Muitos trabalhadores sofrem diariamente com o excesso de jornada de trabalho. Em algumas atividades específicas, para preservação do emprego, o obreiro se sujeita a trabalhar 11 (onze), 12 (doze), até mesmo 14 (catorze) horas, privando-se do convívio com seus familiares e de projetos da vida pessoal (lazer, estudo, etc.).
Em algumas situações, trabalhadores sofrem com a perda total do convívio familiar (inclusive com a ruptura do casamento/relacionamento), diante da degradante e excessiva rotina de trabalho. Afinal, quem suporta conviver com cônjuge ausente e focado (desgastado) tão somente no trabalho?
Difícil é a tolerância com o cônjuge/convivente que "leva" trabalho para casa, como exemplo, os que suportam a nociva jornada de prontidão – aguardando o comando de trabalho por aparelhos móveis e outros dispositivos tecnológicos.
Ademais, qual a finalidade de tanta dedicação ao trabalho concomitante ao prejuízo da harmonia familiar? O lucro do empregador vale mais que a boa convivência familiar? Tal situação tem sido cotidianamente exposta na Justiça do Trabalho cujas repercussões merecem atenção, vez que a submissão à jornada excessiva de trabalho pode decorrer da tentativa de salvaguardar o emprego.
Em regra, a CLT estabelece que a jornada de trabalho não excederá 8 (oito) horas diárias (art. 58, caput), podendo ser prorrogada por mais 2 (duas) horas (art. 59, CLT) mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou em decorrência de contrato coletivo de trabalho. Em algumas atividades específicas, vislumbram-se formas de escalas ou jornadas diferenciadas (Ex: 12 x 36, vide Súmula 444 do TST; Turno ininterrupto de revezamento, conforme OJ’s 360, 396, entre outras atividades), previstas em lei ou ajustadas exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho.
A repercussão jurídica principal do excesso de jornada reconhecida pela Justiça do Trabalho trata-se do pagamento (condenação da Reclamada) de horas extras com reflexos legais. No entanto, basta o reconhecimento, tão somente, do direito às horas extras (e reflexos) como efeito jurídico? Não comportaria ao trabalhador nenhuma indenização por trabalhar em excesso de jornada? Eis então que o Direito do Trabalho moderno configura uma modalidade de indenização específica para essa situação penosa, reconhecida como indenização por dano existencial1.
E como a Justiça do Trabalho tem se posicionado em face do dano existencial?
Em decisão de processo 2ª TURMA da TRT-PR, (Processo 00486-2015-017-09-00-3-ACO-04130-2017), o desembargador Cássio Colombo Filho destacou em seu voto que reconheceu a existência de dano existencial a um trabalhador rural: "A exigência habitual do elastecimento da jornada de trabalho ofende a honra subjetiva do reclamante. Assim, diante do evidente menoscabo da dignidade do trabalhador, que certamente teve sofrimento psicológico, resta caracterizado o dano moral, que merece compensação."
No mesmo sentido, o TST, em decisão do Recurso de Revista 1338-76.2015.5.17.0101, julgado em 22 de fevereiro de 2017, ratificou o entendimento de que a jornada exaustiva configura dano existencial. Em relevante voto, o ministro José Roberto Freire Pimenta pontuou que: "Assim, fica comprovada a reprovável conduta patronal, com a prática de abuso do poder diretivo ao exigir jornadas exaustivas de trabalho e restrição dos direitos ao descanso e lazer, com óbvias consequências à saúde da obreira, que se via na contingência de ter que produzir sem poder refazer as energias dispendidas, resultando em ofensa aos direitos humanos fundamentais, atingindo-se a dignidade, a liberdade e o patrimônio moral da demandante, o que acarreta a obrigação legal de reparar."
Portanto, o trabalhador privado de seu convívio familiar deve estar atento e buscar na Justiça seu justo direito de ser reparado a título de dano existencial quando houver submissão habitual à jornada excessiva, comprometendo seu projeto de vida pessoal e familiar (nos termos dos artigos 6º e 226 da CF).
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1. "Por dano existencial (também chamado de dano ao projeto de vida ou prejudice d'agrément - perda da graça, do sentido) compreende-se toda lesão que compromete a liberdade de escolha e frustra o projeto de vida que a pessoa elaborou para sua realização como ser humano..." (BEBBER, JÚLIO CÉSAR, Danos extrapatrimoniais - estético, biológico e existencial – breves considerações; Revista LTr., vol. 73, nº01, janeiro de 2009).
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*Vitor Ferreira de Campos é advogado em Londrina/PR.