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Trabalho escravo contemporâneo: praga social a ser combatida

A prática do trabalho escravo está viva em nossa sociedade e caminha na contramão do mundo contemporâneo.

1/2/2017

O dia 28 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, em homenagem aos auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego brutalmente assassinados, em 2004, enquanto apuravam denúncias na zona rural de Unaí, em Minas Gerais. A data simbólica, instituída em 2009, por meio da lei 11.905, tem como objetivo conscientizar a população acerca da existência do uso da mão de obra escrava nos dias atuais e sobre a necessidade de erradicar a escravidão contemporânea.

 

A despeito de a escravidão contemporânea não utilizar dos artifícios clássicos da escravidão, tais como a compra e venda do escravo, o acorrentamento e os constantes castigos, os escravagistas modernos se valem de meios que ferem a dignidade do trabalhador, mantendo-o submisso a situações degradantes, sobretudo por meio do chamado truck system, sistema pelo qual o empregador mantém seus empregados vinculados ao trabalho em razão das dívidas com ele contraídas.

 

Quanto à abrangência, o escravismo contemporâneo é tradicionalmente atribuído a atividades econômicas ligadas à zona rural, como a produção agrícola e pecuária, no entanto, vem sendo verificado com frequência nos últimos anos também a presença da mão de obra escrava nos grandes centros urbanos, sobretudo na construção civil e no setor têxtil, sendo casos neste último amplamente divulgados pelos meios de comunicação por envolverem marcas conhecidas.

 

Fazendo breve retrospectiva histórica, as primeiras denúncias pós-abolição surgem na década de 1970, levadas pela Comissão Pastoral da Terra a conhecimento do Estado. Contudo, somente em 1995, o governo brasileiro reconheceu oficialmente a existência dessa grave violação aos direitos humanos, passando a adotar medidas mais firmes no combate à escravidão moderna, conquanto já tivesse conhecimento dessa praga social desde o início da década de 40, quando o legislador tipificou, no artigo 149 do CP, as condutas de reduzir alguém à condição análoga à de escravo.

 

Com efeito, verifica-se que o ano de 1995 foi o marco temporal para a consolidação e o fortalecimento do combate a novas formas de trabalho escravo contemporâneo no Brasil. O reconhecimento feito pelo Estado Brasileiro foi de suma importância para a criação de mecanismos e políticas institucionais de enfrentamento, tais como o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que tem como finalidade a fiscalização e o combate à prática da utilização de mão de obra escrava, além da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, ente vinculado à Secretaria de Direitos Humanos, responsável por coordenar e avaliar a implementação de ações para erradicação do trabalho escravo, bem como de promover estudos e pesquisas sobre o tema no Brasil.

 

Ademais, a legislação pátria que versa sobre a matéria vem sendo aprimorada. Em 2003, a redação do artigo 149 do CP foi alterada, conferindo maior extensão ao entendimento do que seria reduzir alguém à situação análoga à escravidão. Outrossim, em 2014, uma década depois da chacina de Unaí, foi promulgada a Emenda Constitucional 81, instituindo a expropriação de propriedades urbanas ou rurais no caso de se comprovar exploração de trabalho em condição análoga com a escravidão, determinando-se também que as propriedades confiscadas sejam destinadas à reforma agrária ou a programas com enfoque na habitação popular. O dispositivo constitucional é de eficácia limitada, necessitando de uma lei que a regulamente para sua plena eficácia.

 

Também é importante ressaltar outros mecanismos que vêm contribuindo na luta pela erradicação do trabalho escravo, tais como a criação da chamada lista suja de empresas flagradas com trabalhadores em situações semelhantes à de escravidão, as condenações de grande monta nas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho em face de empresas escravagistas, além do trabalho de organizações não estatais, como a ONG Repórter Brasil e a Comissão Pastoral da Terra.

 

Dados oficiais apontam que, desde o reconhecimento do Brasil sobre a existência do trabalho escravo contemporâneo, quase 50 mil trabalhadores foram libertados. Os números demonstram os avanços que o Brasil obteve no combate e, em paralelo, dão uma ideia real do problema, concluindo que ainda há um longo caminho a ser seguido.

 

Apesar dos enormes avanços em nosso ordenamento pátrio, as importantes conquistas estão sob Constantes ameaça. Prova disso é o PL 423/13, de autoria do senador Romero Jucá, que pretende regulamentar o contido no artigo 243 da CF, que dispõe sobre a expropriação das propriedades rurais e urbanas em que se localizem a exploração de trabalho escravo. O aludido projeto tem claro objetivo de reduzir o conceito atual de trabalho escravo, suprimindo de forma proposital o trabalho degradante e a jornada exaustiva como hipótese apta a configuração do trabalho em situação análoga à escravidão. Outro exemplo é a constante perseguição empresarial à divulgação da lista suja.

 

Embora o Brasil tenha avançado, é necessário fazer mais. O momento atual do país pede resistência e atenção na busca pela manutenção dos direitos adquiridos. A prática do trabalho escravo está viva em nossa sociedade e caminha na contramão do mundo contemporâneo, atentando contra os princípios constitucionais mais basilares, como a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e a vedação do retrocesso social.

 

O foco e o esforço empreendidos pelo patronato para alavancar a geração de lucros às margens da preocupação com os recursos humanos que geram os bens comercializados, somados à ausência de eficácia plena do Estado, no que tange à racionalização e à implantação de meios capazes de garantir a dignidade social e as condições mínimas de trabalho, são pontos-chave para entender a presença dessa praga social em nossa sociedade.

 

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*Filipe Frederico da Silva Ferracin é assistente jurídico de LBS Advogados, unidade de Brasília.

 

 

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