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A pichação e o crime ambiental

O problema das pichações é muito mais complexo do que podemos imaginar.

3/2/2017

Muito se tem comentado nesses dias sobre a decisão do prefeito João Dória Júnior sobre o Projeto "Cidade Linda", que contempla, entre outras coisas, "limpar as pichações" em vias públicas e monumentos da cidade de São Paulo e penalizar os infratores identificados.

Contudo, o que poucos sabem é que "pichar monumentos públicos", notadamente aqueles com valor histórico, é crime ambiental, passível de detenção e multa.

A lei de que trata estes crimes não é atual. A publicação da lei 9.605, que dispõe sobre as sanções Penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências, ocorreu em 12 de fevereiro de 1998.

A referida lei tem um título que trata unicamente "dos crimes contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural", em sua seção IV.

Especificamente falando do ato de pichar, encontramos no artigo 65 desta lei as penalidades impostas:

Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)

§ 1º Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.408, de 2011)

§ 2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. (Incluído pela Lei nº 12.408, de 2011).

Porém, a situação se agrava quando nos deparamos com os "menores infratores" diante dos crimes de pichação.

O disposto nos artigos 288 da Constituição Federal e 27 do Código Penal fixa a inimputabilidade penal para os menores de 18 anos. Desta forma, o menor que realizar as condutas constantes do art. 65 não cometerá crime, mas sim ato infracional.

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 103 disciplina o tema: "Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal".

Ademais, o referido Estatuto faz menção a duas classificações para os menores inimputáveis: a criança e o adolescente. Conforme o disposto no artigo 2º:

Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

O ato infracional de pichação e a delinquência juvenil estão intimamente ligados. Jovens que integram grupos de pichadores formam verdadeiras gangues buscando o reconhecimento dentro de sua própria cultura.

Portanto, o problema das pichações é muito mais complexo do que podemos imaginar.

Reconhecidos como rebeldes praticando atos notoriamente "ilícitos", os menores pichadores procuram, por meio de sua conduta delituosa, alcançar a fama e o poder entre seus pares.

A pichação muitas vezes se torna uma porta de entrada para o mundo da criminalidade. O adolescente que dá início a condutas socialmente reprováveis dentro da cultura da pichação posteriormente poderá se envolver em delitos mais graves: furtos e até roubos, como forma de financiar a compra dos materiais utilizados na depredação. Além disso, pode-se esperar que os integrantes destes grupos se tornem consumidores contumazes de entorpecentes.

Muitos desses infratores também fazem uso de armas de fogo. Em sua cultura, portar uma arma é ter poder, o poder de exterminar qualquer oposição àqueles que os contestarem.

Em recente entrevista dada a um programa de televisão de visibilidade internacional, veiculado no sábado à noite, os "pichadores" entrevistados declararam expressamente que "picham como forma de protesto", porém não conseguem explicar contra o que protestam. Mais adiante, deixam claro que os "grafites" só serão poupados de suas pichações se forem "ilegais". Ou seja, não contemplados pela legislação a que há pouco nos referimos.

Vale sempre lembrar que o "meio ambiente" – nele se inclui todo o nosso patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial – é um bem difuso e coletivo e pertence "a todos" os cidadãos, devendo ser respeitado, protegido e defendido por todos e por qualquer um, incorrendo em crime ambiental aquele que por qualquer meio o danificar, destruir ou ameaçar.

Não é nossa intenção com este artigo questionar esse ou aquele gosto ou manifestação cultural. Pretende-se, aqui, demonstrar que a lei é feita para todos e por todos deve ser respeitada, indistintamente.

O que se vê é que as paisagens urbanas estão sendo exponencialmente deterioradas pela pichação de suas edificações. A prática, além do prejuízo material e financeiro, causa desconforto à sociedade que passa a encarar os centros urbanos como locais feios e sujos.

Os jovens brasileiros têm se tornado cada vez mais adeptos à conduta de pichar, sem refletir sobre os malefícios por ela ocasionados. Estes vivem completamente iludidos quando a questão é a sua responsabilidade pelo ilícito praticado, acreditando na impunidade.

O combate a esse tipo de conduta, passa, obrigatoriamente pela educação, mas não deve deixar de lado a responsabilização do ilícito cometido. Para que possamos seguir vivendo harmoniosamente em sociedade, é necessário que todos tenham em mente o respeito às leis e o respeito ao bem público.

Não podemos caminhar como sociedade enquanto não aplicarmos a principal regra de convivência dos indivíduos entre si: o direito de cada um termina onde começa o do outro.

______________

*Mariluci Miguel é advogada do Direito Ambiental do escritório Ronaldo Martins & Advogados.

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