Migalhas de Peso

Do direito à comunicação ao exercício da sexualidade e à violência virtual contra as mulheres

Acrescentar o direito à comunicação no rol dos direitos assegurados à mulher pela Lei Maria da Penha vem ao encontro de algumas das propostas de ação da 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres.

13/4/2017

O projeto de lei 5.555, de 2013, recém-aprovado pela Câmara dos Deputados, pretende promover duas alterações na lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e uma no Código Penal: a primeira, diz respeito à inclusão do direito à comunicação dentre o rol daqueles previstos em seu artigo 3º; a segunda, à previsão da violação à intimidade da mulher como uma das formas de violência; e a terceira, a incorporação do crime “exposição pública da intimidade sexual” dentre os delitos de injúria.

Acrescentar o direito à comunicação no rol dos direitos assegurados à mulher pela Lei Maria da Penha vem ao encontro de algumas das propostas de ação da 4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres – Conferência de Pequim em 1995, realizada pela Organização das Nações Unidas, dentre elas a promoção do conceito de que os estereótipos sexuais que se apresentam nos meios de comunicação são discriminatórios para a mulher, degradantes e ofensivos. Concordou-se, na Conferência, que os avanços da tecnologia da informática e da televisão e a amplitude de acesso àinformação, ao mesmo tempo que cria novas oportunidades para a participação de mulheres nos meios de comunicação e de difusão, tem sido utilizados para difundir imagens estereotipadas e degradantes para fins comerciais, de consumismo ou até para alavancar o machismo.

O direito à comunicação deve ser encarado como um direito fundamental, um dos pilares centrais do Estado Democrático de Direito, pois por ele se promove o reconhecimento de as pessoas terem voz e de se expressar. É o direito de liberdade de expressão, da informação, de acesso a meios de produção e veiculação da informação, de possibilitar o ouvir e o ser ouvida.

Uma mulher que se comunica através de redes sociais ou do uso da tecnologia para encaminhar mensagens, fotos, vídeos, etc, faz uso deste direito. Ela se manifesta através desta ferramenta, que lhe permite expressar-se, ainda que sexualmente.

Entende-se por sexting a prática de enviar conteúdo erótico pessoal ou mensagens sensuais através de aplicativos de mensagens instantâneas ou por qualquer meio eletrônico. Um estudo do Laboratório de Psicologia da Saúde da Mulher da Universidade Drexel apurou que esta prática serve para apimentar a relação de casais; por outro lado, também preocupante devido aos riscos e à sua relação com a pornografia infantil.

A ONG Safernet Brasil alerta que o mais preocupante do sexting não é a conduta em si, mas o que pode acontecer depois. Chama também a atenção para as escolhas a partir dessa consciência que, em sua maioria, atinge mulheres. Sim, é questão de gênero, as mulheres são as mais vulneráveis, mais expostas a uma avaliação sexual e discriminadas por isso, mesmo que sejam vítimas.

O projeto de lei também propõe outra alteração: a inserção de uma nova forma de violência dentre aquelas previstas no artigo 7º da lei 11340/06: a violação à intimidade da mulher, entendida como a divulgação, por meio da internet ou outro meio de propagação de informações, de dados pessoais, vídeos, áudios, montagens e foto composições da mulher, obtidos no âmbito das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade, sem seu expresso consentimento.

O reconhecimento explícito desta forma de violência é o claro recado do legislador de que afrontá-lo é violar os direitos humanos das mulheres, permitindo-se a aplicação da Lei Maria da Penha para a sua proteção e assistência, além de refutar a possibilidade de transações penais, suspensões condicionais do processo ou a substituição da pena por cestas básicas.

A jornalista Rose Leonel sofreu consequências extremamente traumáticas depois que seu ex-marido divulgou fotos e vídeos íntimos do casal na internet por não ter se conformado com o fim do relacionamento, insinuando que ela era uma garota de programa. Rose chegou a perder empregos e foi recriminada pelo que aconteceu, sofrendo julgamento moral. As imagens, em pouco tempo, ficaram disponíveis em mais de sete milhões de links.

No Brasil já não é de hoje notícias de adolescentes que entram em depressão profunda e cometem suicídio, como o caso das duas meninas do Rio Grande do Sul e do Piauí, que, antes de se matarem, postaram mensagens no Twitter demonstrando imensa vergonha e medo depois que imagens delas foram disseminadas na rede.

Suicídios, isolamento, depressão, abandono escolar, perda do emprego, dificuldades em conseguir outro emprego, assédio e agressões nas ruas são alguns dos sofrimentos de meninas e mulheres que já foram alvo desta conduta, da divulgação de fotos e vídeos íntimos sem autorização.

É no espaço virtual que, por suas características peculiares, a violência pode ser muito mais danosa do que aquela que ocorre em outros ambientes. Este ambiente promove alta potencialidade de alcançar pessoas: no Brasil, mais de cento e vinte milhões estão conectadas à internet; no mundo, são 3,2 bilhões. A pesquisa Jovem Digital Brasileiro (CONECTA, 2014), apurou que 96% dos jovens de 15 a 32 anos usam internet diariamente e que 90% navegam em redes sociais.

Também é neste espaço que as informações são instaladas fácil, rapidamente e permanentemente; sem muito esforço, podem ser buscadas de modo simples; e mais, são informações compartilhadas, replicadas e que tomam uma proporção em escalada, muitas vezes em função do encorajamento pelo falso anonimato e pela fragilidade das políticas de privacidade.

Segundo a pesquisa “Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário”, do Instituto Avon e Data Popular, que abarcou 1823 universitários do país, 31% não consideravam violência repassar fotos ou vídeos das colegas sem autorização delas. É uma prática não reconhecida como violência, aliás vista como simples brincadeira.

São especificidades que demandam ações multidisciplinares de enfrentamento e uma das demandas é a de justamente considerar a prática como crime. O PL propõe a criminalização da conduta da disseminação não consensual de material que contenha cena de nudez ou ato sexual de caráter privado, cuja pena prevista é a de reclusão de 3 meses a 1 ano, e multa. A pena pode ser aumentada se o crime for cometido por motivo torpe, que é o moralmente reprovável, ou contra pessoa com deficiência, por se encontrar em reconhecida situação de maior vulnerabilidade. Nada refere sobre as nefastas consequências para a vítima nesse particular.

Uma série de delitos para práticas semelhantes que envolvam crianças e adolescentes já se encontram previstas na legislação menorista e muitos não sabem que apenas por ter as imagens em seus celulares, tablets, computadores, etc., já incorre no crime.

A questão que se coloca, ao lado das muitas demandas que envolvem esta prática e da necessidade que seu enfrentamento avance com muito mais atenção e rigor na seara da educação e coeducação, é a de que, por não conter nenhuma disposição específica, o PL silencia sobre a natureza da ação criminal; nesse passo e porque a injúria por regra desafia a ação penal privada, mais uma vez dependerá, se aprovado, da iniciativa das mulheres o enfrentar de uma longa rota crítica para se valer do sistema de justiça penal a alavancar o reconhecimento da necessidade de coibir mais uma violação de seus direitos humanos.

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*Fabíola Sucasas é diretora cultural do Movimento do Ministério Público Democrático MPD.


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