridas, ensejando a movimentação do Judiciário.

Assim, sob este primeiro prisma que se analisa a Reforma Trabalhista, não há como sustentar ou validar que a Justiça do Trabalho e a CLT são responsáveis pelo elevado número de ações e dificuldades do mundo empresarial. Ao contrário, os trabalhadores, com a crescente crise econômica, foram os mais prejudicados, necessitando recorrer ao Judiciário para percebimento de meras verbas rescisórias.

Num outro aspecto, a defesa da Reforma Trabalhista passa pela chamada prevalência do negociado sobre o legislado, como proposto no artigo 611-A, podendo ser mitigado por negociação coletiva um total de dezesseis itens, dentre os quais se destaca: pacto quanto à jornada de trabalho; banco de horas individual; modalidade do registro de jornada; entre outros.

Em que pese o anseio de se prever expressamente no texto celetista a validade dos instrumentos normativos, temos que a sua validade já decorre de previsão constitucional inscrita no artigo 7º, XXVI:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

Veja que a Magna Carta estabelece a validade das convenções e acordos coletivos de trabalho desde que “visem à melhoria de sua condição social”, deixando claro que os direitos já previstos nos textos legais representam a garantia mínima do trabalhador, aplicando-se o princípio da dignidade humana e a valorização do trabalho.

Nesta toada, a Constituição Federal conclama empregadores e empregados a negociarem termos do contrato de trabalho no intuito de evoluir e melhorar a condição do trabalho, não em sentido inverso.

Aí reside, talvez, o principal ponto de questionamento quanto a esta proposta. Como destaca o procurador-geral do trabalho, Ronaldo Fleury, em estudo apresentado quanto ao tema, “há de se concluir que a exclusiva razão de ser da proposta é garantir que se possa reduzir direitos dos trabalhadores através de acordos e convenções. Se a intenção com o PL fosse beneficiar os trabalhadores com novos direitos e melhores condições de trabalho, a proposta seria completamente desnecessária”2.

Portanto, mais uma vez, temos por questionável a proposta de reforma trabalhista e o seu defendido intuito de geração de empregos e modernização da legislação.

Noutro giro, ainda nas calorosas discussões sobre o tema, os defensores da Reforma tem assegurado que não haverá perdas de direitos ou prejuízos aos trabalhadores.

Entretanto, diversos pontos do PL mostram o contrário. Retiram direitos consagrados do Direito do Trabalho e jogam por terra o entendimento jurisprudencial consagrado dos Tribunais.

Um dos pontos da Reforma Trabalhista que revela a crueldade do PL e seu atentado aos direitos do trabalhador encontra-se no proposto artigo 58, §2º, que põe fim às chamadas horas “in itinere”, quando o trabalhador necessita acessar seu local de trabalho, de difícil acesso, por transporte fornecido pelo empregador em caso de inexistência de transporte público regular.

Veja que o intuito do PL é de esclarecer que o tempo do empregado, à disposição do empregador, ainda que em deslocamento, não seja computado como horas “in itinere”, reduzindo sim, nesta medida, direito consagrado e insculpido na Súmula 90 do C. TST.

Ainda no tocante às horas extras, a previsão da prevalência do negociado sobre o legislado abre margem para figuras estranhas ao Direito do Trabalho e que podem resultar em jornadas extenuantes e, assim, risco à saúde e bem-estar do trabalhador.

Tal possibilidade pode ser vista pela leitura do artigo 611-A, II, que traz a novel figura do banco de horas individual, aliada ainda ao inciso X, que mitiga o controle de jornada.

Prescreve-se com tal possibilidade a suposta compensação de horas do empregado em virtude de uma jornada anterior excedente. Todavia, sem a participação do ente sindical, torna-se o empregado ainda mais vulnerável e suscetível de sofrer com abusos decorrentes da imposição de um acordo individual desta modalidade, agravado ainda por um controle de jornada ineficiente e mitigado. O risco é iminente e a proteção ao empregado, mínima.

Outro ponto sensível da Reforma, mas que não envolve diretamente o dia-a-dia do empregado trata-se da dispensa de homologação sindical no ato rescisório.

Com a proposta do PL, permitindo o saque do FGTS e acesso ao seguro-desemprego somente com a anotação de dispensa na Carteira de Trabalho, abre-se grande margem para as fraudes trabalhistas que já vem ocorrendo e ocasionando um elevado número de ações trabalhistas que visam recebimento de verbas rescisórias, como demonstra o relatório do CNJ citado anteriormente.

Veja que no momento do ato rescisório, cabe ao ente sindical verificar a correspondência das verbas descritas no documento de rescisão com o pagamento efetivamente realizado pela empresa. Caso não haja pagamento, não há rescisão e o empregado deve acessar ao judiciário para requerer o que de direito.

Todavia, com a proposta deixa-se de proteger o empregado e seus direitos, ampliando-se os riscos às fraudes trabalhistas e sem qualquer fortalecimento das entidades sindicais, como discursam os defensores da Reforma.

Outrossim, no campo das dispensas, prevê de forma absurda o PL que dispensas coletivas podem ser realizadas sem necessidade de prévia negociação coletiva.

A dispensa em massa, ao longo da construção jurisprudencial, passou a necessitar de negociação com as entidades sindicais considerando o impacto social e econômico causado à coletividade de empregados dispensados e à sociedade que será, invariavelmente, afetada com a brusca mudança causada pelas demissões.

Entretanto, o PL ao deixar clara a desnecessidade de negociação coletiva para as demissões em massa, revela numa medida o enfraquecimento da negociação coletiva e também põe em grande risco os trabalhadores que, diuturnamente, se deparam com descumprimentos de seus direitos básicos, inclusive de verbas rescisórias.

Ao discorrer sobre estes pequenos e exemplificativos pontos da Reforma Trabalhista, percebe-se uma vasta incoerência do discurso de modernização, de fortalecimento da negociação coletiva, da não retirada de direitos, do que de fato se apresenta com o PL.

De fato, o desmonte do Direito do Trabalho e o atentado às normas protetivas do trabalhador tem sido constante e incessante, já iniciadas no corte orçamentário discriminatório da Justiça do Trabalho e tendo o seu máximo atentado com o PL 6787/16.

É evidente a desconstrução da seara trabalhista, a precarização do trabalho, a desconsideração de seus princípios e o atentado à contínua evolução social (artigo 7º, caput, CF/88). Como dito pelo professor Leonardo Isaac Yarochewsky, “de erro em erro a Constituição Federal vem sendo rasgada”3.

________________

1 Justiça em números 2016: ano-base 2015/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2016.

2 Nota Técnica nº02, da Secretaria de Relações Institucionais do Ministério Público do Trabalho – Brasília: MPT, 2017

3 De erro em erro a Constituição Federal vem sendo rasgada.

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*Daniel Gonçalves Rangel é advogado Trabalhista e Sindical – Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB/MG.


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