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Lei das estatais: antes tarde do que nunca

A lei 13.303/16 é sem sombra de dúvidas uma lei que pretende estancar ou ao menos mitigar os estragos tais como aqueles ocorridos na gestão da Petrobras.

1/3/2017

A lei 13.303/16 (“Lei de Responsabilidade das Estatais”) se situa no rol das chamadas “Leis resposta” em que os Poderes Legislativo e Executivo percebem a necessidade de atender aos anseios da sociedade e apresentam uma resposta a atos e fatos que chamam a atenção do país. Esse evento ocorreu por exemplo com a LC 135/10 (“Lei da Ficha Limpa”) e a lei 12.846/13 (“Lei Anticorrupção”), que foram gestadas em momentos de ebulição nacional.

A Lei de Responsabilidade das Estatais vem a reboque dos escândalos de corrupção havidos na Petrobras e trazidos à tona por meio da já famosa operação Lava Jato, conduzida pela força tarefa da PF e MPF perante a Justiça do Paraná. Mas a lei não se resume a esse propósito e vem atender à exigência constitucional (art. 173, §1º) de propor um estatuto jurídico próprio para as empresas estatais que explorem atividade econômica.

A primeira parte da lei trata da estrutura societária e das regras de governança corporativa que devem ser praticadas nas estatais. Um de seus objetivos principais é blindar as empresas contra possíveis (e infelizmente comuns) ingerências políticas. Nesse sentido, a lei prevê extensa lista de impedimentos para a indicação e ocupação dos cargos de administração das estatais (art. 17, §2º), afastando-se a possibilidade de que esses cargos venham a ser ocupados, por exemplo, por quem tenha exercido recente militância política ou seja próximo de membros da cúpula do Poder Executivo.

A lei tornou ainda obrigatória a existência de um comitê interno cuja função é basicamente cuidar para que as indicações aos cargos de administradores e fiscais da empresa obedeçam a nova legislação vigente.

Outro foco da lei é conferir maior transparência e eficiência na gestão administrativa das empresas estatais. Assim, a lei estabelece a obrigatoriedade de as estatais possuírem diversos órgãos de controle (área de compliance, área de auditoria interna, comitê estatutário, comitê de auditoria estatutário etc), além de seguirem expressas práticas de governança e de divulgação de informações, cujos requisitos mínimos são delimitados pela lei.

Há operadores do Direito reclamando excesso de rigor em determinadas passagens da lei que teriam por fim o condão de engessar e dificultar as atividades das empresas. De fato, há previsões que obrigam as estatais à implementação de sensíveis alterações em seus estatutos como, por exemplo, o estabelecimento de mínimo de 25% de membros independentes a terem assento nos respectivos Conselhos de Administração das empresas – percentual mais rígido que aquele observado pelas companhias do segmento Novo Mercado da BM&BOVESPA.

Contudo, as novas regras, apesar de exigirem adaptações por parte das estatais, trazem a vantagem de preservar a sua autonomia frente a pressões políticas e estão longe de engessar o desempenho de suas atividades; ao revés impõem a observância de um elevado padrão de governança corporativa, no mínimo desejável em empresas que lidam diretamente com a verba pública.

A segunda parte da lei trata do novo regime de licitação e contratos administrativos a serem observados pelas estatais. Nesse aspecto, nota-se que a Lei replicou em boa medida conceitos já vigentes em leis esparsas, tais como as leis 12.462/11 (Lei do Regime Diferenciado de Contratação), 11.079/04 (Lei das Parcerias Público-Privadas) e 10.520/02 (Lei do Pregão). Foram afastadas as disposições anteriores incompatíveis, notadamente disposições constantes da lei 8.666/93, além de revogado expressamente o Decreto Simplificado de Contratações referente à Petrobras (decreto 2.745/98).

Como as estatais contempladas pela lei são também aquelas integrantes do setor produtivo, o objetivo da lei é lhes conferir as condições mínimas de competitividade e eficiência capaz de viabilizar o melhor desempenho de suas atividades.

Exemplos de medidas que se adequam a esse cenário são a adoção do “Procedimento de Manifestação de Interesse” que trata da possibilidade do particular interessado em contratar com as estatais apresentar ideias e sugestões economicamente viáveis a fim de otimizar a licitação futura (art. 31, §5º); a existência de uma matriz de riscos nos contratos firmados pelas estatais, para definir de antemão quais eventos supervenientes exigiriam a revisão do contrato (art. 42, X); a fase de análise das propostas ocorrer, em regra, antes da fase de habilitação (art. 51, §1º); vedação à cláusula exorbitante de revisão unilateral do contrato pelas estatais (art. 81).

A lei 13.303/16 é sem sombra de dúvidas uma lei que pretende estancar ou ao menos mitigar os estragos tais como aqueles ocorridos na gestão da Petrobras. Contudo não se pode simplificar a sua leitura e dizer que a pertinência dos rigorosos padrões de governança se encerra em evitar episódios como aqueles. A lei surge também da necessidade de tornar as empresas estatais, enquanto geradoras de atividade econômica, sociedades competitivas e eficientes, o que passa necessariamente por regras de governança corporativa rígidas e bem definidas e regras de licitações e contratações mais compatíveis com a rotina de mercado.

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*André Luiz Cintra Santos é advogado, sócio do escritório Schreiber Domingues Cintra Lins e Silva Advogados, com especialização em Direito Civil-Constitucional pela UERJ.




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