O Direito Administrativo vem sofrendo paulatinas alterações no decurso do tempo. Ou, de outra forma, poderíamos dizer que todo o Direito vem sofrendo alterações como decorrência da própria mudança de conceber o Estado.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro1 traz que o "fenômeno da globalização leva o Governo a inserir no ordenamento jurídico brasileiro institutos novos ou dar nova roupagem a institutos antigos, sempre com o objetivo de encontrar o melhor caminho para aliviar o Estado de suas inúmeras funções, aumentando, dessa forma, a eficiência na prestação dos serviços públicos, além de fomentar a iniciativa privada para o desempenho de atividades de interesse público."
Com essa descentralização do serviço público e a consequente diminuição do tamanho da máquina estatal, importando, dentre outras situações, na transferência de competências públicas para a esfera privada, evidencia-se um novo modelo de Administração Pública, onde o Estado se harmoniza com a participação do capital privado, porém, sem renunciar à sua titularidade, mas apenas transferindo a sua execução.
Como salienta Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt2, "o Estado se retira do papel de produtor direto de uma utilidade e coloca-se em uma função de regulador da atividade a ser prestada por particulares".
Com essa transferência de competências públicas, efetivando o modelo gerencial da Administração, o artigo 37 da CF estabeleceu que todo contrato administrativo deve ser precedido de licitação, que é o procedimento administrativo destinado a selecionar a proposta de contratação "mais vantajosa" e, por sua vez, a "promover o desenvolvimento nacional", tudo isso conforme critérios objetivos predeterminados num conjunto harmônico de regras e princípios.
Esse recurso de contratação pública como mecanismo de implementação de outros valores constitucionais vem sendo cada vez mais utilizado no Brasil e em outros países como importante ferramenta de intervenção estatal no domínio econômico.
Com essa nova ideologia, não se quer mais o Estado como prestador de serviços; quer-se o Estado que estimula, que ajuda, que subsidia a iniciativa privada; quer-se a diminuição do tamanho do Estado para que a atuação do particular ganhe espaço; quer-se a flexibilização dos rígidos modos de atuação da Administração Pública, para permitir maior eficiência; quer-se a parceria entre o público e o privado para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, com mais democratização e menos hierarquizada.
E, em decorrência das inovações legislativas que têm sido realizadas, uma contratação dotada de "vantajosidade" não deve mais ser fundada apenas em critérios de eficiência econômica. É preciso haver também uma análise da contratação como um todo e dos impactos a serem produzidos de forma imediata e em longo prazo.
Equivocadamente, a noção de proposta mais vantajosa nas contratações públicas foi tradicionalmente vinculada aos aspectos econômicos que, em outros termos, proposta mais vantajosa é aquela que gera o menor dispêndio financeiro para o erário.
É indubitável que a questão financeira seja de extrema relevância em qualquer licitação, assim como se dá nas relações privadas, que leva em consideração o critério do "menor preço".
Todavia, conforme ensina Marçal Justen3, a vantagem caracteriza-se como a adequação e satisfação do interesse coletivo por via da execução do contrato. A maior vantagem possível configura-se pela conjugação de dois aspectos, sendo um relacionado com a prestação a ser executada por parte da Administração e o outro vinculado à prestação a cargo do particular.
Assim, temos que a maior vantagem apresenta-se quando a Administração assumir o dever de realizar a prestação menos onerosa e o particular se obrigar a realizar a melhor e mais completa prestação. Configura-se, portanto, uma relação custo-benefício.
Mas o fato é que a concepção de proposta mais vantajosa pode comportar a incorporação de outros valores que não apenas o aspecto estritamente econômico. A contratação pública, seja pela via da licitação ou mesmo da contratação direta, passa a veicular uma dimensão axiológica mais ampla. Essa reformulação do conceito de vantagem econômica, na visão tradicional do instituto das licitações e contratações administrativas, deve-se à percepção do Estado de que seu poder de compra tem enorme influência e impacto no comportamento dos mercados.
Isto é, além das finalidades tradicionais da contratação pública, foram-se somando novas preocupações, além de instrumento das mais variadas políticas públicas, percebe-se que em tempos de crise, a Administração Pública, mais do que nunca, tem a obrigação de exercer o seu poder de compra, promovendo, assim, o desenvolvimento nacional, proposta esta adotada no art. 3° da lei 8.666/93.
Dessa forma, a contratação administrativa, a qual é concebida como um instrumento para fomentar atividades, deve funcionar como um incentivo ao desenvolvimento nacional, isso significa assegurar um tratamento preferencial às empresas estabelecidas no País.
Portanto, as contratações administrativas, além de atenderem a necessidade do Estado com maior eficiência e especialidade, ainda devem ser modeladas considerando os efeitos positivos produzidos na economia, no desenvolvimento local, regional, nacional, no meio ambiente, na geração do emprego para a mão de obra brasileira, na arrecadação tributária e no progresso da indústria nacional, o que se compatibiliza perfeitamente com o interesse público.
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1.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 10. ed. – São Paulo: Atlas, 2015.
2.DITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Controle de concessões de serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
3.FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de licitações e contratos administrativos. 16°. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
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*Renata Fabris é advogada em Porto Velho/RO.