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Foro privilegiado: impunidade

O horizonte alcançado pelo foro por prerrogativa de função extrapolou para a raia do absurdo e inviabiliza os julgamentos de processos criminais cometidos pelos "privilegiados".

8/2/2017


O deputado e o senador, desde o ano de 1969, passaram a ter foro privilegiado e, portanto, qualquer processo contra eles, deve tramitar no STF, afora os feitos da área cível e trabalhista. A Corte, guardiã da CF, tornou-se uma Corte criminal, recebendo denúncia, promovendo instrução e condenando ou absolvendo. Essa situação agrada aos favorecidos, porquanto com essa benesse perenizam os processos na Corte. A luta para seus processos não baixarem à 1ª instância é grande ao ponto de buscarem uma cadeira no Parlamento ou cargo no Executivo com esse alvo. A competência conferida ao STF como foro exclusivo para apurar crimes praticados por deputados e senadores torna muito dificil a punição.

A CF concede ao STF competência para processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os ministros e o procurador-geral da República, quando acusados pela prática de infrações comuns, art. 102, inc. I, "b"; na letra "c" do mesmo dispositivo amplia essa graça para outras autoridades.

O horizonte alcançado pelo foro por prerrogativa de função extrapolou para a raia do absurdo e inviabiliza os julgamentos de processos criminais cometidos pelos "privilegiados". A proteção do mandato do político que comete crimes comuns é insuportável e presta-se simplesmente para absolver o parlamentar, principalmente pela ocorrência da prescrição, considerando o fato de os magistrados da Corte não terem estrutura para mais esta atividade. O espírito constitucional de tratamento igual para todos e a preservação da ordem jurídica não combinam com a proteção aos inescrupulosos.

Nosso sistema judicial é semelhante ao americano e lá não existe o foro privilegiado pelo exercício de função. Bill Clinton, acusado de assédio sexual, foi julgado por um juiz de 1º grau. Constituições de outros paises admitem o instituto, mas em nenhum deles com a amplitude consignada no Brasil.

Renan Calheiros, presidente do Senado, eleito e reeleito, é réu em um processo, iniciado no ano de 2007 e somente em dezembro/16, mais de dez anos depois, foi recebida a denúncia pela prática de peculato e extinta, por prescrição, a pena do outro crime de falsidade ideológica; o processo passou por vários relatores, mas afinal recebida pelo ministro Edson Fachin e pela maioria do STF. Além disso é investigado em 11 inquéritos, todos tramitando no STF. O foro privilegiado garante-lhe a longevidade ou a absolvição.

O sexto inquérito contra o senador Fernando Collor de Mello, para apurar seu envolvimento na Operação Lava-Jato, relacionado com a Petrobrás, foi aberto em maio/16, conforme determinação do ministro Teori Zavascki. Uma denúncia foi apresentada pela Procuradoria e encontrava-se desde agosto de 2015 no gabinete do ministro Teori Zavascki; agora, com a morte do relator, será redistribuída e não se sabe quando haverá o recebimento da denúncia, porque tramita no STF. A peça da Procuradoria Geral da República versa sobre o pagamento de R$ 30,9 milhões, em propina.

A senadora Gleisi Hoffmann e seu esposo, Paulo Bernardo, são réus desde 27/9/16, quando o STF recebeu denúncia contra os dois. A senadora é acusada pela Procuradoria Geral da República de ter recebido, em 2010, R$ 1 milhão de propina em contratos firmados pela Petrobrás com empreiteiras e desviado parte para sua campanha política. O valor recebido foi solicitado pelo esposo, Paulo Bernardo, que chegou a ser preso em maio, liberado por decisão bastante polêmica do ministro Toffoli.

O ex-governador e deputado Paulo Maluf é investigado em 84 inquéritos ou processos desde o ano 2000, e não teve nenhuma condenação; em 2013, Maluf tornou-se réu, por prejuízos de R$ 1 bilhão, causado à prefeitura de São Paulo, mas o processo não foi concluído. Maluf tem foro privilegiado.

Crimes eleitorais e até crimes de agressão à mulher são apreciados pelo STF; é o que ocorre com o deputado federal Arthur Lira, que responde a um processo por agressão à ex-mulher, além de outro pela Lava-Jato, ambos no STF. Um senador de Roraima, no ano passado, agrediu uma estudante, com quem mantinha relacionamento; a moça prestou queixa na polícia, mas a competência é do STF e, portanto, fadado a prescrição ou ao esquecimento nos gabinetes dos ministros.

Por outro lado, o ex-governador Sérgio Cabral está preso em Bangu 8, mas se tivesse sido eleito para deputado ou senador não teria o mesmo destino. O ex-senador Luiz Estevão de Oliveira Neto tornou-se o primeiro senador cassado; condenado pelo TRF da 3ª região, SP, em 2006, em 2016, foi mandado para a penitenciária da Papuda, em Brasília, por corrupção.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, teve o mandato cassado, em setembro/16, perdendo, portanto, o foro privilegiado; um mês depois, em outubro, foi preso por decisão do juiz Sergio Moro, encarregado, na 1ª instância, dos processos da Lava Jato.

Dos mais de 500 congressistas acusados de prática de crimes, desde a promulgação da CF/88, somente 16 foram condenados e apenas oito cumprem penas. Calcula-se que um terço das ações decididas, nos últimos dez anos, pelo STF, foram arquivadas pela ocorrência de prescrição.

A AMB, em 2012, em seu site, informou que em 18 anos e meio, o STF abriu 130 processos criminais contra autoridades com foro privilegiado, e ninguém foi condenado. No STJ, criado em 1989, foram abertos 483 ações penais, com apenas cinco condenações.

O número de deputados e senadores que respondem a processos no STF aumentou, consideravelmente, nos últimos anos; em junho de 2015, eram 191 congressistas sob investigação do STF; esse quantitativo cresceu para 224 deputados e senadores, sem contar, evidentemente, com os inúmeros processos da Lava Jato.
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*Antonio Pessoa Cardoso é advogado do escritório Pessoa Cardoso Advogados.


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