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Distressed Assets e o risco criminal pelo desconhecimento

O desconhecimento da atividade pelas autoridades públicas pode gerar um risco criminal consubstanciado no processamento equivocado de crime de gestão temerária pela atuação no mercado de ativos estressados, fato totalmente inadequado e perigoso.

21/3/2017

A matriz econômica de diversos Estados está em constante migração. Com a evolução da tecnologia e o desenvolvimento das sociedades atuais, o setor de serviços prepondera no Produto Interno Bruto das nações desenvolvidas.

O sistema bancário tem grande destaque no setor de serviços, servindo como motriz da economia ao conceder diferentes tipos de soluções financeiras para o crescimento econômico e dos negócios de forma geral.

Os Estados Unidos da América se notabilizou pela pujança de seu sistema financeiro e pelas diferentes iniciativas para capitalizar a economia. Naquele Estado, surgiram diferentes produtos para garantir capital e fomentar o mercado. Para eles, mesmo ativos depreciados têm seu valor, servindo como porta de acesso a um novo mercado de compra e venda de títulos.

Quanto ao último tópico, qual seja, desenvolvimento de um mercado para negociação de títulos mal avaliados, estabeleceu-se na América uma dinâmica mercadológica interessante, fincada na análise dos distressed assets (chamados de ativos "estressados" ou "podres"), títulos cuja conceituação passa longe de um consenso.

Em suma, podemos entender o distressed asset como uma dívida capaz de ser cedida e que possui um elevado grau de risco atrelado a possibilidade de inadimplência de uma das partes. A operação envolvendo esse tipo de documento se torna atraente pelo considerável deságio aplicado no valor pago ao credor para que ele ceda a titularidade do papel. Por conseguinte, os lucros advindos da posterior venda garantem uma rentabilidade muito acima da média de outros produtos financeiros no mercado.

A possibilidade de ganho através dos distressed assets fez com que esse tipo de operação se tornasse muito comum em economias desenvolvidas. Além disso, a nosso ver, revigora a economia real, ao passo que garante às partes novas oportunidades, seja para mitigar seus prejuízos (no caso do antigo credor), como uma nova forma para quitar o valor em aberto (no caso do devedor). Para aqueles que estruturam as operações, lhes cabe o que é devido, ou seja, remuneração acima da média pela assunção de um risco elevado.

No caso do Brasil, em virtude da grave crise financeira observada nos últimos anos, notou-se um crescimento substancial nos pedidos de recuperação judicial e nas falências, bem como (por óbvio) um aumento considerável dos índices de inadimplência. O resultado natural desse processo foi o crescimento no número de instituições de assessoramento para cessão e obtenção de títulos de alto risco, que indicam operações estruturadas capazes de gerar um ganho elevado ao investidor.

Nesse ponto, achamos que é extremamente adequada a consolidação desse mercado de "títulos podres", todavia, tememos que o desconhecimento por parte do judiciário possa gerar ainda mais riscos a um negócio que tende a ser revigorante e animador. Dito isso, focaremos no aspecto penal/processual penal como possível núcleo de complicações.

Ao analisar os termos da lei 7.492/86, é possível dizer que as empresas que lidam com operações de crédito e cessão/obtenção de distressed assets são consideradas instituições financeiras para os efeitos dos tipos penais dispostos na norma. Isto é, os dirigentes e empresários responsáveis pelas operações terão encaixe perfeito ao crime, já que fazem a "captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros" (Art. 1º, caput).

Outrossim, considerando a possibilidade de adequação da atividade aos delitos contidos na lei de crimes financeiros, pensamos na seguinte questão: poderão os administradores1 serem processados pelo crime de gestão temerária?

A nosso ver, não! Explicamos. O crime de gestão temerária (Art. 4°, parágrafo único, lei 7.492/86) é altamente controverso, já que o tipo penal é extremamente vago. Assim, coube à jurisprudência e aos doutrinadores tentarem decifrar o que o núcleo do tipo pretende, ou seja, o que seria uma gestão temerária capaz de fulminar indivíduos com penas que vão de 2 a 8 anos de reclusão.

Entende-se como temerária aquela gestão que atenta contra a saúde administrativa da empresa por meio de atos sucessivos, estes que elevam substancialmente o risco do negócio e que, portanto, possa causar dano extremo.

Sob nossa ótica, as autoridades judicias devem olhar com muito cuidado para as negociatas envolvendo os distressed assets, já que o negócio em si (sua essência) pressupõe a possibilidade de ganho ante o grande risco financeiro. O titular da ação penal não poderá alegar em seus fundamentos que a gestão de uma instituição como essa, criada sob a égide das transações de alto risco, cause dano ao bem jurídico protegido pela norma penal (seja lá qual for o bem jurídico tutelado).

Salientamos, que o risco é inerente ao negócio. Desse modo, não haverá o elemento essencial do crime, qual seja, o "dolo", que se perfaz no conhecimento e vontade de colocar a instituição em risco2, isso tudo pois a própria atividade pressupõe um possível desfalque financeiro, considerando a alta chance de inadimplemento.

Sendo assim, o desconhecimento da atividade pelas autoridades públicas pode gerar um risco criminal consubstanciado no processamento equivocado de crime de gestão temerária pela atuação no mercado de ativos estressados, fato totalmente inadequado e perigoso.

Por fim, a nosso ver, na esteira do que fora estabelecido pelo STF na súmula vinculante 24, deveríamos conduzir o legislador e os operadores do direito a compreenderem a consumação do delito somente após eventual procedimento administrativo no âmbito dos órgãos de controle. Agindo assim, evitaríamos que as autoridades judiciárias tomem conhecimento de fato e, por desconhecimento técnico, o traduzam como crime, algo que, como já exposto, nos parecer um erro sem precedentes.

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1 Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes.

2 Verificar: AgRg no REsp 1205967/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 15/09/2015.

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*Gabriel de Freitas Queiroz é advogado criminalista e sócio do escritório Queiroz & Meirelles Sociedade de Advogados.

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