Migalhas de Peso

A letra fria da lei penal

O Direito não é um compêndio matemático em que se aplicam fórmulas preexistentes para se buscar um resultado considerado lógico e coerente com os cálculos aplicados.

26/2/2017

O leigo em Direito, quando interpreta determinado fato com conotação penal, preocupa-se unicamente em saber qual a pena prevista, a modalidade da aplicação e a forma de cumprimento. É muito comum nas conversas populares, principalmente aquelas travadas nas comarcas menores, fazer o prejulgamento de um fato, com a consequente aplicação da pena prevista. E não raras vezes, com relevo para os crimes julgados pelo Tribunal do Júri, a decepção toma conta com a absolvição do acusado.

O operador do Direito, profissional técnico, legitimado e indispensável à administração da justiça, seja lá em que polo se encontrar na relação processual, faz outra leitura do fato. Em primeiro lugar vai procurar a correta adequação da conduta com o tipo penal em tese ofendido, justamente para que ocorra o ajustamento da ação humana com a previsão legal. Tal juízo de tipificação é de vital importância porque o acusado irá responder somente pelo fato descrito na delatória inicial, observando sempre o relato do fato considerado criminoso, com todas as suas circunstâncias.

Após a postulação que dá início à persecução judicial, o fato será pesquisado com a profundidade necessária, com todos os detalhes que interessam para o deslinde da verdade real, com a realização de audiência de produção de provas, tanto da acusação como da defesa, além de outras consideradas pertinentes. Tudo para perquirir a correta avaliação da conduta humana e concluir se ocorreu alguma transgressão à norma legal.

Daí, não é correto dizer que toda esta operação é para aplicar a letra fria da lei. O Direito não é um compêndio matemático em que se aplicam fórmulas preexistentes para se buscar um resultado considerado lógico e coerente com os cálculos aplicados. Nem pode ser. Lida com o comportamento humano, com os atos praticados por ação ou omissão, procurando modelá-los e amoldá-los a um tipo penal, dentro de uma lógica jurídica e social que compreende a natureza humana. Cum grano salis, como diziam os romanos, proclamando que o sal é o tempero necessário para que o texto frio da lei possa ser entendido de uma forma mais agradável e palatável.

Como as relações humanas são muito complexas e de interpretações difíceis, a natureza humana, como é sabido, é mutável, dinâmica e sempre cria situações novas que muitas vezes colidem com as existentes sem falar ainda da dificuldade do próprio texto legal não conseguir alcançá-las, cabe ao legislador estabelecer a reprovação social da conduta por meio de dispositivos legais, que são genéricos, objetivos e impessoais.

Para atingir os objetivos da correta distribuição da justiça é necessário buscar a interpretação secundum jus e, para tanto, a Hermenêutica surge como um indispensável instrumento para todas as áreas do Direito. Representa a fonte perene e inesgotável onde os operadores irão buscar os subsídios necessários para bem conhecer o texto legal e amoldá-lo da melhor forma possível ao caso concreto, fazendo com que a letra fria da lei seja temperada não só com os critérios da justiça, mas também da avaliação social, apreciando e ponderando os requintes e as fragilidades da natureza humana com riqueza de conteúdo. Fala-se, e com razão, de uma atuação multidisciplinar para se chegar a um consenso interpretativo.

Muitas vezes uma só palavra inserida no texto legal tem uma dimensão tamanha que nem foi cogitada pelo legislador originário. Cabe ao intérprete fazer a conotação correta, refletida, como se fosse uma movimentação de uma peça no jogo de xadrez, dar a ela a direção recomendada pela cautela e segurança para ampliar as chances de alcançar o equilíbrio recomendado pela justiça, com a aplicação dos processos interpretativos gramatical, sistemático, lógico, histórico, sociológico e teleológico, assim definidos na doutrina. Pode-se afirmar, desta forma, que a Hermenêutica, como disciplina indispensável ao Direito, vem auxiliar o intérprete a encontrar a real integração entre o fato social e o texto abstrato da lei, conferindo uma justiça de qualidade e confiabilidade.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.








*Pedro Bellentani Quintino de Oliveira, mestrando em Direito pela Unesp/Franca, pós-graduando em Direito Empresarial pela FGV/São Paulo, advogado.





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