Há momentos em que as águas agitadas da Economia invadem, sem pedir licença, o mar do Direito.
Enquanto na natureza o resultado é a beleza do encontro rio-mar, fonte de inspirações poéticas, no campo da tributação, o horizonte não é aprazível.
Desde 2008 esse cenário tem se complicado: recessão econômica, déficit estatal absoluto e inflação preocupante têm impulsionado movimentos do legislativo e do executivo que, se por um lado, tentam resolver tais problemáticas, de outro, corroem os pilares fundantes do Sistema Tributário Nacional. O resultado é a insegurança jurídica, que retroalimenta esse círculo vicioso.
No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Ação Civil Pública 0334903-24.2016.8.19.0001 requer a revogação de todo e qualquer benefício fiscal já concedido no Estado. A lei 7.495/16 fecha o quadro impedindo aquele estado de conceder novos incentivos até 2018. Em suma, sem checar os benefícios sociais eventualmente obtidos, vedam-se todos os incentivos fiscais, o que pode agravar ainda mais o quadro recessivo.
O mesmo sintoma é identificado na tributação dos serviços. A LC 157/16 traz mudanças radicais no âmbito do ISS, dirigindo comandos aos 5.561 Municípios brasileiros que detêm a competência tributária sobre esse imposto.
As diretrizes jurídicas da LC 157 são, basicamente, alargamento da hipótese de incidência - alcançando atividades antes não abrangidas - e restrição absoluta a benefícios fiscais. Em termos econômicos, reflete política fiscal contracionista, que exige arrecadar mais.
A referida lei concretiza a metáfora das águas: impõe uma enxurrada de imposições da Economia no Direito.
Seria tal dinâmica legítima? Novas leis com o objetivo de modificar distorções econômicas, e só?!
O Sistema Tributário do Brasil estrutura-se sobre balizas constitucionais rígidas.
Em primeiro lugar, é objetivo fundamental da República a redução de desigualdades regionais (art. 3º, III, CF), repetido nas disposições do Sistema Tributário Nacional (art. 151, inciso I, CF) e da ordem econômica e financeira (art. 170, VII, CF). As intervenções legislativas – fruto do contexto econômico – devem, invariavelmente, render-se a esses filtros.
E mais: se cabe à LC "estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária" (art. 146, III, CF), especificamente no contexto do ISS, o artigo 156, III, também da Constituição, prevê que a Lei Nacional disporá sobre "a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados".
A LC 157, lei nacional, inviabiliza todo e qualquer tipo de benefício fiscal de ISS. Ao fazê-lo, descumpre o propósito de regular esses regimes, além de bloquear o cumprimento, pelos municípios, dos preceitos que se voltam à redução das desigualdades regionais.
Restringir, em absoluto, a concessão de incentivos pode até ser razoável do ponto de vista econômico atual, mas viola frontalmente princípios gerais da ordem constitucional econômica.
Em segundo plano, a expansão da abrangência do ISS encontra obstáculos intransponíveis no texto constitucional. Não basta remendar seguidamente a lista anexa à LC 116/03, como fez a LC 157, incluindo atividades distintas do que a Constituição adota como serviço.
Onde está a obrigação de fazer, o esforço físico, intelectual ou psíquico na atividade de hospedagem de dados? Disponibilizar, sem cessão definitiva, conteúdos, é serviço?
Tais reflexões demonstram a tensão clara entre mobilidade econômica e segurança jurídica na perspectiva mais deletéria. Transigir com deformações conceituais em prol de um interesse prático imediato pode ser o primeiro passo para um grave regime de exceção. A história é repleta de exemplos tenebrosos. Cabe a nós, cidadãos e operadores do Direito, trazer às claras tais contradições para desfazê-las.
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*Texto apresentado no 4º Congresso Nacional de Tributos, organizado por CONFEB Live University, em 11/04/2017 em São Paulo.
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*Pedro Guilherme G. de Souza é sócio da área tributária do escritório SABZ Advogados.
*Gabriel N. Fernandes é advogado associado da área tributária do escritório SABZ Advogados.