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Possibilidade da prisão antes do trânsito em julgado

Em tempos de notória crise político-institucional, aumento de criminalidade e anseio da população brasileira por "justiça", há uma mudança de paradigma, por força da pressão pública em relação a alguns casos, e não análise jurídica, ignorando os direitos fundamentais e individuais de cada um.

6/4/2017

A CF de 1988, em seu artigo 5º, inciso LVII definiu que "ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória", o chamado Princípio da Presunção de Inocência.

Em concordância com este direito individual e fundamental, o Código de Processo Penal, em seu artigo 283, reafirma que a prisão de um indivíduo só poderá ocorrer após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, bem como nas hipóteses de exceção dos casos de flagrante delito ou das prisões cautelares dentro dos padrões do artigo 312 do mesmo código.

Logo, a única interpretação possível das legislações vigentes é que a prisão só pode ser aplicada em casos excepcionais ou de condenação confirmada sem possibilidade de outro recurso.

Contudo, recentemente, o STF passou a aplicar entendimento contraditório a estas previsões, afirmando que, após a confirmação da condenação na segunda instância, mesmo cabendo ainda recurso para os Tribunais Superiores, o magistrado pode iniciar a execução da pena com a consequente prisão do acusado.

A maioria dos ministros entendeu que não haveria violação aos artigos supracitados, pois não há nos Tribunais Superiores discussões sobre os fatos e as provas de autoria e materialidade, sendo essa fase de análise jurídica encerrada na segunda instância.

Porém, como dito pela ministra vencida Rosa Weber, "Se a Constituição, com clareza, em seu texto vincula o princípio da presunção de inocência a uma condenação transitada em julgado, não vejo como possa chegar-se a uma interpretação diversa."

Mesmo que a matéria que será discutida nos Tribunais Superiores seja apenas de direito, ainda existe a possibilidade de mudança na sentença condenatória, por exemplo, por violação constitucional ou afronta a expresso texto de lei.

O que se verifica, com isso, é que o guardião da constituição, em tempos de notória crise político-institucional, aumento de criminalidade e anseio da população brasileira por "justiça", há uma mudança de paradigma, por força da pressão pública em relação a alguns casos, e não análise jurídica, ignorando os direitos fundamentais e individuais de cada um, que podem ser eventualmente envolvidos em alguma situação e, por isso, dependerem de um processo devidamente julgado.

É compreensível que, em tempos de incertezas políticas, com um grande número de protestos sociais de diversas formas e origens, o Estado comece a tomar medidas como tais, em todas as esferas de poder, para tentar amenizar os ânimos sociais.

Contudo, a grande questão é: quando se iniciam mudanças como a debatida, em manifesto prejuízo de direitos fundamentais, em prol de uma pressão social, o resultado por ser futuramente amargo à própria sociedade, porque, ao invés de, com isso, haverá insegurança jurídica e não "justiça" propriamente dita; afinal, o Estado começa a retaliar os direitos essenciais à vida, como a liberdade, aumentando, ao final, inevitavelmente, a insatisfação social.

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*Mariana Cardoso Magalhães é sócia do escritório Homero Costa Advogados.

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