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Considerações a respeito do conceito de Justiça na antiguidade greco-romana e sua continua influência no direito pátrio mesmo após o advento de um novo CPC que também nele pode ter suas bases

Nossos manuais jurídicos tem alardeado, de forma mais ou menos constante e permanente a influência romana, sobretudo na esfera do direito privado.

26/1/2017

Partindo do pressuposto segundo o qual toda e qualquer discussão ética não pode estar alheia à noção Justiça, posto que, como preconiza Olinto Pegoraro1, o viver eticamente seria viver conforme a Justiça, passei a me preocupar com o conceito de Justiça (questão árida e tormentosa, que suscita acalorados debates), na Antiguidade greco-romana, eis que tal visão revela a base sob a qual se assenta o nosso ordenamento jurídico atual.

É bem verdade que nossos manuais jurídicos tem alardeado, de forma mais ou menos constante e permanente a influência romana, sobretudo na esfera do direito privado (são inúmeras as referências ao Digesto de Justiniano), mas não se pode perder de vista, algumas considerações, como, em primeiro lugar, a de que o mundo romano passou a sofrer forte influência da cultura helênica, o que traria reflexos dessa cultura para o direito (que, para alguns autores contrapostos à teoria Kelseniana, como o argentino Carlos Cossio, seria fator eminentemente cultural), e, em menor escala, mais de forma não menos importante, de se ponderar que as próprias compilações gregas (ou pandektas) serviram como substrato para o chamado movimento pandektista alemão, que, como é cediço, inspirou Clóvis Bevilácqua na elaboração de nosso CC/1916 que nos regeu por quase um século.

E é bem verdade que nosso atual direito civil sofreu o impacto da constitucionalização rompendo com aspectos essencialmente patrimonialistas – típicos do jus gentium romano e que foram aprofundados com o laissez faire laissez passet do Estado Liberal (mundo oitocentista), mas, ainda assim, são muitos os traços do jus quiritum que ainda nos orientam.

Não se perca de vistas que passamos, recentemente, por uma reforma em nosso processo civil, com um novo diploma que nos aproxima de sistemas processuais de outro grande sistema de direito contemporâneo (na visão de René David) que seria o direito da Common Law, com seus sistemas de precedentes.

Mas, antes que nos precipitemos em aduzir que o sistema romano (Civil Law) estaria sendo abandonado, parece ser mais adequado concluir no sentido de que esteja ocorrendo, em escala global, uma amálgama entre os dois sistemas (a partir de trabalhos como os desenvolvidos pela ALI – American Law Institute e da Unidroit, esta última capitaneada por ninguém menos que Michelle Tarufo).

Ou seja, ainda não nos desapeguemos do latim que agora deve ser combinado ao inglês. Mais ainda, não podemos nos esquecer de inúmeras influências que o direito romano sofreu antes de se tornar o que se tornou.

Resta, portanto, que, a par da influência do chamado mundo romano sobre a nossa concepção do mundo jurídico (na qual estaria inserida a concepção de Justiça), existe grande e não muito percebida, influência helênica sobre o mesmo substrato.

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1 PEGORARO, Olinto A. Ética é Justiça. 3ª Edição. Petrópolis: Ed. Vozes. 1995. p.11.
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*Júlio César Ballerini Silva é magistrado e professor de pós-graduação. Coordenador nacional do curso de pós-graduação em Direito civil e processo civil da ESD/Campinas.


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