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Considerações a respeito do negócio jurídico processual

Os atos processuais são subespécies de atos jurídicos em geral, seguindo as diretrizes centrais da teoria geral do direito civil.

1/2/2017

O NCPC passou a disciplinar esse instituto processual de modo expresso, estabelecendo algumas diretrizes das quais se deve partir para melhor entender a sistematização do que se buscou regrar, como venho ponderando para meus alunos nos cursos que ministro sobre o tema.

Vale apontar, desde o início, que os atos processuais são subespécies de atos jurídicos em geral, seguindo as diretrizes centrais da teoria geral do direito civil. Nessa medida, tem-se que o ato processual necessita do exercício de vontade expressa o que o diferencia do fato jurídico lato sensu.

Dentre os atos jurídicos, de se observar que existem atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos. No ato estrito exerce-se a vontade em aderir ao ato, mas não há liberdade quanto às consequências advindas do exercício de vontade (ex. escolho registrar ou não um filho, se optar por registrar não posso me opor às consequências legais decorrentes desta escolha, como pagar pensão alimentícia ou tê-lo como meu herdeiro necessário, nem mesmo escusar-me em relação a dever de exercício de guarda – e olhe-se que tem se tornado cada vez mais frequentes indenizações por danos morais fundadas na teoria do desamor).

No negócio jurídico há liberdade não só da escolha na prática do ato, como há liberdade para a escolha do regime jurídico a que o ato se encontrará adstrito. Uma confusão frequente é a de pressupor que todo negócio jurídico decorra de um acordo de vontades. Nem sempre isso ocorre, eis que existem negócios jurídicos unilaterais, como o testamento. No âmbito do NCPC há negócios jurídicos unilaterais processuais – Ex. Renúncia a prazo (artigo 225), desistência de execução ou de medida executiva (artigo 775), renúncia ao direito recursal (artigo 998) etc.

Há negócios jurídicos plurilaterais, que envolvem as partes e o próprio Juiz – como por exemplo, o calendário processual (artigo 191) e o saneamento compartilhado (artigo 357, par. 3º).

Existem, também, negócios jurídicos processuais típicos – previstos de modo expresso no NCPC – eleição de foro (artigo 63), escolha de mediador ou conciliador (artigo 168), suspensão do processo por convenção das partes (artigo 313, II), saneamento consensual (artigo 357, par. 2º) etc.

O artigo 190 do NCPC, seguindo linha inaugurada pela lei 9.307/96 (lei de Arbitragem ainda em vigor), passou a aceitar, dentro de alguns limites de ordem pública, expressamente contidos no bojo do artigo, a ideia de negócios jurídicos processuais, ou seja, atos prévios ou contemporâneos ao processo que influam na forma do procedimento processual (funda-se em exemplos de direito estrangeiro como o case manegement e o contrat de procedure). O próprio CPC/73 já previa algumas possibilidades, como se observa pelo revogado artigo 333, par. único disciplinando negócios a respeito de ônus probatórios – regra muito pouco utilizada naquela época.

Aí existe margem para negócios processuais atípicos (não previstos de modo expresso ou tipificados pelo NCPC).

Como existe a possibilidade de serem prévios ao litígio, aumentou-se muito a dimensão do instituto contrato que, antes, como regra geral estabelecia direitos de índole material (não obstante tênue possibilidade de alguns atos processuais já previstas pelo CPC/73 mas pouco utilizadas, como a distribuição de ônus probatórios), podendo agora, em ampla margem, estabelecer direitos, poderes, ônus e faculdades (aplica-se a teoria de Guiseppe Lumia sobre as posições jurídicas elementares) de índole processual.

Alguns autores (verbi gratia Fredie Didier) apontam um novo princípio processual a partir da novidade: Princípio do respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo.

Aplica-se, ainda, o sistema de cláusulas gerais – conceitos vagos – ou seja, o legislador deixa modelos abertos a serem preenchidos pelo Juiz do processo, casuisticamente. Como se cuida de cláusula geral e não de conceito jurídico indeterminado (outra espécie de conceito vago) o Juiz não se encontra adstrito a nenhuma consequência jurídica previamente estabelecida – pode encontrar a melhor solução para cada caso concreto. Nesse sentido, Daniel Amorim – Manual de Direito Processual Civil – Volume Único – Ed. 2016, p. 319.

Parte-se de uma ideia de acordo com a qual, havendo capacidade plena (de direito e de fato), cuidando-se de direito que admita auto composição (veja-se bem: a lei não fala em disponibilidade ou indisponibilidade do direito, mas fala em sua transigibildiade – ou seja, mesmo alguns direitos indisponíveis – exemplo locação para um ente público de espaço num shopping – se houver poder de transação pelos advogados públicos – o que ocorre em várias situações legais – há Portarias e Resolução da AGU nesse sentido Portaria AGU 109/07– ou gestores nos termos da lei 13.140/15 que deu nova redação aos artigos 1º e 2º da lei 9.469/97 - haverá espaço para entabular tais ajustes).

Nos termos do Enunciado 135 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis tem-se, de modo expresso que a indisponibilidade do direito material, por si só, não impede o negócio jurídico processual.

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*Júlio César Ballerini Silva é magistrado, professor e coordenador Nacional do Curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da ESD/Proodem.

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