Migalhas de Peso

A intervenção do Poder Judiciário nas questões de concurso público

Cada vez mais nos deparamos com bancas de concursos despreparadas, as quais violam constantemente princípios basilares da administração pública.

25/1/2017

Muito se discute acerca dos limites de atuação do Poder Judiciário ao intervir em questões de concurso público. O STF proferiu julgamento com Repercussão Geral acerca do tema, destaca-se no julgado de 632.853 RE – CE, que não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas, excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame.

Porém, referida decisão encontra-se em descompasso com a nossa realidade. Cada vez mais nos deparamos com bancas de concursos despreparadas, as quais violam constantemente princípios basilares da administração pública, sem contar o total descaso com os candidatos que dedicam todos os seus esforços para alcançar o tão almejado cargo público, porém esbarram em bancas despreparadas que se utilizam da arbitrariedade em suas decisões, não restando outra alternativa ao candidato senão bater na porta do Judiciário para reparar o seu direito que fora violado.

Neste contexto, cabe sim ao Judiciário penetrar na esfera do concurso a fim de avaliar-lhe a legalidade do certame, eis que não é legal cobrar questões que não compõe o conteúdo programático, bem como questões que estão consubstanciadas de erro grosseiro. Acerca do tema imperioso se faz citarmos as palavras do ilustre jurista Hely Lopes Meirelles:

Não se pode perder de vista, contudo, que embora o Poder Judiciário não possa substituir o ato discricionário do administrador, deve proclamar as nulidades e coibir os abusos praticados. Impedir o Juiz de incursionar pela matéria de fato, quando influente na formação do ato administrativo, será convertê-lo em mero endossante dos atos da autoridade administrativa, substituindo o controle da legalidade por um processo de referenda extrínseco, em flagrante afronta ao disposto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição.1

Consoante aos ensinamentos de Meirelles, o STF e o STJ possuem o entendimento que de forma excepcional, quando presente manifesta ilegalidade, imoralidade ou erro grosseiro deve o Judiciário intervir, avaliando as questões submetidas aos candidatos. De modo a comprovar o exposto, importante citarmos trecho do voto do ministro Gilmar Mendes, em seu voto proferido no julgamento do REsp 632.853:

O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas, consoante pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes (v. G., MS 30433 AgR/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 827001 AgR/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa; MS 27260/DF, Rel. Min. Carlos Britto, Red. Para o acórdão Min. Cármen Lúcia), ressalvadas as hipóteses em que restar configurado, tal como in casu, o erro grosseiro no gabarito apresentado, porquanto caracterizada a ilegalidade do ato praticado pela Administração Pública.

Merece destaque também a decisão proferida pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho no julgamento do REsp 1472506/MG, veja-se:

Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas, tendo em vista que, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pelo seu exame (EREsp. 338.055/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 15.12.2003). 2. Excepcionalmente, contudo, havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva de prova de concurso público, bem como ausência de observância pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade e da vinculação ao edital. [...] 5. Agravo Regimental desprovido (STJ, AgRg no REsp 1472506/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 09/12/2014, Dje 19/12/2014).

Sendo assim, não se faz possível consentir com atos arbitrários cometidos pela banca examinadora ante a flagrante ilegalidade e de comportamento abusivo, não estamos falando aqui de invasão ao mérito administrativo, pois, referidos atos se distanciam da lei, do direito e da justiça, deixando o titular do direito lesado e ameaçado, e por conseguinte, merecem ser devidamente apreciados e sanados pelo Judiciário, conforme preceitua o Art. 5, XXXV da Carta Magna.

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1. Meirelles, 2005, p. 120-121.

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*Andrew Henrique Domingues Gonçalves é advogado na área de Direito Empresarial no escritório FAMS e Advogados Associados.


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