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A que veio a lei de terceirização?

Há muito se esperava uma legislação que regulasse os contratos de terceirização no país, já que até a aprovação da referida lei não havia uma Lei sequer que pudesse ser seguida sobre o assunto.

19/4/2017

No dia 3 de abril de 2017 entrou em vigor a lei 13.429/17, que faz alterações na lei 6.019/74 e traz regras para a terceirização no Brasil.

Há muito se esperava uma legislação que regulasse os contratos de terceirização no país, já que até a aprovação da referida lei não havia uma Lei sequer que pudesse ser seguida sobre o assunto, o que forçou o Tribunal Superior do Trabalho (TST) a editar, desde 1994, a sumula 331 para trazer algum tipo de regramento sobre a matéria.

De acordo com a referida sumula, apenas seria permitida a terceirização de atividades caracterizadas como “meio”, não sendo possível a terceirização da “atividade fim” das empresas, não havendo, contudo, definição quanto ao que se entenderia por atividade meio e fim das empresas.

A regra do TST ainda diz, em seu inciso III, que a terceirização considerada ilegal, ou seja, aquela na qual estejam presentes os requisitos do vínculo empregatício, acarretará vínculo entre o prestador de serviços e o tomador diretamente, veja-se seu texto a seguir:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

O texto da súmula caracteriza-se como uma regra precária, pois que criada a partir de decisões judiciais prévias e sem “obrigação” de seguimento pelos demais juízes, mas era claro o suficiente para gerar um norte quanto ao que poderia ou não ser terceirizado.

O que não estava bem delineado era, no entanto, o conceito de atividade fim, posto que em algumas empresas há diversas funções que podem ser caracterizadas como atividade fim e porque o judiciário trabalhista possui um histórico protecionista ao trabalhador, que apesar de passar por grande mudança nos últimos anos, ainda perdura em alguns de seus magistrados e, portanto, tal ideal de justiça causa contradições.

Era possível verificar-se, durante a vigência solitária da sumula 331, decisões diametralmente contraditórias entre tribunais diferentes, conforme pode-se observar a seguir:

TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA: Afasta-se o vínculo empregatício declarado na origem, entre o tomador dos serviços e a reclamante, diretamente, uma vez que não há vedação legal para a terceirização de serviços de tomografia computadorizada pelo hospital contratante e a clínica de radiologia, uma vez que a atividade-fim daquele é o tratamento médico, visando obter a melhora ou a cura de seus pacientes, não a prestação de serviços diagnósticos de imagem computadorizada. (TRT 3ª R.; RO 0002526-05.2013.5.03.0024; Relª Desª Maria Stela Alvares da S. Campos; DJEMG 23/10/2015))

TERCEIRIZAÇÃO IL[ICITA: A atividade de radiologia é essencial aos médicos e aos hospitais no auxílio dos diagnósticos para os pacientes acometidos de enfermidades, razão pela qual se insere na atividade-fim do empreendimento hospitalar. Assim sendo, é ilegal e fraudulenta a contratação de técnicos de radiologia por intermédio de pessoa jurídica formada exclusivamente para atender às necessidades do hospital. (TRT 10ª R.; RO 0000566-11.2015.5.10.0101; Primeira Turma; Rel. Des. Dorival Borges de Souza Neto; Julg. 01/02/2017; DEJTDF 08/02/2017; Pág. 82)

Os juristas e julgadores e, por que não, a população, clamava por uma regulamentação mais exauriente e completa, que trouxesse segurança e definições.

Até a aprovação da lei 13.429/17 tinha-se por certo que a legislação que alcançaria os anseios da sociedade estava representada pelo Projeto de Lei 4330 que estava sendo analisado no Senado Federal, mas, para surpresa de muitos, o PL que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, posteriormente sancionado pelo Presidente da República foi o de número 4302.

Não importa mais qual Projeto tinha o melhor texto, mesmo que ambos fossem imperfeitos, pois a Lei já está aprovada e entrou em vigor.

De acordo com a grande mídia a Lei veio para, finalmente, resolver o problema da terceirização, criando o instituto, definitivamente, e autorizando a terceirização da “atividade fim” das empresas de forma irrestrita.

Para muitos representantes sindicais a Lei veio para “precarizar” os direitos dos trabalhadores que atualmente são garantidos e respeitados. Até mesmo alguns agentes públicos comemoraram, pois, ainda de acordo com a grande mídia, seria possível, a partir de agora, a terceirização da atividade fim dos órgãos públicos.

As regras que versam sobre terceirização estão previstas nos artigos 4ª A e B, 5º A e B e 19º A, B e C da Lei 6.019, após alteração pela Lei 13.429.

Lendo a Lei, contudo, não é possível obter qualquer certeza sobre assuntos importantes a respeito da terceirização. Claro que está definido, de forma clara e expressa, diga-se de passagem, que será permitida a terceirização no Brasil. Mas isso, convenhamos, sempre foi.

Há também previsão expressa sobre responsabilização subsidiaria do tomador de serviços quantos às obrigações trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora de serviços, mas isso também já era praticado há anos em razão dos termos da sumula 331.

O que não existe na Lei, ao menos como se esperava existisse, ou seja, de forma clara e expressa, é a autorização para terceirização da “atividade fim” e a autorização para a terceirização da “atividade fim” de órgãos públicos.
Na realidade sequer aparecem nos poucos artigos que tratam de terceirização os termos “atividade fim” e “órgãos públicos”. Isso é uma infeliz realidade, pois o ideal é que a Lei que regulasse a matéria trouxesse, na verdade, a definição de “atividade fim”, para que fosse possível de uma vez por todas encerrar a celeuma criada ao redor do termo no judiciário do país. Quanto ao termo “órgãos públicos”, o mais correto é que a Lei trouxesse a proibição da terceirização de sua “atividade fim”.

Fica então a questão e dúvida sobre como a grande mídia e até mesmo alguns juristas tem entendido que a regra aprovada permite a terceirização da “atividade fim” e, ainda, porque seria possível tal prática para órgãos públicos.

Ao analisar o novo texto legal verifica-se que o artigo 4º-A não diz que que será possível a terceirização da “atividade fim”, apenas cria o conceito de empresa prestadora de serviços, ou seja, aquela que fornecerá a mão de obra terceirizada:

Art. 4-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.

Em analise ao parágrafo segundo do referido artigo também é possível chegar à confusão de que seria permitida a terceirização da “atividade fim”, pois há previsão expressa da terceirização de qualquer ramo, veja-se:

§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.”

Não parece, contudo, que tais abstratas e genéricas regras possam ser o fundamento para a terceirização irrestrita. Vale destacar que não há, nem no caput nem no parágrafo, clara e expressa autorização para terceirização irrestrita.

Já no parágrafo primeiro do artigo 4º-A vislumbra-se uma primeira regra clara e expressa, determinando a direção dos trabalhadores pela empresa prestadora de serviços:

§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.

A justificativa de que a terceirização esta permitida de forma irrestrita porque a Lei nada fala a respeito e, conforme definido pelo princípio da autonomia da vontade da atividade privada, ao empresário é permitido fazer tudo o que a Lei não proíbe, pode levar a crer que realmente está liberada a prática desejada pelo empresariado.

O termo “qualquer que seja o seu ramo” presente o parágrafo segundo já mencionado, também poderia significar, de forma pobre e pouco clara que a terceirização poderá ser irrestrita.

Não se pode discordar do primeiro raciocínio, pois seria simplesmente atécnico. Realmente ao ente privado é permitido fazer tudo o que não for proibido, entretanto, vale lembrar que a sumula 331 do TST proíbe a terceirização da “atividade fim” e, até que seja expressamente revogada, a sumula ainda está vigente, o que faz crer que deveria existir uma expressa autorização da terceirização da “atividade fim” na Lei para que fosse legal.

No que diz respeito ao segundo ponto, permissão genérica e abstrata prevista no parágrafo segundo, também não parece prosperar. A regra expressa do parágrafo primeiro, supracitado, serve para conflitar com sua sucessora e, em princípio, impedir que sua compreensão extrapole o razoável, quando determina que a direção e, portanto, coordenação, do trabalho dos empregados terceirizados deverá ser realizada pela empresa prestadora de serviços.

Considerando que a CLT (art. 3º) prevê, dentre os requisitos para configuração do vínculo empregatício, a subordinação jurídica e, que a própria sumula 331, III do TST prevê que a subordinação entre tomadora de serviço e empregado terceirizado acarreta a ilicitude da terceirização, o parágrafo primeiro do art. 4º-A da Lei 13.429 vem apenas confirmar tal impedimento.

Não parece possível, ou, ao menos, prático, que uma empresa não possa controlar e regular as atividades dos empregados que lhe garantem o faturamento e sustento, pois esse é o conceito de atividade fim.

Entretanto, se a tomadora de serviços descumprir a regra clara do parágrafo primeiro e exercer direção e controle sobre os empregados terceirizados, então o que se terá é a terceirização de forma ilegal, irregular, com subordinação direta e, como a Lei nada prevê quando a este fato, então o judiciário deverá recorrer aos termos de sumula 331 para declarar esta relação como ilegal.

Diante disso, seja por ausência de previsão expressa, seja por conflito com a sumula 331 do TST ou, ainda, seja por impossibilidade prática de cumprimento da regra do parágrafo primeiro do artigo 4º-A sem ter prejuízos em suas atividades, a Lei 13.429/17 não parece ter liberado a terceirização irrestrita.

No que diz respeito a outra polêmica criada pela mídia, qual seja, a possibilidade de terceirização da atividade fim de órgãos públicos, menor problemática se mostra, na verdade.

Se a conclusão que se extrai das regras do artigo 4º-A e seus parágrafos é a de que não se permite a terceirização irrestrita para o ente privado, que por sua natureza pode fazer tudo o que não é proibido por Lei, pela mesma razão é que não se pode entender como liberada a prática para a administração pública.

Os entes públicos, ao contrário dos entes privados, apenas podem atuar em obediência à expressa e clara previsão legal, seguindo o conceito do princípio da legalidade administrativa previsto no art. 37 da Constituição Federal.

Nesse passo, não existindo sequer autorização expressa para terceirização da “atividade fim” em qualquer parte da Lei e, também não estando sequer presente no inteiro texto legal os termos “ente público” ou “administração pública”, não se faz possível crer que estaria permitida a prática pela mesma.

As demais regras trazidas pela nova Lei servem apenas para confirmar o que já estava previsto na sumula 331 do TST ou, em outros casos, tem boa intenção, mas nada que na prática vá mudar o cenário de terceirização atual.

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*Victor Passos Costa é advogado e sócio da Passos Costa Advogados.

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