Migalhas de Peso

A polícia federal e a “operação carne-fraca” – o estardalhaço e o agronegócio

Autoridades levaram pânico à sociedade, porque é como se toda a carne processada não prestasse para consumo.

24/3/2017

Na sexta-feira, 17/3, o país tomou conhecimento de mais uma operação da PF, e que segundo o próprio órgão, foi a maior já operacionalizada, e, como de costume nos últimos anos, desencadeada a partir do seu núcleo paranaense. Visou-se agora, no âmbito da persecução inquisitória, algumas empresas frigoríficas, muitas delas renomadas nos mercados interno e externo, sob o argumento de haver supostas irregularidades e fraudes na produção, conservação e distribuição de produtos alimentícios derivados de carne animal, mas, como de hábito, com foco em possíveis crimes envolvendo a classe política e servidores públicos lotados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e suas superintendências estaduais.

Mais uma vez, foi a PF, no mínimo, inconsequente na divulgação para a mídia do seu trabalho, na medida em que, convenhamos, o estardalhaço se fazia desnecessário, sendo, entretanto, conveniente dizer que tais desvarios na comunicação tem sido a regra, quando deveriam ser exceções. Vaza-se aquilo que deveria guardar sigilosidade para o próprio bem das investigações, e pior, com a conivência de autoridades não apenas policiais, mas também, tudo leva a crer, do Ministério Público e Judiciário, isso quando não são essas autoridades os ‘astros’ principais dos vazamentos. Viola-se, com o espetáculo midiático proporcionado pelas instituições referidas, a intimidade e a honorabilidade de meros ‘suspeitos’, ainda sequer indiciados, como se isso não fosse causar qualquer dano, e o mais grave é que tal prática tem se tornado dia após dia mais corriqueira e despudorada, dando a nítida impressão que se sente prazer (quase orgástico) nessas violações e vazamentos, bastando para tanto observar algumas entrevistas dadas por delegados e procuradores.

Não se está aqui a querer negar à sociedade o conhecimento do louvável trabalho desenvolvido, sobretudo nos últimos anos, da Polícia Judiciária Federal e do Ministério Público Federal na apuração e combate aos delitos que lesam o patrimônio público, todavia, a cautela e a responsabilidade se fazem necessárias no divulgar para a imprensa aquilo que é objeto das operações empreendidas e providências manejadas.

No que concerne à aludida “operação carne-fraca”, divulgou-se com a habitual espetacularização circense, o sensacionalismo de praxe, e entrevista de ‘pop star’ de um dos delegados, não apenas os supostos crimes praticados por agentes públicos, mas também, para estupefação de quem assistiu, daquilo que, em tese, se verificava nos frigoríficos investigados, chegando ao ponto de se assegurar, como se incontestável fosse, que tais empresas comercializavam carne ‘podre’, com data de validade vencida (e fraudada na embalagem), que nos produtos são usados ‘ácidos’ e substâncias cancerígenas, e, pasmem, o uso de ‘papelão’ misturado à carne de frango. Esqueceram-se as autoridades que há no país milhares de estabelecimentos que processam e comercializam carne, estando sob investigação apenas 21, e pior, nem todos estes interditados. Num açodamento que a cada operação tem se tornado mais comum, ditas autoridades levaram pânico à sociedade, porquanto da forma como levado ao conhecimento, é como se todos os frigoríficos e toda a carne processada e comercializada não prestasse para consumo.

Demais disso, não atinaram aquelas autoridades quando fizeram a destrambelhada divulgação, para as consequências econômicas internas e externas, vez que o Brasil é dos maiores exportadores de carne, sendo referência no setor agropecuário. São milhões de toneladas de carne de frango, bovina e suína exportadas, inclusive, para os EUA, que sabidamente costuma opor inúmeras dificuldades e barreiras.

Não sem razão, dizem os especialistas em economia, que é o agronegócio, nos momentos de crise, que impede o país de descer, sem freios, a ladeira, indo direto para o precipício.

Sabe-se, desde sexta, 17/3, que alguns países já colocam a carne brasileira sob suspeita, e com isso, talvez, limitem temporariamente as importações, quando não suspendam, o que seria aqui um verdadeiro ‘Deus nos acuda’ em face do momento caótico (econômico e político) vivido. Contudo, se, de fato, tais previsões sombrias acontecerem, terá derivado de uma irresponsabilidade ímpar daqueles que, por dever da função exercida, tem a obrigação da cautela e da reserva no incriminar quem quer que seja, e não atuar como se estivessem na passarela de um desfile de moda, acreditando piamente que todos os olhares estão voltados para seus requêbros e movimentos lânguidos no ir e vir no tablado. É, portanto, urgente dar um basta no comportamento cinematográfico e de divas, que tem assumido, em várias ocasiões, integrantes da Polícia Federal e do MPF.

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*Eduardo Queiroz de Mello é advogado criminalista do escritório Salomão Cateb, professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG e membro do Conselho de Entorpecentes do Estado de Minas Gerais - 1995/2003.

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